Deu a louca no mundo

Por Luiz Machado (*)

Há alguns meses, o noticiário econômico anunciava, em tom alarmista, que o barril do petróleo estava para romper a barreira dos U$ 150,00, com terríveis conseqüências para a maior parte dos países. Informava, também, que a crise financeira iniciada no mercado hipotecário norte-americano não havia acabado, porém dava sinais claros de que estava sendo satisfatoriamente controlada. E que a inflação estava crescendo em diversos países, o Brasil inclusive, trazendo à tona o fantasma do retorno a tempos não tão distantes em que a hiperinflação complicava a vida de milhões de habitantes espalhados por países localizados em diferentes continentes.

No plano doméstico, além da inversão da tendência da taxa básica de juros, que, depois de meses de queda, voltara a subir, o noticiário destacava o bom momento da economia e, ao mesmo tempo, a desvalorização sistemática do dólar, com a taxa de câmbio registrando, dia após dia, um real mais robusto frente a um dólar mais e mais combalido. Para desespero de uns, como os exportadores, por exemplo, e deleite de outros – importadores, turistas com viagens ao exterior, etc.

Só para efeito de comparação: no dia 15 de agosto, o barril de petróleo (já em plena queda) estava cotado a U$ 113,77, o dólar comercial a R$ 1,63, a taxa básica de juros (Selic) indicava 13%, e o índice Bovespa estava em 54.244 pontos.

Pouco mais de trinta dias depois, o barril de petróleo fechou em Londres no dia 16 de setembro cotado em U$ 89,22, o dólar, na casa de R$ 1,87, a taxa básica de juros foi elevada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) para 13,75%, e o índice Bovespa fechou o dia (17 de setembro) em 45.908 pontos.

No plano internacional, o noticiário apresenta amplo predomínio de más notícias, com destaque para a quebra do banco Lehman Brothers e boatos sobre a difícil situação de diversas outras instituições financeiras, entre as quais a AIG, uma das maiores seguradoras do mundo.

As oscilações são de tal ordem, que deixam a todos desnorteados. Para complicar, parece que cada um diz uma coisa. Enquanto o ex-ministro fulano e o consultor beltrano afirmam categoricamente que o Brasil está imune aos solavancos externos, o também ex-ministro sicrano, assim como os economistas-chefes dos bancos X e Y, afirmam, também categoricamente, que por melhores que estejam os nossos fundamentos macroeconômicos, não há como o Brasil escapar ileso da crise internacional, restando apenas saber o volume dos estragos.

São tantas informações desencontradas, que me fazem recordar um dos filmes que mais me fizeram rir, marcando, de certa forma, a minha infância, cujo nome era Deu a Louca no Mundo.

Nessa verdadeira montanha russa de boas e más notícias, o que se constata é uma enorme ansiedade, não apenas de profissionais “do mercado”, como são costumeiramente rotulados os que trabalham nos mercados financeiro e de capitais, mas também das outras pessoas, que direta ou indiretamente são afetadas pelo clima de inquietação e pelo sobe-e-desce das ações, dos fundos e das demais formas de aplicação financeira.

Entre os analistas, é possível distinguir claramente dois grupos. De um lado, os de corte liberal, que acreditam que essas oscilações são “parte do jogo” e que, passado o período de maior agitação, a situação tende a se normalizar num nível até superior de qualidade, já que o próprio mercado terá cuidado de punir os mais imprudentes ou irresponsáveis. Para estes, nada pior do que o Estado intervir, socorrendo, com recursos públicos, os grupos que estão a perigo. Trata-se, no entender destes, de uma transferência indevida de renda de todos os contribuintes para um reduzido grupo de instituições do segmento financeiro que adotou postura de grande risco, ganhou muito dinheiro por um certo tempo, mas que agora se vê às voltas com a perspectiva da bancarrota. Socorrê-los, nessa hora, significa dar tratamento privilegiado a que já colheu uma série de privilégios enquanto “as coisas caminhavam bem”.

De outro lado, estão aqueles mais inclinados a uma postura mais intervencionista, que não acreditam na eficácia da “mão invisível do mercado”, e preferem a “mão visível do Estado” para corrigir aquilo que chamam de falhas do mercado ou falhas de governo, uma característica “inerente ao modo de produção capitalista”. Para estes, não passa de utopia imaginar que o mercado possa ser um bom sinalizador para as decisões dos agentes econômicos e, além disso, funcionar com regulador da economia, fazendo com que a mesma retorne ao equilíbrio toda vez que eventuais oscilações vierem a comprometer o seu bom andamento.

Sem dúvida, um tema extremamente polêmico, que há muito divide economistas e não economistas. Convido, portanto, o amigo internauta a refletir sobre o assunto, prometendo voltar a ele num futuro breve.


Iscas para ir mais fundo no assunto

Referências e indicações bibliográficas

GALL, Norman. Dinheiro, ganância, tecnologia: A festa do crédito e a economia mundial. Braudel Papers, Nº 43. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 2008.

JAMES, Harold. History provides little comfort. Financial Times, September, 16, 2008.

ROGOFF, Kenneth. Seria bom se nada fosse feito. O Estado de S. Paulo, 17 de setembro de 2008, p. B8.

TULLOCK, Gordon, SELDON, Arthur e BRADY, Gordon L. Falhas de governo: uma introdução à teoria da escolha pública. Tradução de Roberto Fendt. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2005.

Referências e indicações webgráficas

BETING, Joelmir. É do jogo. Disponível em http://www.joelmirbeting.com.br/noticias.aspx?IDgNews=2&IdNews=30904.

CONSTANTINO, Rodrigo. A Morte do Neoliberalismo. Disponível em http://www.institutoliberal.org.br/textos.asp?cds=46.

FENDT, Roberto. “Um dia negro para nós, neoliberais”. Disponível em http://www.institutoliberal.org.br/comentario.asp?cdc=2316.

Referência cinematográfica

DEU a louca no mundo. Direção: Stanley Kramer, Estados Unidos, 1963. Elenco: Spencer Tracy, Mickey Rooney, Milton Berle, Sid Caesar, Buddy Hackett, Ethel Merman, Buster Keaton, Peter Falk.


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Este texto foi publicado originalmente em http://www.lucianopires.com.br.
A publicação deste artigo no site do COFECON foi autorizada pelo autor.
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(*) Economista, formado pela Universidade Mackenzie em 1977. É Vice-Diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP, na qual é Professor Titular das disciplinas de História do Pensamento Econômico e História Econômica Geral.

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