Breve atualização biográfica dos traidores do Maio de 68

Hugo R C Souza

Em 2006, quando foi escolhido pela revista IstoÉ o "brasileiro do ano", Luiz Inácio saiu-se com esta: "Se você conhecer uma pessoa idosa de esquerda é porque ela está com problema. Se acontecer de conhecer alguém muito novo de direita é porque também está com problema".

Em 1968, Lula se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Apenas iniciava sua vida política, que seria marcada para sempre pelo oportunismo e pela subserviência aos poderosos. Mas a bobagem reacionária proferida quando recebeu da IstoÉ aquela honraria picareta poderia ter saído da boca de muitos outros traidores das massas. Em se tratando dos vira-casaca do Maio de 68, Luiz Inácio pareceu lhes roubar as palavras.


Não são poucos os que estiveram à frente dos levantes e agora — com atos, palavras ou ambos — vêm negando a importância e desmerecendo o legado dos acontecimentos do Maio. Aderiram de bom grado à ordem capitalista, trocando o passado de protagonistas de um período importante das lutas revolucionárias por dobradinhas infames com patrões e políticos da direita.


A Nova Democracia listou alguns destes traidores e alguns breves exemplos do alcance de suas traições. Os nomes abaixo estiveram na linha de frente dos enfrentamentos daquele Maio contra o patronato e o aparato de repressão na França e na Alemanha, países que foram palco das maiores resistências anti-capitalistas na Europa daquele ano. Sua exposição ao opróbrio público serve para que as massas fiquem atentas aos sabotadores sorrateiros de seus interesses.

André Glucksmann, o penitente

Tornou-se internacionalmente conhecido em 1967, quando publicou O Discurso da Guerra, livro sobre a estratégia ianque para o Vietnã. Ainda que tenha vivido e participado intensamente dos acontecimentos do Maio de 68, começou a se distanciar da esquerda autêntica antes mesmo de atirar as primeiras pedras contra a polícia parisiense, tecendo críticas de cunho revisionista à revolução soviética. Hoje, defende a invasão ianque do Iraque e apóia a política assassina com a qual Israel massacra o povo palestino.


Recentemente Glucksmann esteve no Brasil para fazer marketing em torno do seu mais novo livro, O Discurso do Ódio, no qual debocha da insensatez dos que atribuem os principais males do mundo aos "imperialistas safados" — palavras dele, de escárnio.


Fez a festa do monopólio nacional dos meios de comunicação, que adora jogar luz sobre polemistas da direita, mas que não perde mesmo é a oportunidade de exibir como um troféu os comunistas penitentes.

Horst Mahler, o nazi

Enquanto membro da Federação Alemã dos Estudantes Socialistas, Mahler foi um dos principais porta-vozes das revoltas de maio de 1968 na Alemanha. Hoje ele se refere ao acontecimentos do Maio como uma "revolução conservadora" ou como "fascismo de esquerda". Atualmente é membro do NPD, partido da extrema-direita alemã que chegou a ser ameaçado de extinção por estar associado ao crescimento dos neonazistas no país, e cujo líder recentemente negou a existência do Holocausto. Levanta hoje a bandeira da hostilidade aos imigrantes, isto no país onde está a maioria dos turcos que vivem fora da Turquia.


No fim do ano passado, quando se encontrou com o jurista Judeu Michel Friedman em um aeroporto de Munique, Mahler o cumprimentou dizendo: "Heil Hitler, Herr Friedman!".

Olivier Rolin, o Judas

Levantou a voz em 2006 contra os que na França se rebelaram contra o Contrato do Primeiro Emprego, que garantiria às empresas a liberdade para despedir os recém ingressados no mercado de trabalho depois de recorrer a eles a seu bel prazer, e que o patronato queria impor à juventude do país. Na época, disse que os protestos das ruas eram de natureza conservadora, porque "não é um movimento que deseja uma sociedade nova".


Assim, com este discurso perfeitamente ajustado à lógica liberal, ele se posicionou ainda a favor do projeto de Constituição Européia patrocinado pelo poder econômico, a despeito da imensa mobilização popular que em 2005 rechaçou a idéia votando contra a ratificação da França ao tratado constitucional. Recentemente, perguntado por um jornalista português sobre a herança deixada por sua geração, a do Maio de 68, Rolin foi taxativo quanto à sua mudança de lado: "Acho que não deixamos nada de positivo".


Ex-dirigente da maoísta Gauche Prolétarienne (Esquerda Proletária), dedica-se hoje a produzir literatices políticas. A personagem central de um de seus livros mais repercutidos, chamado Tigre de Papel, tem cunho auto-biográfico e personifica como muito bem — ponto para o autor — o típico ex-revolucionário de 68 que virou a casaca, ainda que com ares melancólicos ("A Revolução foi a última epopéia ocidental, depois dela todo mundo foi dormir").

Joschka Fischer, o cooptado

Destacou-se no Maio alemão, quando combateu com reconhecido brio a forças da ordem nas ruas de Frankfurt.
Já como vice-chanceler alemão e enquanto ministro das Relações Exteriores do governo de Gerard Schröder, funcionou como Cavalo de Tróia do USAna Europa. Conta com a simpatia alegre da burguesia do continente, encantada com o ex-agitador convertido a um dos seus. Teve participação decisiva nos bombardeios criminosos da OTAN na Sérvia, a pedido da administração Clinton. Recentemente criticou seus correligionários do Partido Verde Alemão por terem votado contra o prolongamento da permanência de tropas alemãs no Afeganistão.

Alain Finkielkraut, o provocador

Intelectual de caráter duvidoso, afeito às câmeras e holofotes — e à provocação, à moda Diogo Mainardi — Finkielkraut é hoje um daqueles denunciantes do anti-semitismo que costumam desfilar sua justas críticas ao mesmo tempo que minimizam o sofrimento dos palestinos e negam que em Gaza e na Cisjordânia está em andamento uma política de extermínio patrocinada pelo USA e levada a cabo pelo Estado sionista de Israel.


Além de ser pró-Israel, ele apoiou a invasão dos Balcãs pela OTAN, justificando assim sua posição: "às vezes é preciso fazer a guerra para acabar com a guerra".


Em 2002, em entrevista ao jornal Le Monde Diplomatique, Finkielkraut desancou, cheio de rancor, algumas das personalidades francesas verdadeiramente comprometidas com as classes populares. Dos pedagogos que advogam uma educação para além da submissão capitalista, disse que eram "guardas vermelhos da cultura".


De Pierre Bourdieu, reconhecido intelectual francês que esteve ao lado do povo na maioria dos levantes na França na segunda metade do século passado e no começo do atual, Finkielkraut disparou: "manipulador, hipócrita, perverso, grandiloquente, ridículo, insuportável". Na mesma ocasião, não fez questão de esconder seu deslumbre com as maravilhas do imperialismo ianque: "o antiamericanismo é o progressismo dos idiotas".


Foi contra ainda a revolta dos imigrantes marginalizados dos subúrbios parisienses, em 2005, e não perde uma única oportunidade de ridicularizar o próprio Maio.

Bernard-Henri Lévy, o quebra-tabus

Depois das eleições francesas de 2007, Bernard-Henri Lévy disse que o grande mérito da candidata socialista, Ségolène Royal, que perdeu a disputa pelo palácio do Eliseu, foi ter quebrado um velho tabu da esquerda francesa, o de se aproximar do centro e da centro-direita, abandonando a ligação histórica dos socialistas com a extrema esquerda. Disse mesmo que, por isso — e apesar de ter perdido — o Partido Socialista francês saiu vitorioso do pleito.


E assim Bernard-Henri Lévy vai construindo sua reputação de intelectual mais polêmico da França e segue com seus livros nas listas dos mais vendidos de Paris. Quando o reacionário Nicolas Sarkozy, depois de eleito presidente, alardeou aos quatro ventos que era preciso "liquidar a herança de maio de 68", o ousado Bernard-Henri Lévy limitou-se a dizer que "liquidar é uma palavra muito forte".

Stéphane Courtois, o convertido

Liderança expressiva do Maio, sobre ele a revista Veja disse em 1997 que se tratava de "um ex-maoísta convertido em crítico feroz do marxismo". E tinha razão. Em matéria publicada naquele ano, a revista reacionária cultuava O Livro Negro do Comunismo, uma coletânea de textos revisionistas e anticomunistas organizada pelo próprio Courtois, que na introdução à obra escreveu que o comunismo é algo naturalmente criminoso, comparável ao nazismo.


Estas posições permeadas de ranço anticomunista supreenderam até mesmo os co-autores do livro, que o acusaram de manipular dados para provar estatísticas sensacionalistas sobre as experiências socialistas. Recentemente organizou uma continuação, chamada O Mal Pela Raiz — onde o "mal", segundo o Courtois convertido às maravilhas do capitalismo moderno, é mais uma vez o comunismo.

Daniel Bensaid, o petista

Após Participar ativamente das lutas do Maio de 68, começou a escrever e publicar uma série de livros sobre Marx e o marxismo. A maioria, principalmente os mais recentes, de cunho revisionista, sempre atacando o maoísmo e o que chama de "marxismo ortodoxo".


São obras com títulos reveladores, como Marx, o intempestivo e Os irredutíveis, na qual diz que o primeiro passo para a transformação do mundo é a indignação, a incondicional condenação da injustiça e a não-resignação, como se os passos que foram dados até aqui em uma longa, sofrida e vitoriosa história de lutas da classe operária não valessem nem o prefácio de um livro de segunda.


Hoje é professor de filosofia da universidade de Paris VIII. Foi dirigente da recém-extinta Liga Comunista Revolucionária. É membro do Secretariado Unificado da Quarta Internacional, cujas principais forças desmerecem as experiências revolucionárias mais autênticas e democráticas para apostar numa espécie de colaboracionismo transitório cujo destino está fadado a nunca chegar. Por isto mesmo, Bensaid é metido com a Democracia Socialista, corrente do PT que difere da Articulação apenas pela quantidade de blablablá jogado fora, além de ser ídolo também no P-SOL.

Daniel Cohn-Bendit, o arrependido

Depois de se destacar como o protagonista máximo dos levantes populares na França e na Alemanha na ocasião do Maio de 68, com seus discursos inflamados, combatividade contagiante e liderança incontestável, o hoje eurodeputado Cohn-Bendit é também um dos que atualmente se juntaram de forma mais entusiasta à reação.


Dany Le Rouge (Dany, o Vermelho), como os chamavam os franceses por causa de sua entrega radical ao socialismo e por seus cabelos ruivos, diz agora que sempre foi anti-comunista.
"Meu conselho é que esqueçam de maio de 68. Por quê? Porque acabou! Foi extraordinário, formidável, mudou nossas vidas, mudamos a vida. Mas não vamos voltar ao tema eternamente", disse recentemente.


Cohn-Bendit tenta minimizar a importância do movimento que protagonizou, fazendo coro aos que tentam desqualificar o Maio, desvinculando-o das questões de classe e reduzindo-o a mera agitação juvenil que, se teve alguma relevância, foi para que se desenvolvesse o feminismo, a aceitação homossexual e a autonomia das gerações mais jovens em relação à caretice de seus pais.


Ele chega mesmo a dizer que o Maio tem grande responsabilidade política e moral sobre o terrorismo: "Ao se juntar às coisa tolas ditas pelo movimento, sua fraseologia revolucionária e tudo isso, a loucura terceiro-mundista pode se justificar nesse marco".

Os vira-casaca de cá

É verdade que os protagonistas mais célebres do Maio de 68, seus líderes mais destacados e combativos, transformaram-se em arautos da ordem capitalista. Hoje, no quadragésimo aniversário do Maio, isto vem sendo lembrado por eles próprios e pelo oligopólio internacional dos meios de comunicação para repetir uma mentira, a de que aqueles acontecimentos não passaram de fogo de palha, coisa de jovens rebeldes sem causa.


Mesmo no Brasil, pessoas que estiverem engajadas em movimentos populares contra o regime militar não tardaram em virar a casaca nas primeiras oportunidades que tiveram para ficar ao lado do do poder econômico burguês-latifundiário. Em geral, hoje fazem parte dos aparelhos partidários que se revezam na administração nacional e que promovem em nosso país o projeto conservador ditado pelo USA e pelas instituições financeiras internacionais.

Felizmente a memória do Maio sobrevive
às tentativas de adulteração...
seu exemplo permanece atual
para as lutas presentes
da juventude e das classes populares

É o caso, por exemplo de José Dirceu, o corrupto traidor do povo que hoje presta consultoria ao empresariado global, ensinando o caminho das pedras para fazer das massas mero joguete do grande capital. É o caso também de Vladimir Palmeira, que anos depois de ser perseguido pela polícia política aderiu ao receituário penal ianque, fazendo da sua última candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro um palanque da repressão e do ódio ao povo. Nesta lista, entram ainda Raul Pont, Jean Marc von der Weid e o ex-global propagandista da administração FMI-PT Franklin Martins.


Felizmente a memória do Maio sobrevive às tentativas de adulteração do seu verdadeiro significado, seu legado não sucumbirá às inúmeras tentativas de revisionismo, e seu exemplo permanece atual para as lutas presentes da juventude e das classes populares.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey