Por Ricardo Bergamini
Múltiplos contratos particulares, que grandes corporações privadas negociaram, de acordo com princípios de uma boa administração empresarial, visando a maximização de seus lucros, dividiram, de forma soberana o mundo, desde há dezenas de anos, em países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Não há dúvida que houve diversas crises, contradições e até rivalidades, mesmo entre todos os membros leais de cartéis solidamente estabelecidos, mas, de um modo geral, sempre prevaleceram os interesses comuns. O Brasil, por sua vez, aceitou o jogo que lhe foi imposto. Talvez não lhe restasse alternativa ou lhe faltasse vontade de vencer, como a revelada pelos japoneses, australianos, canadenses ou mesmo os neozelandeses, para não falar daqueles que entre si dividiram o mundo.
O Brasil sempre apresentou um desenvolvimento auto-sustentado, constituindo, por esforço próprio, indústrias sob controle nacional, bases da prosperidade independente de cada nação. Mas a recuperação das tradicionais nações industrializadas dos danos auto-infligidos em desastrosa guerra, e o resultante restabelecimento de antigas lideranças e acordos dividindo o mundo, tornariam irresistíveis o apelo ao esforço alheio, à capacidade gerencial das corporações estrangeiras tão propaladas. E as corporações multinacionais, às quais se concedeu tratamento favorecido, colonizaram o País a exemplo da famosa Hudson Bay Company, ou da East Índia Comp, Companhia das Índias, em prazo pouco superior a 15 anos.
Com a liquidação proposital de sua própria estrutura industrial, que os outros países cuidadosamente preservaram, o Brasil de forma submissa entregou seu destino às mãos de grupos cujos interesses decerto não coincidem com os seus e vivendo há mais de 11.000 Km de distância, comandam gerentes locais das corporações chamadas multinacionais, os "Local White Help", e decidem a sorte e o bem-estar de nosso povo, que provavelmente jamais chegarão a conhecer.
Não é apenas com assinatura de simples contrato de licença e Know-how (entrega de projeto enlatado ou caixa preta) que se transfere tecnologia, cuja aquisição realmente requer esforço próprio de todos os integrantes do processo de produção, esforço do qual o Brasil em muitos setores resolveu abdicar, entregando-se ao destino e domínio estrangeiro. Da mesma forma o desenvolvimento de um país é o esforço de todos e não somente de uns poucos.
O monopólio da tecnologia sempre constituiu o segredo do sucesso de corporações multinacionais. E, a fim de consolidar esta situação explorando as invenções de outros, que lhes parecessem úteis, formaram elas "pools de patentes", com sistema de licenciamentos mútuos (cross-licensing), cuja função é de arrematar e monopolizar todas as patentes e inovações tecnológicas de processos industriais e futuros, repartindo-se tão somente entre os seus membros.
Não há dúvida de que os acordos de "pool de patentes" e os licenciamentos mútuos significavam divulgação rápida, em todo o mundo, do progresso tecnológico, beneficiando apenas os países industrializados, mas os licenciados estavam inexoravelmente sujeitos ao cumprimento de rígidas regras e obrigações contratuais, como manutenção de participação de mercado, proteção de mercados cativos (home market protection agreements) e observação de preços mínimos. Além do mais, somente poucos escolhidos podem ter acesso a essa tecnologia.
Embora ilegais nos Estados Unidos, os "pool de patentes" foram mantidos pelos demais países industriais, que assim garantem a sua supremacia sobre os países do Terceiro Mundo. Tendo como regra básica somente a venda de produtos e não a do Know-How, os associados jamais se interessam pela venda definitiva de licenças de fabricação. Os acordos de tecnologia, "os pools de patentes", invariavelmente implicam a divisão do mercado entre os participantes e respeitam os preços dos produtores praticados nos mercados cativos acordados, consultando-os antes da apresentação de qualquer proposta. Estabelece-se, assim, o acordo dos produtores de cabos elétricos, a exemplo de muitos outros, como os de aço, petróleo, bens de capital, fertilizantes, produtos químicos, fumo, etc.
A figura central do processo de planejamento estratégico de mercado é o possível concorrente, capaz de, em futuro talvez não muito distante, comprometer a posição de domínio alcançada, afetando a rentabilidade do empreendimento. Técnicas diversas foram elaboradas no decorrer dos últimos decênios, visando a conter o incontrolado surgimento de indústrias novas. Compras, "dumping", boicotes, constituem alguns dos instrumentos habitualmente utilizados e, cabe aplicá-los cedo, ao se iniciarem as iniciativas do novo concorrente, para que ele sucumba, acreditando na própria incapacidade gerencial.
Analise detalhada de documentos da IEA (International Electrical Association) mostra que o cartel da Indústria Elétrica, a exemplo de tantas outras, fixa níveis de preços especiais para todos os países. Das listas dos acordos constam alguns países da América Latina, Finlândia, Nova Zelândia, África do Sul, Nigéria e outros, em que o nível de preços acordado baixou até 60% do preço de referência estabelecido, enquanto que para alguns países do Oriente Médio, cujo futuro político é incerto, pagariam preços até 232% acima do preço de referência básico, como forma de prêmio de seguro, cobrindo os investimentos em anos de risco político maior.
A fim de diluir os riscos inerentes a cada negócio, diversos cartéis estabeleceram o regime "pool de lucros", compensando eventuais perdas sofridas por operações menos eficientes ou sujeita aos prejuízos decorrentes de problemas políticos.
Praticamente todos os cartéis incluem parcela variável em seus preços, a ser paga a um fundo de compensação destinado à indenizar os custos de propostas fictícias apresentadas por perdedores pré-selecionados. É o que os norte-americanos chamam de "compensation payments" (pagamentos de compensação).
Aos governantes dos países dominados restou apenas manter sob controle a parte suja do processo, qual seja: violência, criminalidade e corrupção gerada pelo processo de destruição ora colocada, e se observarmos a pauta do Brasil nos últimos anos vamos verificar que ingenuamente mordemos a isca.
Ricardo Bergamini
Professor de Economia
[email protected]
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