Cinquenta anos atrás, um gênio norte-americano, Don McClean escreveu a música Starry, starry night na qual ele conversa com outro gênio, Vincent van Gogh.
Parece haver mais comunicação entre Don McClean e Vincent van Gogh, falecido quase um século antes em 1890 aos trinta e sete anos de idade, na brilhante letra desta bela canção, escrita em 1971. Parte do refrão diz:
Eles não queriam ouvir, eles não sabiam como
Talvez eles vão ouvir agora
Concordo com a primeira linha, infelizmente tenho que discordar da segunda. Eles nunca ouvirão porque não apenas não sabem como, também não têm intenção de ouvir. Logo no final de sua canção, McClean conclui:
Eles não ouviram, eles não estão ouvindo ainda
Talvez eles nunca vão ouvir
Em inglês, tudo rima, mas a mensagem está aqui. E aqui, finalmente, ele acerta o prego na cabeça. Eles não ouviram, não estão ouvindo e nunca ouvirão. Talvez este seja um bom lugar para começar a encontrar soluções, em vez de olhar uns para outros pela mira de uma arma.
Ontem eu vi uma cena de cair o queixo no Parlamento Europeu e assisti incrédulo enquanto uma grande parte da câmara se levantou e saiu quando o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, se dirigiu ao Parlamento. Isso me lembrou o momento em que deixei de acreditar no Brasil como potência mundial e como um país com alguma substância, quando o Congresso destituiu a presidente Dilma Rousseff em 2016. Para quê? Porque ela lutava contra a corrupção. Ontem tive a mesma sensação, ou seja, que estava assistindo a um bando de pirralhos mimados e petulantes, liderados por Ursula von der Leyen, agindo como... bem... pirralhos mimados e petulantes, um ato pueril de insolência coletiva e um ato de total irresponsabilidade. Em vez de fazer o seu trabalho, ouvindo todos os lados e tentando encontrar soluções, que seria uma abordagem adulta e madura, eles mostraram que são totalmente inadequados para o propósito. Sempre me perguntei para que serviam os documentos do Parlamento da UE, agora sei.
Pouco antes do início da operação militar na Ucrânia, alguns meios de comunicação ocidentais estavam admitindo que “a Rússia tem alguma razão”, referindo-se à expansão da OTAN para o leste, quando a OTAN prometeu que não expandiria. Como vimos, a palavra da OTAN é tão valorizada e respeitável quanto os rabiscos nas paredes de uma latrina pública em um estádio de futebol, em excremento.
E a Rússia tinha razão neste ponto e continua a ter. A segunda questão do lado da Rússia é que durante oito anos ninguém forçou a Ucrânia a respeitar os Acordos de Minsk, que ela assinou em 2015 e que garantiam a integridade territorial da Ucrânia e o posicionamento das Repúblicas Populares de Lugansk e Donetsk (Donbass) dentro da Ucrânia mas desfrutando de seus costumes, cultura, língua e religião. Durante oito anos a Rússia insistiu que as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk deveriam permanecer dentro da Ucrânia, durante oito anos as forças militares ucranianas tentaram retomá-las por força e durante oito anos tantas famílias russas ou ucranianas russófonas derramaram sangue e lágrimas. Houve massacres. Civis inocentes e desarmados foram chacinados por fascistas usando insígnia de Nazis. Isso não é propaganda, são factos. A a questão é, um país tem o direito de massacrar sua própria população? E quando no outro lado da fronteira a população é igual em term s de cultura, língua, religião e tradição?
São coisas complexas a complicadas e os de fora deveriam tomar isso em consideração quando formam ações e provocam reações porque quem sofre, como vemos há oito anos, é o povo, seja russófono ou seja do lado ocidental da Ucrânia.
O contexto da questão do Donbass e da questão da Crimeia coneça com o Putsch em 2014, no qual o presidente democraticamente eleito foi deposto, depois houve manifestações de ódio de jovens nas ruas de Kiev gritando “Morte aos russos e judeus”, seguido de massacres fascistas de ucranianos de língua russa (Procure na Busca Azov Battalion). Em seguida, a família Biden mudou-se para o setor de energia ucraniano (Veja Biden + energia + Ucrânia). Você também pode pesquisar no Google o relacionamento dos EUA com o Batalhão Azov, que foi classificado inicialmente como uma força terrorista e depois aceite por Washington depois que o Pentágono (OTAN) disse à DC para mudar de tom.
Todas esses factos são verdadeiras e são transparentes, isso não é propaganda, são fatos. Vamos enfrentá-los. Inventar mentiras é não respeitar ninguém.
Aos 63 anos, minha própria postura sobre o gerenciamento de crises tornou-se um pouco mais madura e menos impetuosa. A atitude madura, eu diria, significa que você não toma partido se não for russo ou ucraniano. Alguém tomou partido quando os EUA e o Reino Unido invadiram o Iraque fora dos auspícios da ONU? Eu avisei ambos na época, muitas vezes, dizendo-lhes que isso era um grande erro e que destruiria a credibilidade em suas políticas externas nas próximas décadas. Na hora pensei...
Eles não queriam ouvir, eles não sabiam como
Talvez eles vão ouvir agora
Mas agora depois do Afeganistão (problema iniciado pelos EUA na década de 1970), depois do Kosovo, depois do Iraque, depois da Líbia, depois da Síria, percebo, como McClean
Eles não ouviram, eles não estão ouvindo ainda
Talvez eles nunca vão ouvir
E assim vemos que a reação do Parlamento da UE está longe de ser madura, e quanto ao resto do mundo ocidental, é claro que eles odeiam a Rússia e sempre odiaram, desde 1917, quando Moscou mostrou ao mundo que existe um modelo alternativo social e económico. Nunca há um pouco de positividade na mídia ocidental acerca da Rússia ou dos russos.
Enquanto muitos se concentram em crimes de ódio contra russos ou ucranianos, ou tiram prazer em vomitar números sobre mortes, neste momento, há famílias a chorar nos dois lados, pessoas estão a perder as suas vidas, famílias estão perdendo entes queridos, crianças estão gritando de pânico ou sendo mortas, áreas residenciais estão sendo atingidas (porque o as forças que os defendem estão colocando armamento em escolas, jardins de infância etc. para forçar o aumento das vítimas civis, uma velha tática da CIA, embora ninguém aqui esteja dizendo às forças ucranianas como administrar o conflito).
Não ouvir a voz dos dois lados e o contexto do conflito é desrespeitar todos e é incapacitar o próprio para comentar. Como jornalistas, temos de respeitar todos, dizer a verdade de forma objectiva a explicar aos leitores e espectadores as origens de cada história, não apenas mostrar uma moça a chorar e abanar as chamas de ódio dizendo “Olhem o que Putin vez!”
Para cada vítima ucraniana neste conflito atual, eu poderia apresentar a vocês vinte ou mais entre a população russófona de Donbass nos últimos oito anos. Isso não nega a dor e o sofrimento de cada um, mas não consigo diferenciar as lágrimas de uma mãe russa e de uma mãe ucraniana. Como digo, as lagrimas sabem a sal.
Nós que estamos fora deste conflito não deveriamos estar atiçando as chamas ou semear o ódio, incitando um lado e se gabando de mortes e destruição. Não me dá prazer ver um menino russo sendo torturado por ucranianos, não me dá prazer ver uma família ucraniana arruinada ou destruída porque alguém foi baleado. Gostaria de salientar que o lado russo trata melhor os seus prisioneiros, regra geral, do que o lado ucraniano, o lado russo compreende que os soldados ucranianos estão simplesmente a fazer o seu trabalho e que o lado russo está a tentar a todo o custo evitar baixas civis, por isso o seu progresso tem sido árduo e lento. Isso não é propaganda, são fatos.
Por outro lado, e olhando para ambos os lados, obviamente ninguém gosta de ser invadido ou alvejado e muitos dos moradores de Kiev e Kharkiv não têm nada a ver com os ataques ao povo de Donbass, nem são fascistas nem têm ligações com o Batalhão Azov.
Como jornalistas, devemos relatar a verdade, examinar o contexto para que nunca mais se repete esse tipo de situação e tentar encontrar soluções.
Solução 1: Cessar-fogo e negociações de paz que devem garantir a segurança de todas as partes
Solução 2: Cessar-fogo e negociações de paz resolvendo a questão do Donbass, respeitando a opinião de seus moradores (muitos dos quais já decidiram que não querem fazer parte da Ucrânia). Talvez um Estado Federal ou que tal uma União da Amizade naquela região em que a DPR e a LPR não pertencem a ninguém além de si mesmos em uma zona econômica especial? Como um ponto de contato amigável, mas por favor, sem a OTAN.
Solução 3: Cessar-fogo e conversações de paz nas quais, depois de resolvida a questão Rússia/Ucrânia, a OTAN se senta e se manifesta quais são de facto suas reais intenções. Pretende atacar a Rússia? Então, por quê se aproximou às fronteiras da Rússia e por quê se recusa tomar uma posição sobre a adesão da Ucrânia? As respostas parecem óbvias. Parece que onde quer que a OTAN esteja envolvida, há problemas. Talvez alguém da OTAN pudesse considerar colocar uma mulher no comando. Com menos testosterona na sala, muitas coisas poderiam ser resolvidas com mais facilidade. Mas não Liz Truss, por favor, tente encontrar uma com cérebro.
Solução 4: Cessar-fogo e negociações de paz concluídas, um processo de paz e reconciliação em que as pessoas se reconciliam com as perdas no Donbass por oito anos e também na operação militar de hoje, enquanto o resto de nós (jornalistas) tenta encontrar soluções para as gerações futuras ultrapassarem isso. Ninguém quer gerações de crianças criadas com ódio. Isso é o que os adultos fazem. Houve iniciativas semelhantes entre crianças israelenses e palestinas, em que jogos e brincadeiras foram organizadas para que elas jogassem juntas, às vezes entre times mistos para evitar o ângulo “nós e eles” das partidas de futebol, por exemplo; as crianças deveriam estar pintando juntas, fazendo modelos juntas, jogando andebol juntas, jogando futebol juntas, jogando vôlei juntas, jogando basquete juntas, assistindo filmes juntas, cozinhando juntas, rindo juntas, sorrindo juntas, abraçando umas às outras. Não berrando em terror ou dizendo adeus ao pai.
Solução 5: Após o cessar-fogo e o processo de paz e reconciliação, sem crimes de ódio, que a OTAN leia esta história desde o início e perceber que enquanto uma tempestade estava se formando eles não estavam ouvindo as preocupações da Rússia. Desrespeitaram-na. Nada de bom veio do Ocidente para a Rússia. Você tem que entender as pessoas, você tem que visitar o país, se envolver com as pessoas, sentir a psique. Isso não é para todos e nem todos são para isso, mas veja o que acontece quando você não ouve. As crianças estão gritando em pânico. Eles deveriam estar a sentir-se seguras.
Então todos com responsabilidade, desde organismos públicos a jornalistas, devemos na minha opinião ouvir todos, não virar as costas, não devemos semear o ódio, devemos apresentar soluções para que gerações de crianças não cresçam com pavor e desconfiança por causa de um documento chamado passaporte.
Todas as lágrimas têm gosto de sal.
Esperamos que eles ouçam agora
Eeperamos que pelo menos tentem
Esperamos que eles encontrem o caminho
Timothy Bancroft-Hinchey pode ser contatado em [email protected]
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