Nos últimos tempos tem sido comum assistirmos em África à transmissão de terras agrícolas pelos governos e/ou privados nacionais para mãos de empresários internacionais em troca de investimentos ou criação de postos de trabalho para os nacionais.
Nestas circunstâncias o binómio Investimento/Desenvolvimento nos países africanos parece andar de mãos dadas, no entanto, nem sempre a praxis traduz o que os governos transmitem: criação de riqueza e bem-estar, combate da pobreza a e exclusão social, pois ao autorizar a transmissão de terras aos investidores não acautelam os interesses do país e das suas populações.
Do lado dos investidores, nem sempre se verifica a prática da responsabilidade social, e a criação de postos de trabalho com recurso aos nacionais é deficitária face ao valor do investimento e às vantagens concedidas pelo governo para a sua viabilidade.
Podemos então dizer que os governantes africanos e as suas populações face ao poder económico do investidor negoceiam sob uma perspectiva enfraquecida e subserviente as condições que este entender, com vantagens ilimitadas chegando algumas vezes no limite a vedar aos nacionais bens imateriais como a natureza que se arroga ser proprietário, como algumas praias paradisíacas cujo acesso é vedado aos nacionais.
Diríamos que o papel regulador do Estado deve estar presente em qualquer investimento pois sem esta baliza cai-se no risco da desorientação e no crescimento da corrupção que beneficia uma minoria e deixa a maioria que exerce o seu dever de cidadania votando nas eleições acreditando no seu contributo para construir uma sociedade melhor.
Em nome do Desenvolvimento, os governos determinam que populações nativas vulneráveis sejam expulsas das suas terras ou transferidas para outras localidades a troco de uma pequena ajuda financeira temporária, mas .omisso nas arbitrariedades exercidas por investidores cujos resultados são lesivos aos nacionais.
Os governos africanos têm sido impotentes para fazerem face a esta avalanche de transição de poder. Os pequenos agricultores africanos já por si pobres, não têm alternativas para resistir à possibilidade de receber alguma compensação financeira imediata.
Face às fraquezas e desorientação africanas, os pretensos investidores apresentam-se como grandes salvadores, destacando nos seus discursos de circunstância a criação de postos de trabalho, ideia logo aceite pelas populações africanas desesperadas em ganhos imediatos para satisfazerem as necessidades elementares de subsistência.
Alguns destes investidores como se as terras concedidas pelos governos não bastassem, prontificam-se a comprar "por tuta e meia"aos particulares nativos, terras vizinhas alargando exponencialmente os seus domínios.
Aparentemente parece que tudo tende a ficar resolvido. Os governos apressam-se a vangloriar os futuros investimentos, os nativos contentes porque conseguiram algum dinheiro, deslocam-se para grandes centros urbanos, em busca do suposto eldorado da cidade grande, e também porque o novo proprietário já não o quer lá.
Puro engano. É o começo sim, de um problema com repercussões terríveis.
No caso dos nativos, ex-proprietários, já sem a propriedade e com as receitas da transacção de terras esgotadas, tende a engrossar a grande massa de populações sem rendimentos que vivem nos subúrbios dos centros urbanos. Sem alternativas de emprego, sem terra para cultivar ficará logo vulnerável aos riscos da criminalidade e marginalidade crescente nas cidades.
Ocorre-me reflectir e procurar respostas. O que não correu bem com as independências? Os governos de países africanos apanhados nesta teia, simplesmente falharam. Falharam porque não conseguiram responder ao desígnio de uma sociedade mais justa expectável com advir da independência em cada um dos países.
Falharam porque não tiveram politicas estratégicas adequadas e adaptadas à realidadede e de interesse dos seus países, nem tiveram ambição e vontade de serem verdadeiramente livres, designadamente a nível económico-financeiro usando melhor os recursos dos doadores para reparar e criar um tecido produtivo agro-pecuário e industrial.
Não deixa de ser confrangedor que se perderam e perdem gerações de jovens em toda a Africa sem acesso à aprendizagem de uma profissão ou formação porque tudo é importado.
No nosso caso, o que se passa em S .TOMÉ E PRÍNCIPE nesta matéria?
Infelizmente o cenário é idêntico aos demais países do continente africano apanhados na teia da potencial perda de soberania, com a agravante do nosso país possuir apenas 1001Km2
Os governos sucessivos têm cedido às ambições de pessoas estrangeiros ou nacionais que advogam interesses pelas escassas parcelas de terras sem outro qualquer contributo que beneficie o país.
Já dizia o intemporal Sun Tsu, " . . .a terra é o bem mais preciosos de qualquer Estado, é a principal razão de guerras entre estados, tribos, povos e ou comunidades."
Logo, todo estado tem por obrigação moral em razão da sua soberania, ter uma políticaracional que lhe garanta poder nesta único e esgotável bem.
Vários países, inclusive o Brasil, Argentina, com a imensidão dos seus territórios, regulamentaram a cedência das mesmas aos nacionais e em particular aos estrangeiros.Mesmo assim assistimos alguns atritos no Brasil por parte do movimento dos "sem terra".
No caso de S .Tomé e Príncipe, com superfície total diminuta, parece-nos ser necessária e urgente uma legislação que regule o direito ao acesso à terra e proteja no futuro as novas gerações, se atendermos ao fenómeno descrito e a ambição que tem servido de guia nas atribuições ou concessões de terras. O caso que envolve o ilustre advogado Adelino Izidro e um cidadão é uma das consequências da anarquia na concessão de terras.
No momento que escrevo este artigo fala-se de cidadãos nacionais e estrangeiros que transaccionam ou transaccionaram terras que lhes foram cedidas para exploração a terceiros por grandes somas sem que o proprietário que somos todos nós, representados pelo Estadotenha sido auscultado;
Cidadãos que lhes foram concedidas orlas marítimas e praias e que hoje vedam o acesso a todos nós a um bem que nos é comum;
Discute-se ainda a cedência de mais de metade da ilha do Príncipe, porque ninguém ousa dizer a área total de terras concedidas e/ou anexadas, incluindo aeroporto, porto a uma sociedade unipessoal denominada HBD Vida Boa. A pergunta que ousamos à fazer, que percentagem para circular ou usufruir caberá aos restantes cidadãos?
Não estará o Estado Santomense louco ou em estado de demência quando decide ceder a uma só pessoa, repito a uma só pessoa a troco de promessas tanta parcela do seu diminuta território sem falarmos do controlo aéreo?
Não estaremos todos, uns (cidadãos mais esclarecidos) pelo silêncio e outros (Governo, a Presidência da República e os outros órgãos de soberania) por incompetência a contribuirmos para a perda da já frágil soberania de S.Tomé e Príncipe?
Interrogamo-me então: é este o futuro que pretendemos criar? Foi para isto que lutámos pela Independência? Será esta uma verdadeira democracia? Seguramente que não!
TODOS SABEMOS QUE HÁ LARGOS ANOS ANDAMOS A TRILHAR O CAMINHO ERRADO.
Danilo Salvaterra
Fevereiro 2012
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