Ao final do ano, completam-se dois séculos que, em razão da invasão das tropas de Napoleão Bonaparte, a família real foi obrigada a deixar Portugal e migrar para o Brasil sob a proteção britânica. Uma das primeiras medidas do príncipe regente D.João, antes mesmo de desembarcar no Rio de Janeiro, foi assinar ainda na cidade da Bahia a carta régia de 28/1/1808 que abriu os portos brasileiros às nações amigas.
Milton Lourenço (*)
Ao final do ano, completam-se dois séculos que, em razão da invasão das tropas de Napoleão Bonaparte, a família real foi obrigada a deixar Portugal e migrar para o Brasil sob a proteção britânica. Uma das primeiras medidas do príncipe regente D.João, antes mesmo de desembarcar no Rio de Janeiro, foi assinar ainda na cidade da Bahia a carta régia de 28/1/1808 que abriu os portos brasileiros às nações amigas.
A história oficial atribui a medida ao empenho de um professor jubilado e funcionário da Coroa lotado na Bahia, José da Silva Lisboa, futuro visconde de Cairu, mas a verdade é que, com o deslocamento da família real, os papéis se invertiam: o Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro, virava metrópole e Portugal era reduzido à condição de colônia. Portanto, com a Corte no Brasil, não havia mais sentido em manter a política do exclusivo comercial que estabelecia que as cargas que deixassem o Brasil passassem por Lisboa ou pelo Porto antes de serem encaminhadas a outras nações.
Tampouco haveria sentido em manter a proibição que impedia a instalação de fábricas, revogada por alvará de 1/4/1808. Foi a partir daí que o País cresceu e expandiu-se, a tal ponto que, em 1822, quando houve a ruptura definitiva, já era a parte mais forte do império.
Duzentos anos depois, não se pode dizer que não construímos uma grande nação, ainda que estejamos agora diante de uma tarefa assustadora: criar por ano milhões de empregos para evitar que a maior parte de nossa juventude enverede pelos caminhos sem volta da ilegalidade. Se dispomos de uma geração de administradores capazes de alcançar êxito em tamanha empresa, só o futuro dirá. Mas uma coisa é certa: como há dois séculos, a saída para o País continua a passar pelo mar. Ou melhor: por nossos portos, responsáveis por mais de 90% de nosso comércio exterior.
E que precisam não só estar cada vez mais abertos às nações amigas, mas eficientemente aparelhados. Eis aqui o nó górdio que não desatamos em 200 anos. Os portos brasileiros continuam desaparelhados e sem infra-estrutura capaz de suportar sequer um crescimento médio de 6% ou 7% ao ano na economia. Quanto mais de 9% ou 10%, como fazem Índia e China.
Como se recorda, em outubro de 2004, o governo anunciou o programa Agenda Portos, que reunia um conjunto de 64 projetos que deveriam ser executados em caráter de urgência nos onze principais portos do País. Já àquela época se tinha consciência de que, diante do crescimento das exportações, era necessário evitar que a ineficiência dos portos viesse a causar o estrangulamento do setor mais dinâmico da economia.
Já vamos para dois anos e meio de existência da Agenda Portos e nem a metade das ações previstas foi executada, embora o Relatório de Desempenho do programa liste dezenas de obras concluídas. Não faz um ano, o Ministério dos Transportes admitiu que uma das causas do atraso era a ausência de projetos bem elaborados que pudessem sair do papel de imediato. Além disso, praticamente, não há obras de infra-estrutura portuária que não venham a afetar o meio ambiente, o que significa negociações demoradas com os órgãos de defesa ambiental.
Como sempre, a burocracia acaba por dar nos nervos, mas, nesse caso, não há como queimar etapas. Em Santos, por exemplo, o material depositado no leito do estuário é composto de resíduos tóxicos que, removidos, podem causar um desastre ambiental de proporções catastróficas.
Até agora, apenas os portos de Vitória e Paranaguá passaram por obras de dragagem que chegaram até o fim. Nos outros seis portos contemplados pela Agenda, os serviços seguem em ritmo lento, em meio à luta para a obtenção das devidas licenças ambientais.
Infelizmente, os portos brasileiros, de maneira geral, são de pouca profundidade, variando de 10 a 15 metros. E o futuro dos mares já está traçado: será dos cargueiros de grande tonelagem, que exigem profundidade superior a 17 metros para atracar. Se não houver essa condição, já se sabe: esses meganavios vão para os portos que tenham essa capacidade.
Assim, não há outra saída que não seja a de gastar recursos e mais recursos num trabalho que se assemelha ao de enxugar gelo: retirar continuamente lodo, detritos e a areia que escorrega das margens dos estuários. O que causa temor é que o Ministério dos Transportes não tem conseguido sequer gastar a metade de sua dotação orçamentária. A continuar assim, não haverá muitos motivos para uma comemoração festiva dos 200 anos da abertura dos portos às nações amigas.
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(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]
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