A miséria das vaquejadas e os abéculas
Jolivaldo Freitas
Foi sancionada, sem que ninguém atentasse para o sofrimento que causa e vai causar para as vítimas preferenciais daqueles que ainda insistem em se manter na linha da Idade Média, em termos intelectuais e de civilidade - digamos sem nenhuma civilidade ou inteligência -, a lei que unge a vaquejada como algo de extrema importância para o país, acredite! Agora é para valer e a vaquejada, o rodeio ou a prova de laço passam a ser oficialmente manifestações culturais nacionais. Lei sancionada pelo governo e aplaudida pela insensibilidade que grassa no interior do Brasil. Convenhamos que na verdade absoluta, no mais rematado pensar não são modalidades esportivas ou culturais. São de aberrações com maus tratos levados ao paroxismo.
É de parar para pensar e quedar-se em aflição como é que seres humanos podem se divertir em fazer seres sencientes virem a sofrer por pura diversão. E se fosse num mundo distópico em que os cavalos e bois estivessem na posição inversa e colocassem os seres humanos: você, seus filhos, sua mãe, sua mulher para correr enquanto são enfiadas esporas ou derrubando numa corrida sem sentido? Estou exagerando na imaginação, mas seria um estertor coletivo. É frustrante ver isso em pleno século XXI.
A lei determina que os animais envolvidos na judiação tenham à disposição água e alimentação em local apropriado para o descanso, além de assistência médico-veterinária. Como fiscalizar um evento lá onde o vento faz a curva se nem nas grandes cidades isso acontece, pois político não quer se meter para não perder voto e polícia acha um saco cuidar do assunto? Quem vai fiscalizar é quem bate, enfie as esporas, derruba, machuca, aleija ou mata. O STF em 2016 havia proibido a vaquejada como prática esportiva e cultural lá no Ceará. Não adiantou.
Embora a causa animal seja uma unanimidade internacional e o quinto assunto mais discutido na internet falta coragem para enfrentar as grandes corporações que faturam milhões com esses eventos de pura barbárie. Arranca-se o couro dos animais com crueldade para obtenção do lucro. O sofrimento do animal banalizado. Em todo rodeio o animal fica confinado por horas e recebe estímulos, como pontapés, esporadas e choques, se estressam com o volume das músicas tocadas, com a multidão barulhenta, com os fogos de artifícios. E o povo se delicia com dor e sangue. Semana passada um touro de propriedade de um cantor sertanejo de tanto sofrer enlouqueceu e foi morto a tiros.
No Brasil os animais sofrem nessas exibições desde a chegada dos portugueses à Bahia. No século XVI já havia a tourada e corridas de animais no centro, na hoje Praça Municipal, para comemorar qualquer data importante. Notadamente as religiosas. Frustrante que um espetáculo tão medieval ainda perdure neste século em que as pessoas têm mais informações. Isso prova que não se deve esperar nada de bom dos humanos. Pior dos abéculas, os néscios, como dizem os portugueses. O filósofo Thomas Hobbes diz que o homem é mau. É tempo de respeitar todos os seres e todas as diferenças. Não sei você. Não vou catequizar. Mudar a natureza do escorpião.
Escritor e jornalista. Email: Jolivaldo.freitas @yahoo.com.br
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