Santuário da Cocaína: Extradição de Ex-Chefe Anti-Drogas Boliviano aos EUA

Evo Morales sob risco de ser implicado no narcotráfico? Estará por trás dos protestos do ex-presidente boliviano pela condenação de D’ávila em tribunal nova-iorquino, o receio de ser delatado nos EUA por seu ex-oficial e, igualmente, extraditado deste país andino cuja economia é movida pela cocaína?
 
O governo boliviano extraditou, no último dia 12, Maximiliano D’ávila Pérez, ex-chefe anti-drogas da Bolívia nos anos do governo de Evo Morales (2006-2019). O Tribunal Distrital Sul de Nova Iorque o condenou por dois graves crimes: importação de cocaína em grandes quantidades, e uso de metralhadoras no contexto do narcotráfico. Ambas as acusações são respaldadas pelo Código dos Estados Unidos que prevê penalidades severas, incluindo prisão perpétua.

Washington acusa o ex-chefe da boliviana Força Especial de Luta contra o Narcotráfico (Felcn) de ter conspirado para exportar cocaína ao território americano. De acordo com o procurador de justiça dos EUA Damian Williams, D’ávila “abusou da posição de chefe do setor antidrogas da Bolívia para, em vez de aplicar a lei, ajudar os próprios narcotraficantes contra os quais ele tinha a incumbência de investigar e prender”.

Afirmando que D’ávila “transformou a polícia em uma máquina de tráfico de cocaína”, Williams ainda advertiu em seu comunicado: “que esta seja mais uma forte mensagem àqueles que abusam de suas posições, para enviar toneladas de cocaína aos Estados Unidos .

D’ávila também enfrenta processos judiciais na Bolívia por enriquecimento ilícito, e outros delitos que, até o presente momento, não o condenaram permitindo, assim, sua condenação nos EUA de acordo com o Tratado de Extradição assinado entre a Bolívia e o país norte-americano em junho de 1995.

Controvérsias

No mesmo dia em que foi extraditado, o advogado de D’ávila, Manolo Rojas, garantiu que seu cliente possui informações a ser passadas à Justiça americana sobre o narcotráfico em seu país, sem especificar quais são estas informações nem quem poderia estar nelas envolvido.

Evo Morales, por sua vez, protesta diuturnamente pela extradição de D’ávila, e bem antes das juras deste de fazer delacoes nos EUA. Morales alega que o governo de seu desafeto Luis Arce é “vende-pátria”, ferindo a soberania boliviana ao não tratar de assuntos jurídicos em seu próprio território. Morales também denuncia um “plano negro” do governo boliviano, supostamente em parceria com Washington, a fim de prendê-lo na Argentina ou nos próprios EUA.

“A Bolívia volta a ser uma colônia dos EUA. Os bolivianos são entregues ao império norte-americano, violando os acordos internacionais sem ser, primeiro, julgados em sua pátria onde supostamente cometeram delitos. Os vende-pátria devem aprender com a presidente do México quem defende a soberania de seu país, diante da intromissão dos EUA”, publicou Morales em sua conta no Facebook e Instagram.

O ministro de Governo (Interior) da Bolívia, Eduardo del Castillo, chefe das forcas de ordem deste país ao centro da América do Sul, logo rebateu Morales, também através de suas redes sociais: “Desde o início do nosso governo, demonstramos que não toleramos o tráfico de drogas em nosso país. Não apenas somos os melhores em apreensões de drogas, como também cumprimos com a comunidade internacional através de extradições de pessoas ligadas a essa atividade ilícita, como as realizadas com o sr. Einar Limalobo, a fim de pagar suas dívidas com a Justiça do Brasil ou esta realizada há algumas horas com o sr. Maximiliano D’ávila, para os EUA”.

No fim de semana passado, oficiais da mesma Felcn viram-se envolvidos em apoderamento de parte da cocaína apreendida de um casal na cidade de Santa Cruz de la Sierra: dos 58 kg em posse do casal, os agentes da Luta contra o Narcotráfico simplesmente roubaram 39 kg. Logo, Del castillo anunciou substituição imediata na direção da Felcn no departamento de Santa Cruz.

Este fato ilustra a firmeza, ao menos parcial, do governo em casos assim, tanto quanto as acusações de Washington contra as forças de ordem bolivianas – o que, na realidade, sempre foi assim mesmo quando a americana Administração de Repressão às Drogas (DEA, na sigla em inglês) atuava livremente neste país andino.

Por outro lado, o advogado de D’ávila denunciou o que qualifica de violação dos direitos humanos do seu cliente, reiterando que o processo pelo qual o ex-chefe da Felcn foi acusado nos Estados Unidos é inventado.

“Procedimentos legais e formais foram violados, foram minados pelo Supremo Tribunal de Justiça [boliviano], enquanto a Interpol não seguiu o devido processo e não cumpriu os protocolos. Nem sequer ele [D’ávila] pôde despedir-se da família, [mas] todas as pessoas que foram extraditadas na Bolívia, evidentemente tiveram esse direito”, afirmou Rojas logo após a chegada de seu cliente ao território americano.

Diante disso tudo, após dias de calorosos protestos de Morales pela extradição de seu ex-chefe anti-drogas aos EUA supostamente em defesa da soberania boliviana, talvez o que mais chame a atenção seja o fato de que a ala “evista” (defensores de Evo Morales) tenha sido a primeira e única até agora a levantar as mãos já em defesa da inocencia de Morales sobre tráfico de drogas, incomodada com as promessas de delação de D’ávila.

Rapidamente o senador “evista” por Cochabamba, Leonardo Loza do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS), manifestou-se desafiando D’ávila de maneira acalorada a ponto de sugerir que o ex-chefe da Felcn denuncie Morales ao papa, no Vaticano.

“A intenção do governo, tenho certeza, é subjugar, chantagear, usar, administrar e manipular para afetar politicamente Evo Morales. Mas não temos medo, eles podem levar [Dávila] ao Vaticano, podem levar ao Papa, se quiserem. Onde quer que eles forem e levem, nunca descobrirão que estamos envolvidos”, disse Loza.

Questionados Protestos de Evo Morales

O inconformismo de Morales tem suscitado questionamentos em relação à sinceridade do ex-presidente neste caso: estará temendo que seu ex-chefe anti-drogas o delate nos EUA, o que poderia implicar sua posterior extradição? 

Uma breve verificação do local de residência de Morales, ali encurralado nestes efervescesentes dias, também seu mais coeso reduto eleitoral bem como o silêncio do chefe do MAS quanto ao que ocorre há muitos anos naquela zona inclusive quando era presidente, apenas agravando-se ultimamente, pode justificar fortemente estes questionamentos.

Morales reside no Chapare, departamento de Cochabamba, mais precisamente no município de Vila Tunari onde crimes horrendos têm sido cometidos até contra inocentes, devido à desenfreada produção local e tráfico de cocaína. Chapare é a segunda região, atrás apenas de Yungas em La Paz, onde mais se planta folhas de coca na Bolívia.

Enquanto em La Paz as folhas de coca destinam-se à mastigação em seu estado natural (hábito peculiar na Bolívia e no Peru) e à producao de remédios (especialmente anestésicos), estima-se que 94 deste plantio no Chapare destina-se ao narcotráfico.

A Bolívia sempre foi um narcoestado, acentuado nos anos de 1980 pelo narcotraficante boliviano Roberto Suárez do departamento de Beni, conhecido como O Rei da Cocaína. Porém, exatamente onde Morales reside em tem seu mais forte bastião político em toda a Bolívia foi transofrado em Estado paralelo: desde que o líder cocaleiro assumiu a presidência em meados dos anos de 2000, a polícia boliviana simplesmente perdeu o acesso a esta zona que, rapidamente, transforma-se em reduto terrorista, como ocorreu na Colômbia através das Farc.

A produção de cocaína no Chapare tem crescido vertiginosamente ano a ano. Dados do governo boliviano apontam que entre outubro e novembro de 2023, foram descobertas e destruídas 36 fábricas de pasta base de cocaína naquela zona, além da apreensão de mais de 4 mil litros de cocaína líquida.

Ao mesmo tempo, cresce assustadoramente a presença de membros e chefes da organização criminosa brasileira Primeiro Comando da Capital na Bolívia, de onde traficam cocaína. Em outubro de 2021, o jornal brasileiro O Estado de S. Paulo publicou ampla reportagem intitulada PCC [Primeiro Comando da Capital, organização criminosa de São Paulo, Brasil] Cresce na Bolívia, Novo Abrigo do ‘Narcosul’, Cartel Internacional de Drogas. Investigadores da Polícia Federal brasileira que investigam o cartel, qualificaram a Bolívia de santuário do tráfico de cocaína.

Já o Centro Boliviano de Estudos para o Trabalho e o Desenvolvimento Agrário (Cedla) iformou, na publicação Economia do Tráfico de Drogas: Desinstitucionalização e Políticas na Bolívia, que a produção de cocaína na Bolívia injeta anualmente mais de 800 milhões de dólares na economia deste país andino, cujo PIB em 2023 foi de 45.464 milhões de dólares.

Após Tempestade, Ambulância para Morales?

Certamente, as possíveis controvérsias que possam existir envolvendo a extradição de D’ávila aos Estados Unidos, ainda que realmente sustentáveis seriam bem menos graves e acarretariam danos imensuravelmente menores à sociedade boliviana, regional e até mundial, comparados ao que ocorre exatamente no Chapare e à realidade da própria polícia boliviana, no que diz respeito ao combate às drogas.

Para nem se mencionar o que representa a cocaína na Bolívia e algumas de suas implicações apontadas acima, como a presença crescente do PCC em território boliviano.

Em 2012 a revista Veja publicou reportagem intitulada Bolívia, a República da Cocaína, na qual relata investigação policial boliviana que, através da prisão de narcotraficantes no país andino incluída a do brasileiro Maximiliano Dorado Munhoz Filho, ligou o caso de narcotráfico aos “homens fortes” de Evo Morales: Juan Ramón Quintana, ex-ministro da Presidência, e Álvaro Garcia Linera, o vice-presidente do “líder cocaleiro” como Morales é também conhecido na Bolívia.

Porém, a simples descrição da realidade onde reside Evo Morales, bem sabida de todos na Bolívia, parece já evidenciar o que está realmente por trás da excessiva preocupação do líder cocaleiro em relação à extradição de seu chefe anti-drogas, quando presidente.

Para nem se mencionar, como já detalhado em Pravda.ru segundo fontes exclusivas na reportagem Economia em Queda Livre na Bolívia (*), que toda a polícia boliviana tem certeza de que, no Chapare, Morales comanda o narcotráfico.

Após esta tempestade, nada indica que virá bonança a Evo Morales.

(*) Economia em Queda Livre na Bolívia (pravda.ru)

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Author`s name Edu Montesanti