por Fernando Soares campos
Abraham Weintraub (no momento, de passagem pelas redes sociais com os seus disparates), quando era ministro da Educação do governo Bolsonaro, afirmou que as universidades do Nordeste não deveriam ministrar cursos de sociologia e filosofia, mas, sim, priorizar o ensino de agronomia, "em parceria com Israel". E disse mais: "Em Israel, o presidente Bolsonaro tem um monte de parcerias"(?), por isso, ele, o ministro, acreditava, ou fingia acreditar, que Bolsonaro poderia trazer avançada tecnologia agrícola para o Brasil. "Em vez das universidades do Nordeste ficarem aí fazendo sociologia ou filosofia no agreste, que façam agronomia, em parceria com Israel", concluiu Abraham Weintraub.
Tal posicionamento tem relação direta com o que Ricardo Vélez, ex-ministro da Educação no governo Temer, antecessor de Weintraub, declarou quando era titular da pasta: "As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica", afirmou Vélez.
Meia verdade é, na verdade, uma mentira completa. Assim sendo, analisemos a metade supostamente verdadeira da declaração do ministro: "...elite intelectual, que não é a mesma elite econômica". Nem poderia ser. Não concebo alguém que expresse um elevado grau de intelectualidade, ao ponto de ser classificado como membro da "elite intelectual" de uma comunidade nacional, e, ao mesmo tempo, se enquadre como "elite econômica".
Alguém que se tenha desenvolvido sob elevado grau de instrução e, principalmente, de erudição, assumindo publicamente uma posição político-ideológica aparentemente definida, é, quase que invariavelmente, alguém dedicado ao trabalho intelectual, o tipo de atividade mental que não se compatibiliza com o trabalho de um expert nas áreas econômico-financeiras, caso em que se faz necessário, tão somente, ser dotado de elevado grau de percepção das oportunidades e de racional (ou mesmo "intuitiva") habilidade para angariar e administrar recursos e instrumentos econômico-financeiros. Podemos, por esses parâmetros, deduzir que a expertise está diretamente relacionada ao pragmatismo (filosofia utilitária), enquanto a intelectualidade pode ser atribuída a esforço transcendente à realidade que se apresenta a observadores comuns de forma explícita e idêntica.
Todas as ciências se relacionam filosoficamente entre si. Lógico!
NOTA DE REPÚDIO ÀS DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA SOBRE AS FACULDADES DE HUMANIDADES, NOMEADAMENTE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA
A Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF) e associações abaixo mencionadas repudiam veementemente as falas recentes do atual presidente da república e de seu ministro da educação sobre o ensino e a pesquisa na área de humanidades, especificamente em filosofia e sociologia.
As declarações do ministro e do presidente revelam ignorância sobre os estudos na área, sobre sua relevância, seus custos, seu público e ainda sobre a natureza da universidade. Esta ignorância, relevável no público em geral, é inadmissível em pessoas que ocupam por um tempo determinado funções públicas tão importantes para a formação escolar e universitária, para a pesquisa acadêmica em geral e para o futuro de nosso país.
O ministro Abraham Weintraub afirmou que retirará recursos das faculdades de Filosofia e de Sociologia, que seriam cursos “para pessoas já muito ricas, de elite”, para investir “em faculdades que geram retorno de fato: enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”.
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Certa ocasião, Abraham Weintraub, ainda ministro da Educação, participando da live semanal do presidente Jair Bolsonaro, disse que, às crianças e aos jovens estudantes, as escolas devem ensinar “primeiro, habilidades de poder ler, escrever e fazer conta. A segunda coisa mais importante: um ofício que gere renda para a pessoa, bem estar para a família dela e que melhore a sociedade em sua volta”.
Estudar e praticar as ciências que exigem habilitação em qualquer ramo da matemática, que seja uma simples operação aritmética, ou que envolva álgebra, geometria, finanças, estatística, probabilidade, podendo ser aplicada a uma atividade relacionada com a física, química, geografia, engenharia, economia, entre tantas outras matérias, exige o desenvolvimento de raciocínio lógico. E o caráter lógico da matemática relaciona esta matéria, intrinsecamente, à essência do pensamento filosófico.
Quais as chances de alguém se tornar, por exemplo, físico, químico ou matemático, alcançando o grau de cientista, estudando tão somente matérias das denominadas áreas de ciências exatas?
Acredito que ninguém pode exercer sua capacidade analítica, na busca pelo conhecimento, em qualquer área do saber, prescindindo de qualquer dos processos cognitivos, tais como: percepção, atenção, memória, imaginação, associação, raciocínio, juízo e linguagem. Isso vale para a elaboração de princípios éticos ou para a resolução de equações matemáticas.
Em qualquer processo racional, os elementos que compõem a função cognitiva atuam solidariamente entre si, sem a exclusão de qualquer deles.
As ciências podem realmente ser identificadas em separado, classificadas em campos distintos, tais como humanas e exatas?
Creio que uma ciência só poderia ser tratada como “exata” se não houvesse mais qualquer possibilidade de evolução do conhecimento que faz de si uma ciência.
Alguém que detenha um bom nível de conhecimento em áreas diversas poderia dizer que não há mais nada a acrescentar ou corrigir em (citando apenas alguns exemplos) física, química, engenharia ou tecnologia da informática? Creio que não. Portanto, em nenhuma dessas matérias, não há nada exato, rigorosamente preciso ou perfeitamente infalível. Se não há verdade absoluta, não podemos atribuir a qualquer ciência a qualificação de exata.
Ensine alguém apenas a “ler, escrever e fazer conta”, como querem alguns ministros da Educação e o presidente da República, e talvez obtenha uma gramática e uma tabuada ambulante.
Negando ao estudante o direito ao desenvolvimento intelectual, que é obtido por meio essencialmente filosófico, resta-lhe apenas o papel de um “aplicativo”, um software humano utilizado como corretor ortográfico, ou para sugerir formas sintáticas, além de servir de calculadora andante, enfim, um androide, um ser frio, que só responde a estímulos externos, incapaz de pensar por si próprio.
Imagine Albert Einstein elaborando a Teoria da Relatividade, despojado de interesses e elementos filosóficos. Imaginou? Pois nem próprio Einstein, que afirmava ser a imaginação mais importante que o conhecimento, conseguia imaginar a separação entre as ciências ditas exatas e a filosofia.
“Einstein defende que, quando se trata de questões polêmicas, um físico não pode, simplesmente, submeter a interpretação de sua teoria a um filósofo, ele mesmo precisa ser um deles. Para ele, o conhecimento de filosofia proporciona ao cientista uma independência de julgamento que o permite decidir com mais propriedade sobre seus fundamentos teóricos (Howard, 2005).” (Trecho extraído de “A SUPOSTA MUDANÇA EPISTEMOLÓGICA DE ALBERT EINSTEIN” − Gustavo Henrique Moraes e Ricardo Avelar Sotomaior Karam − Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.)
Se as escolas tiverem o exclusivo objetivo de preparar pessoas para o mercado de trabalho, promovendo-lhes conhecimentos para uso prático, poderemos formar técnicos e engenheiros, enfermeiros e médicos, biólogos, químicos e seus respectivos auxiliares, todos extremamente importantes para o desenvolvimento social e econômico de uma nação. Entretanto, nessas condições, ficaríamos eternamente dependentes dos cérebros pensantes, produtores de conhecimento, pois não se forma cientistas com elementos que simplesmente sabem interpretar plantas, fazer contas e escrever relatórios, ou identificar fórmulas, ministrar medicamentos e cuidar de pacientes. Estes precisam estar permanentemente atentos ao cumprimento de regras e preceitos estabelecidos por aqueles que observaram comportamentos, ações e reações, de forma sistemática e objetiva, ou seja, cientificamente, até concluir sobre os procedimentos a serem adotados pelos que se prepararam apenas para executá-los.
Não se pode conceber um indivíduo pensante, cujo pensamento limita-se ao estreito universo de sua formação profissional. Um cientista atuante em qualquer área do conhecimento necessita de embasamento filosófico. E ao filósofo é obrigatório possuir conhecimentos básicos nas diversas áreas científicas, podendo aprofundá-los em algum campo de seu interesse intelectual.
Quando Einstein afirmou que “em momentos de crise, só a imaginação é mais importante que o conhecimento”, ele não diminuiu − muito menos negou − a precípua importância do conhecimento para a ampliação das verdades conhecidas. Ele certamente estava se referindo à imaginação como o veículo propulsor do conhecimento.
Digo sempre para os meus filhos que saber empregar o conhecimento que se tenha (seja muito ou pouco) é mais importante que tê-lo, até porque os conceitos de muito e pouco, se observados sob uma visão einsteiniana, são relativos.
O presidente da República e seus colaboradores diretos têm obrigação de saber que, quando falamos de conhecimento, estamos falando também de valor agregado a tudo que produzimos.
Segundo Gerhard de Haan, membro do InstitutFutur, de Berlim, “Nos novos setores da economia, os preços são ditados pelo conhecimento. De cada vez que compramos um computador ou um medicamento, 70% a 80% do seu preço corresponde ao conhecimento científico, ao know-how que foi aplicado nesse produto”. CONFIRA AQUI.
A universidade é uma instituição de ensino superior que deve funcionar sempre sob sistemas inter e transdisciplinares. Portanto, se limitarmos o conhecimento de qualquer área do ensino formal, reduzindo e até eliminando investimentos em alguma delas em favor de outras, empobreceremos a nossa produção de bens e serviços; pois, mesmo os produtos industrializados que exportarmos, estes terão as características das nossas commodities de mais baixo valor agregado, visto que, à nossa produção industrial, adicionaremos muita mão de obra autóctone, mas com o conhecimento importado, tecnologia sujeita a pagamento de royalties àquele que detém sobre ela a propriedade intelectual patenteada, mesmo sobre aquilo que um dia foi desenvolvido em território nacional e entregue de mão beijada ao capital apátrida, pelos vendilhões da Pátria.
Filosofia e poesia é o que dizia minha vó: “Mal governado? Antes, só!”
Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Saudades do Apocalipse - 8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018; e "Adeildo Nepomuceno Marques: um carismático líder sertanejo", Grafmarques, Maceió, AL, 2022.
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