por GEAB [*]
Os indicadores de acompanhamento da crise mostram que a partir de agora já não são apenas as falências de alguns grandes estabelecimentos financeiro (e numerosos mais pequenos), primeiro nos Estados Unidos e depois no resto do mundo, que são de temer nos próximos meses (cf. GEAB Nº 19 ), mas que é o próprio sistema financeiro mundial que fica estruturalmente atingido.
A repetida incapacidade da rede de bancos centrais mundial em dominar a penúria de crédito ("credit crunch") com o pano de fundo do afundamento dos dois pilares históricos do sistema financeiro mundial contemporâneo (a economia americana que entrou em recessão e o US dólar em decomposição), reflecte a emergência acelerada de forças centrífugas no seio deste mesmo sistema.
Com efeito, já não se trata somente da competência dos banqueiros centrais ou da amplitude das acções de correcção postas em execução. Esta época está ultrapassada desde o fim do Verão de 2007. Segundo LEAP/E2020, assiste-se a partir de agora a uma divergência crescente de interesses económicos entre os diferentes componentes do sistema financeiro global.
O fracasso programado da última tentativa iniciada pelo Federal Reserve dos EUA, visando coordenar uma acção conjunta dos principais bancos centrais para alimentar os bancos em dólares americanos [2] , é quanto a isto totalmente revelador. Esta acção visa essencialmente restaurar a confiança no sistema de duas maneiras:
restabelecendo nomeadamente o mercado interbancário hoje moribundo, demonstrando através do exemplo a existência de uma "força de choque comum" dos bancos centrais mundiais;
permitindo aos grandes estabelecimentos financeiros em perigo virem reabastecer-se anonimamente de dólares americanos, em troca de activos valorizados ao preço do mercado de vários meses atrás (ou seja, quando eles ainda valiam alguma coisa) [3] .
O primeiro objectivo evidentemente prevalece uma vez que sem um re-arranque do mercado interbancário o refinanciamento dos bancos em perigo não faria senão conceder-lhes um adiamento de alguns meses. Ora, já é certo que o objectivo visado não é atingido [4] .
O LIBOR (London Interbank Offered Rate, taxa de referência do mercado monetário), indicador por excelência do estado do mercado interbancário, não se moveu dos seus níveis mais elevados [5] . E, em termos "psicológicos", o declínio generalizado das bolsas mundiais, após o anúncio da acção dos bancos centrais, prova que se alguma mensagem foi passada é de que a situação dos grandes bancos americanos é nitidamente pior do que aquilo que fora anunciado nos últimos meses [6] .
Portanto, para a equipe LEAP/E2020, já se confirmou que depois de ter perdido o controle da evolução das taxas de juros (cf. GEAB Nº 16), o Federal Reserve dos EUA acaba de perder dois outros atributos essenciais que caracterizavam o sistema financeiro mundial pós-1945: sua credibilidade de actor voluntarista que podia modificar as tendências pesadas dos mercados (8), e sua capacidade para organizar e arrastar o conjunto dos bancos centrais mundiais conforme o seu ritmo e os seus objectivos. Dessa forma, o Federal Reserve acaba de perder a capacidade de pilotar por si só o sistema financeiro mundial, capacidade que havia adquirido após 1945.
Se os mercados financeiros actualmente estão sensíveis sobretudo à perda do primeiro atributo (9), os investigadores do LEAP/E2020 consideram que é a perda do segundo (e sua consequência em termos de pilotagem do sistema) que contem o germe da ruptura do sistema financeiro mundial no decorrer do próximo ano, provavelmente no Verão de 2008, quando as consequências a recessão estado-unidense começarão a sentir-se plenamente e quando asiáticos e europeus se verão definitivamente constrangidos a impor as suas próprias escolhas ao "piloto do Fed".
DIVERGÊNCIAS ENTRE BANCOS CENTRAIS
Neste número 20 do Global Europe Anticipation Bulletin (de Dezembro/2007), nossa equipe pormenoriza as características das divergências crescentes entre as estratégias dos quatro grandes bancos centrais (Federal Reserve, Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra, Banco Nacional Suíço).
Estas evoluções cruciais, num momento em que as consequências da recessão americano ainda não mostraram a sua amplitude (na Ásia e nos Estados Unidos, em particular), ilustram o aumento rápido das forças centrífugas que vão, segundo as nossas antecipações, conduzir a uma ruptura do sistema financeiro mundial contemporâneo no Verão de 2008.
Esta ruptura traduzir-se-á por múltiplas consequências desastrosas para os principais estabelecimentos financeiros mundiais, em particular aqueles que ainda não compreenderam o sentido da evolução em curso eque, portanto,permanecemfortemente implicados no sistema dólar em vias de implosão. Estas estabelecimentos experimentarão, num grau infinitamentemaisforte, a mesma sorte que os bancos que não viram a chegada da crise das subprimes e estão hoje à beira do desastre [10] .
Paralelamente, para os depositantes e os investidores, este período de ruptura implicará riscos de perdas consideráveis à imagem dos dois outros períodos de ruptura anteriores (1929 e os anos seguintes [11] , e 1973 e o fim da década de 1970). Para os nossos investigadores, a ruptura em curso é de uma envergadura ainda mais forte dada a importância desproporcionada tomada pela esfera financeira na economia contemporânea. A equipe do LEAP/E2020 retorna mais adiante, neste número 20 do GEAB, a este aspecto e às protecções possíveis.
Daqui até ao Verão de 2008 será possível discernir mais claramente as modalidades de reorganização do sistema financeiro mundial na fase de reorganização que se seguirá necessariamente à sua fase de ruptura. Segundo a nossa equipe, é certo que os europeus (a zona Euro essencialmente), juntamente com o Japão e a China, terão de entender-se com a Rússia e os países petrolíferos para estruturar um novo sistema.
A evolução será muito dolorosa para os Estados Unidos (e todos os operadores relacionados) pois é inevitável que o novo sistema não será mais organizado em seu proveito como foi o caso destes últimos sessenta anos.
A futura administração americana, que tomará as rédeas do país em Janeiro de 2009, terá portanto uma tarefa prioritária na sua agenda: gerir o melhor possível esta transformação histórica, portadora de novos constrangimentos económicos e financeiros, num fundo de economia em recessão. Europeus e asiáticos deverão ter em mente este elementos a fim de evitar que a ruptura se transforme em caos.
(1) Ver nomeadamente o GEAB N°18 para o sequenciamento da fase de impacto da crise.
(2) Em troca de não importa que tipo de contrapartidas ou quase, e no anonimato. É uma iniciativa próxima do pânico e da salvação dos bancos com fundos públicos americanos. Para mais pormenores ver as informações no sítio web da Reserva Federal dos EUA .
(3) Por meio desta esperteza o Federal Reserve americano espera ganhar tempo pois seria preciso um milagre para que estes activos recuperassem o valor que lhes era atribuído até o Verão de 2007. Com efeito, como são empréstimos que o Federal Reserve faz aos bancos, estes são supostos reembolsá-los no decorrer de 2008. Ou então fazer como o Northern Rock no Reino Unido, afundar e dilapidar pelo mesmo golpe dezenas de milhares de milhares de dólares dos contribuintes americanos. É muito instrutivo quanto a isto ler a tabela de valorização dos activos aceite pelo Fed para a sua acção de refinanciamento dos bancos. Constata-se ali que o Fed vai emprestar 70 ou 80 centavos por cada dólar de activos que o mercado avalia hoje em menos da metade deste valor (cf. GEAB Nº 19).
(4) Fonte : Reuters , 14/12/2007
(5) Fonte : Bloomberg , 13/12/2007
(6) Para além dos anúncios quotidianos de novas provisões destinadas a perdas ligadas aos subprimes ou outros CDOs, a FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation, que garante até US$100 mil os depósitos nos bancos filiados a este sistema de seguro federal) indica no seu comunicado de 28 de Novembro último que rendimento líquidos dos bancos americanos baixou 28,7 mil milhões de dólares no terceiro trimestre de 2007.
(7) Ver aqui a lista dos principais bancos comerciais americanos.
(8) Quanto a isso, ler o artigo muito interessante de Paul Krugman no International Herald Tribune , 14/12/2007.
(9) E ao facto de que o anonimato oferecido aos bancos que vierem refinanciar-se junto ao Fed impede de saber qual estabelecimento está em risco sério de falência. Aqui o Fed tenta evitar o "efeito Northern Rock".
(10) A este respeito, o LEAP/E2020 deseja indicar que o Lehman Brothers, um dos dois grandes bancos americanos juntamente com o Goldman Sachs, evitou a derrocada dos subprimes desembaraçando-se deles a partir do fim de 2006, é igualmente o único grande estabelecimento financeiro internacional em que um dirigente da sua filial londrina contactou directamente com a nossa equipe desde a Primavera de 2006, a fim de conhecer melhor os fundamentos das nossas antecipações sobre a crise dos subprimes.
Nós anunciámos, com efeito, desde Fevereiro de 2006, a explosão da bolha imobiliária americana e as suas consequências financeiras, o que nos valeu uma reputação sulfurosa nos meios financeiros tradicionais. Convém notar que a maior parte dos outros grandes estabelecimentos financeiros americanos e europeus que nos contactaram a seguir fizeram-se a partir da Primavera de 2007, ou seja, quando já era demasiado tarde para reagir. Esta anedota dá um bom exemplo da utilidade da antecipação num sistema complexo como o mundo no qual vivemos: poder agir antes que um problema se ponha pois quando ele se põe geralmente já é demasiado tarde para resolver. Neste caso, isto pode fazer a diferença entre ganhar um lucro de US$886 milhões no 4º trimestre, como a Lehman Brothers (fonte: CNN/Money ) ou, em alternativa, anunciar que se deve injectar US$49 mil milhõespara salvarda falência alguns dos seus fundos de investimento como o Citigroup (fonte: CNN/Money ).
(11) Convém ler o documento detrabalho nº197 do Banco de Pagamentos Internacionais (Banque desRèglements Internationaux), intitulado "130 anos de cooperação entre bancos centrais: a perspectiva do BRI", redigido por Clauido Borio e Gianni Toniolo. Ele proporciona uma perspectiva histórica muito necessária para avaliar as turbulências que aguardam o sistema financeiro global.
[*] Global Europe Anticipation Bulletin. Comunicado público Nº 20, de 15/Dezembro/2007.
O original encontra-se em GEAB Nº 20
Este comunicado encontra-se em http://resistir.info/ .
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