Imprensa e polícia de terceiro submundo

 Por Fernando Soares Campos  

O Globo de domingo (25/2), chama, na primeira página: "Mulher de Mantega culpa economia pela violência". Porém, a matéria trata de uma sugestão que Eliane Mantega, psicanalista, mulher do ministro do Planejamento, teria feito, indicando medidas que poderiam amenizar a violência e a pobreza no nosso país: "O que é preciso é que o Brasil melhore a polícia e a economia, como forma de reduzir a pobreza e a violência." Nesse caso, até que não seria desonesto dizer que a mulher do ministro "culpou" a polícia pela violência e responsabilizou a economia pela pobreza que assola o país há séculos.

 Entretanto, espero que, caso o ministro dos Esportes proponha maiores incentivos ao setor, como forma de contribuição para a paz social, O Globo não alegue que ele está culpando as atividades desportivas pela violência; pois foi isso que fez com a declaração da dra. Eliane Mantega em relação à política econômica do governo.

Relendo, na internet, matérias de diversos jornais sobre o caso do menino João Hélio, arrastado pelas ruas da Zona Norte do Rio de Janeiro, não encontrei qualquer especulação incisiva a respeito de investigações sobre quadrilhas receptadoras de carro roubado. Parece que os repórteres não se interessam em cobrar, insistentemente, do delegado Hércules Pires do Nascimento informações de como andam as investigações que levariam a polícia a possíveis compradores do Corsa sedan de propriedade da mãe da vítima.

Semana de "comoção" Muitos desses carros são roubados por encomenda. Por que os ladrões foram presos tão rapidamente enquanto intrujões do ramo permanecem soltos e nada indica que se chagará a eles? Qual seria o destino do carro?

Em que galpão seria desmanchado? A partir daquele crime, existem chances de desbaratar alguma quadrilha especializada no ramo automotivo? Não temos resposta para essas questões, mas encontrei inúmeras referências enfáticas à "formação de quadrilha" por parte dos meliantes pés-de-chinelo que executaram o assalto, numa noite tenebrosa, e arrastaram uma criança por sete quilômetros, atravessando quatro bairros, numa área muito movimentada, sem ter passado por um só policial.

Contudo, até que entendo este detalhe, pois a polícia, mais que qualquer cidadão, conhece o seu território, e, por isso mesmo, não deve estar disposta a se expor a um ambiente tão perigoso! Ainda mais àquelas horas da noite! Alguém acredita que aqueles trouxas apresentados como únicos responsáveis pela tragédia agiam por conta própria? Ora, até trombadinha da Central conta com apoio "logístico"! Mas a população já teve sua semana de "comoção". Outra será produzida muito em breve; receptadores manterão seus negócios; e pés-de-chinelo estarão a postos no próximo sinal vermelho.

Calcula-se que apenas 8% dos homicídios cometidos no Brasil são apurados, e destes, apenas 2% vão a julgamento. Considerando-se que ocorrem cerca de 45 mil homicídios por ano no nosso país e... (Bom, deixa como está, não há mais o que se considerar. Quem ainda se indigna com as estatísticas que revelam o estado de guerra civil no nosso país, se quiser exercitar-se através de uma simples regra de três, pode fazer as contas e conferir os números da impunidade.) Apenas em dez estados brasileiros, cerca de 30 mil policiais estão envolvidos em algum tipo de crime. A metade dos casos tem relação com de roubo de carros, de carga, seqüestro e tráfico de drogas.

Pressa estranha Além de inconformado com a criminalidade alarmante a que estamos expostos, passíveis de nos tornarmos as próximas vítimas, já começo a me indignar com o clima de "comoção pública" promovido pela imprensa espetaculosa. Por que essa imprensa opinativa, cheia de adjetivações, se acomoda com informações oficiosas sobre investigações policiais, sem qualquer contestação?

Pode-se acreditar em tudo que autoridades policiais falam sobre a apuração de um crime de homicídio em tempo recorde com o inquérito concluído em nove dias? É estranho que um inquérito seja remetido à promotoria com algumas pendências, como, por exemplo, impressões digitais, mesmo dispondo de tempo suficiente para obter tais dados. Inquérito remetido pelo delegado e aceito pela promotoria. Tudo em o clima de "comoção pública". Por que tanta pressa? Isso só alimenta a "abrangente" cobertura midiática.

LEIA COMPLETO... http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=422JDB004

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