Com a Guerra Fria 2.0 entre EUA e Rússia ainda longe de se diluir, a última coisa de que o mundo precisa é de uma reencarnação do falcão Bush-oso Donald "sabidos não sabidos" Rumsfeld. Em lugar dele, o "sabido sabido" - previsível - que se consegue é o Supremo do Pentágono Ash Carter.
O neoconservador Ash deu um show no Diálogo de Xangrilá, no fim de semana passado em Cingapura.
Pequim está engajada em serviços de declarar suas nove ilhas artificiais no Mar do Sul da China; sete nos atóis de Spratlys, e duas outras no arquipélago de Paracel. Ash praticamente 'ordenou' a Pequim que faça "imediato e duradouro alto" na expansão; acusou Pequim de "marchar fora de passo" em relação às normas internacionais; e coroou o show sobrevoando o Estreito de Malacca num V-22 Osprey.
Washington nunca cessa de lembrar ao mundo que a "liberdade de navegação" no Estreito de Mallaca - através do qual a China importa um mar de energia - é protegida pela Marinha dos EUA.
Depois de Xangrilá, o presidente Barack Obama dos EUA também sentiu a necessidade de entrar no jogo, e disse que a China deve respeitar a lei e parar de "dar cotoveladas". Mas admitiu que "é possível que algumas das alegações dos chineses sejam legítimas." E daí? Quando você é "potência do Pacífico", você tem o direito de não permanecer calado sobre..., bem... sobre tudo.
Observando o Grande Quadro, o primeiro-ministro de Cingapura Lee Hsien Loong pelo menos tentou mostrar-se valente, e insistiu que o Oceano Pacífico é "vasto o bastante" para ambas, Washington e Pequim.
Assim, mais uma vez estamos de volta a dois quilômetros quadrados de rochas, microilhas e atóis, aninhados em estonteantes 150 mil quilômetros quadrados de literalmente, águas turvas; e a mil quilômetros de distância do litoral leste da China.
Pequim declara sua "indiscutível" soberania sobre pelo menos 80% do Mar do Sul da China. Não só sobre pelo menos $5 trilhões em petróleo e gás ainda por explorar; tudo isso está bem no centro de uma super rota naval de altíssima circulação da economia global, pela qual a Europa, o Oriente Médio, a China, o Japão, a Coreia do Sul e muitas das nações da ASEAN trocam energia e imensa variedade de produtos.
A resposta do Ministério de Relações Exteriores da China ao que disse Ash Carter foi bastante detalhada. O ponto chave: o código de conduta no Mar do Sul da China deve ser - e de fato será - negociado entre a China e as nações da ASEAN. Todos sabem disso em todo o sudeste da Ásia.
E a chave-de-ouro para gerar suspense: pelo modo como Pequim vê as coisas, nada disso tem absolutamente coisa alguma a ver com os EUA.
Avisem lá os neoconservadores da espécie "Ash". O medo não disfarçado dos neoconservadores é que a "agressão chinesa" está convertendo aquelas águas numMare Nostrum da República Popular da China. Desde o final da 2ª Guerra Mundial e da capitulação do Japão, a "potência do Pacífico" se autoatribuiu a coroa de Senhor do Pacífico - da Ásia até a Califórnia. Fácil ver que a coisa aí não vai acabar bem - com a nova assertividade da China sinalizando talvez o fim do hegemon.
Assim sendo, o que Ash fará? Se quiser cumprir o que anunciou, que os EUA contam com continuar a ser a "primeira potência militar no Leste da Ásia por muitas e muitas décadas vindouras", terá de despachar uma frota naval para bloquear extensão considerável da costa leste da China. Bem-vindos à bomba-relógio geopolítica do Mar do Sul da China.
O que a China reclama para si
Se no Mar do Sul da China temos China em oposição a Vietnã, Malásia, Brunei e Taiwan, no Mar do Leste da China temos China em oposição a Japão, Taiwan e Coreia do Sul. Pequim garantiu firmemente que não haverá Zona Aérea de Identificação da Defesa [orig. Air Defense Identification Zone (ADIZ) no Mar do Sul da China, por enquanto - porque as condições não são "apropriadas". Todos lembramos quando a ADIZ no Mar do Leste da China foi anunciada no final de 2013. O Pentágono imediatamente despachou para lá um par de B-52s para darem uma volta. A tensão amainou e permanece - relativamente amainada. Por enquanto.
A ideia de que a China é um dragão maléfico prestes a devorar todos os menores que ela naquelas águas é sandice. Desde antes de o comandante da Frota do Pacífico, almirante Harry Harris, pôr-se a rosnar que uma "Grande Muralha de Areia" estava sendo erguida no Mar do Sul da China, outros atores regionais já estavam em plena ação, não como assistentes paralisados.
De fato, por muito tempo a China - bem como o Brunei - não teve pista de pouso no Mar do Sul da China. As Filipinas têm, na ilha Thitu. O Vietnã tem, além de um heliporto, em Truong Sa. A Malásia tem, em Swallow Reef - e recebem grande número de aeronaves militares. Taiwan tem um aeroporto militar em Taiping.
Pequim com certeza pode usar as ilhas artificiais para alocar material naval e aéreo. Mas não é só a China que está reivindicando propriedades. O Vietnã está fazendo exatamente o mesmo, em dois atóis nas Spratlys.
Washington, por sua vez, tem acesso a oito bases filipinas - inclusive à base naval Carlito Cunanan, no coração da ação no Mar do Sul da China. Manila, que é o elo regional fraco, aposta numa estratégia de duas pinças: apoio irrestrito a Washington, e completa internacionalização, sobretudo, precisamente, do Mar do Sul da China.
Taiwan tem trabalhado muito, investindo numa missile corvette com tecnologia stealth e feita em casa, de baixo custo de manutenção, alta mobilidade e pesadamente armada.
Enquanto isso, o comandante da 7ª Frota dos EUA, vice-almirante Robert Thomas, está muito entusiasmado por o Japão estar exercitando o tal proverbial "papel mais ativo", não só no Mar do Leste da China, mas também nos oceanos Pacífico e Índico.
Não há dúvida alguma de que Washington está permitindo a remilitarização do Japão. É hora pois de lançar um Observatório dos Mares Sul e Leste da China. E ficar de olho neles, à procura de qualquer perigoso pretexto a usar como casus belli entre o hegemon em declínio e a potência re-emergente que não quer mais saber de "manter perfil discreto".[1]
E que tal uma Sopa Won Ton à (Guerra) Fria?
Está preparado o cenário para um jogo de apostas tremendamente altas. Para Pequim, a expansão entre as Spratlys e as Paracels significa romper os limites geográficos do Sudeste Asiático, como uma antecipação da projeção de poder pelo Oceano Índico direto ao Sudoeste Asiático.
Para Washington, tratar-se-á de conseguir perturbar a Rota de Seda Marítima - que é a rota pela qual Pequim importa - pelo Estreito de Malacca e dali pelo Mar do Sul da China - nada menos que 82% de todo seu petróleo e 30% do gás natural.
Preparem-se para homilias pesadas sobre o dever de Washington, de proteger "a liberdade de navegação" e infinitas execrações da "agressão chinesa" - cujo contraponto é a expansão das Novas Rotas da Seda, do Novo Banco de Desenvolvimento criado pelos países BRICs e do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura lotado de outros países BRICs, plus Alemanha e sortimento variado de europeus na diretoria; todos esses são vetores numa estratégia múltipla que vai minando a hegemonia do dólar norte-americano.
Longe vão os dias iniciais de Obama, quando Kissinger e o Dr. Zbig "Grande Tabuleiro de Xadrez" Brzezinski sugeriam "relacionamento especial" entre os EUA e a China; uma espécie de G-2 manco, controlado de fato pelo hegemon excepcionalista. Não surpreende que Pequim tenha desconfiado. Agora então, o governo Obama apenas está de volta ao modo padrão - do tempo da "contenção". Ash Carter só deu um passo adiante. *****
Durante a era Deng Xiaoping, a política exterior chinesa foi caracterizada pela expressão "tao guang yang hui," traduzida em geral como "manter perfil discreto" (ing. "keep a low profile"). Em anos recentes, observadores têm questionado se essa estratégia ainda se aplica à diplomacia chinesa, sobretudo à luz da recente exortação do presidente Xi Jinping, de que a China pratique "diplomacia de grande potência" (The Diplomat) [NTs].
2/6/2015, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://atimes.com/2015/06/the-south-china-sea-word-war/
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