A crise da economia americana (explicada de forma didática)

Paul comprou um apartamento, no começo dos anos 90, por 300.000 dólares, financiado em 30 anos.  Em 2006, o apartamento do Paul passou a valer 1,1 milhão de dólares.  Aí, um banco perguntou ao Paul se ele não queria uma grana emprestada, algo como 800.000 dólares, dando seu apartamento como garantia. Ele aceitou o empréstimo, fez nova hipoteca e pegou os 800.000 dólares.

 

Com os 800.000 dólares, Paul, vendo que os imóveis não paravam de valorizar, comprou três casas em construção, dando como entrada algo como 400.000 dólares.  A diferença, 400.000 dólares, que Paul recebeu do banco, ele comprometeu:  comprou carro novo (alemão) para ele, deu um carro (japonês) a cada filho e, com o resto do dinheiro, comprou TV de plasma de 63 polegadas, notebooks, cuecas. Tudo financiado, tudo a crédito.  A esposa do Paul, sentindo-se rica, sentou o dedo no cartão de crédito.

 

Em Agosto de 2007, começaram a correr boatos de que os preços dos imóveis estavam caindo.  As casas, nas quais Paul tinha dado entrada e que estavam em construção, caíram de preço vertiginosamente e não tinham mais liqüidez.

 

O negócio era refinanciar a própria casa, usar o dinheiro para comprar outras casas e revender com lucro.  Fácil!  Parecia fácil.  Só que todo mundo teve a mesma idéia ao mesmo tempo.  As taxas que Paul pagava começaram a subir (as taxas eram pós-fixadas) e Paul percebeu que seu investimento em imóveis se transformara num desastre.

 

Milhões tiveram a mesma idéia de Paul.  Tinha casa para vender como nunca.

 

Paul foi agüentando as prestações da sua casa refinanciada, mais as das três casas que ele -- como milhões de compatriotas -- comprou  para revender, mais as prestações dos carros, das cuecas, dos notebooks, da TV de plasma e do cartão de crédito.

 

Aí, as casas que Paul comprou para revender ficaram prontas e ele tinha que pagar uma grande parcela.  Só que, nesse momento, Paul achava que já teria revendido as três casas, mas, ou não havia compradores, ou os que havia só pagariam um preço muito menor do que aquele que Paul tinha pago.  Paul se danou.  Começou a não pagar aos bancos as hipotecas da casa em que morava, bem como das três casas que ele havia comprado como investimento.  Os bancos ficaram sem receber, de milhões de especuladores iguais a Paul.

 

Paul optou pela sobrevivência da família e tentou renegociar com os bancos, que não quiseram acordo.  Paul entregou aos bancos as três casas que comprou como investimento, perdendo tudo que tinha investido.  Paul quebrou.  Ele e sua família pararam de consumir. . .

 

Milhões de Pauls deixaram de pagar aos bancos os empréstimos que haviam feito, baseados nos preços dos imóveis.  Os bancos haviam transformado os empréstimos de milhões de Pauls em títulos negociáveis.  Esses títulos passaram a ser negociados com valor de face.  Com a inadimplência dos Pauls, esses títulos começaram a valer pó.

 

Bilhões e bilhões em títulos passaram a nada valer, e esses títulos estavam disseminados por todo o mercado, principalmente nos bancos americanos, mas, também, em bancos europeus e asiáticos.

 

Os imóveis eram as garantias dos empréstimos, mas esses empréstimos foram feitos baseados no preço de mercado dos imóveis. Preço que despencou.  Um empréstimo foi feito, baseado num imóvel avaliado em 500.000 dólares e que, de repente, passou a valer 300.000 dólares e, mesmo por 300.000 dólares, não encontrava compradores.

 

Os preços dos imóveis eram uma bolha, um ciclo que não se sustentava, como os esquemas de pirâmide, especulação pura.  A inadimplência dos milhões de Pauls atingiu fortemente os bancos americanos, que perderam centenas de bilhões de dólares.  A farra do crédito fácil um dia acaba. Acabou. . .

 

Com a inadimplência dos milhões de Pauls, os bancos pararam de emprestar, com medo de não receberem.  Os Pauls pararam de consumir porque não tinham crédito. Mesmo quem não devia dinheiro não conseguia crédito nos bancos, e quem tinha crédito não queria dinheiro emprestado.

 

O medo de perder o emprego fez a economia travar. Recessão é sentimento, é medo.  Mesmo quem pode, pára de consumir.

 

O FED começou a trabalhar de forma árdua, reduzindo fortemente as taxas de juros e as taxas de empréstimo interbancários.  O FED também começou a injetar bilhões de dólares no mercado, provendo liqüidez. O governo Bush lançou um plano de ajuda à economia, sob forma de devolução de parte do imposto de renda pago, visando incrementar o consumo, porém essas ações levam meses para surtir efeitos práticos.  Essas ações foram corretas e, até agora, não é possível afirmar que os EUA estão tecnicamente em recessão.

 

O FED trabalhava.  O mercado ficava atento e as famílias esperançosas.  Até que, na semana passada, o impensável aconteceu! O pior pesadelo para uma economia aconteceu: a crise bancária, correntistas correndo para sacar suas economias, boataria geral, pânico.

 

Um dos grandes bancos da América, o Bear Stearns, amanheceu, na segunda-feira última, quebrado, insolvente.

 

No domingo, o FED, de forma inédita, fez um empréstimo ao Bear, apoiado pelo JP Morgan Chase, para que o banco não quebrasse.  Depois disso, o Bear foi vendido ao JP Morgan por dois dólares por ação.  Há um ano, elas valiam 160 dólares.  Durante esta semana, dezenas de boatos sobre quebra de bancos voltaram a acontecer.  A bola-da-vez seria o Lehman Brothers, um bancão.  O mercado e as pessoas seguem sem saber o que nos espera na próxima segunda-feira.

 

O que começou com o Paul hoje afeta o mundo inteiro.  A coisa pode estar apenas começando.  Só o tempo dirá.

 

Castilho

Finabank CCTVM

 

[email protected]  

www.finabank.com.br  

 

 

E hoje, dia 15 de Setembro de 2008, o Lehman Brothers pediu falência, desempregando mais de 26 mil pessoas e provocando uma queda de mais de 500 (quinhentos) pontos no Índice Dow Jones, que mede o valor ponderado das ações das 30 maiores empresas negociadas na Bolsa de Valores de New York -- a maior queda em um único dia, desde a quebra de 1929.

 

O dia de hoje, certamente, será lembrado, para sempre, na história do capitalismo.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey