Por Clécia Rocha
“Entra ano, sai ano e nada muda! Continuam tratando a morte como fracasso.” A frase é de Daniel Dornelas, estudante de medicina e autor do livro Para Morrer Como Um Passarinho, um dos nomes que vem se destacando no movimento paliativista no Brasil. A indignação veio logo após a repercussão da morte da cantora Preta Gil, noticiada pelos principais veículos de imprensa do Brasil sob o já conhecido enredo da “batalha perdida contra o câncer”.
A metáfora da luta, tão comum nas manchetes que envolvem doenças, reforça a ideia de que viver com uma enfermidade grave é estar em constante combate. E que, ao morrer, o paciente teria perdido. Como se houvesse culpa, fraqueza ou desistência. Mas se assim fosse, então toda a humanidade seria feita de derrotados.
É preciso, com urgência, reaprender a olhar para a morte. Ela nunca foi nossa inimiga. É parte da jornada humana. É fim, sim, mas também passagem. O discurso que a trata como fracasso apaga a beleza da vida vivida, o poder do cuidado oferecido, a dignidade de quem parte cercado de afetos. E, mais ainda, silencia histórias reais de pessoas que enfrentam a finitude com coragem, entrega e amor.
Os cuidados paliativos, esse campo tão necessário e ainda pouco compreendido, nos ensinam justamente o contrário do que essas narrativas sugerem: não se trata de lutar até o último fôlego em busca de cura, mas de aliviar sofrimentos e garantir qualidade de vida até o último instante. É isso que humaniza a despedida. E é uma das escolhas mais amorosas que uma família pode fazer.
Ao comunicar a morte de alguém, especialmente de figuras públicas, imagina-se que os meios de comunicação tenham a sensibilidade de não alimentar discursos que desinformam ou reforçam estigmas.
Preta Gil não perdeu nenhuma guerra. Ela viveu. Viveu com intensidade, com amor, com dignidade. E, ao que tudo indica, partiu cercada de cuidado. Não foi vencida, foi inteira.
Falar sobre o fim da vida exige mais que informação: exige responsabilidade. Num país em que o acesso ao cuidado paliativo ainda é privilégio de poucos, repetir metáforas de confronto não é apenas impreciso, é desumano. É sustentar a ideia de que sucesso é sinônimo de cura e que morrer em paz seria uma espécie de desistência.
Mas não é. A morte nunca foi o contrário da vida. Ela é, simplesmente, o seu desfecho inevitável. E não há fracasso algum nisso, há humanidade.
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