A Bolívia Está Ingovernável?

Civis e prefeito de Mairana foram presos, acusados por bloqueios violentos de estradas. Por cujas ações policiais, a CIDH advertiu o governo boliviano, objeto de reiteradas críticas de órgãos internacionais. Para onde vai a Bolívia?

Ao mesmo tempo em que aumentam os presos acusados de práticas violentas nos bloqueios de estradas em Mairana no centro da Bolívia, com vias já sendo desbloqueadas, o prefeito deste município a oeste de Santa Cruz em zona limítrofe departamental com Cochabamba, Gilbert Tapia do partido Movimento ao Socialismo (MAS) foi preso no início da tarde desta segunda-feira (4), por supostamente ter financiado os bloqueadores e ter fornecido, segundo a Polícia, apoio à retenção de jornalistas e militares na tomada de quarteis da cidade dias atrás.

Gilbert negou que tenha tido qualquer envolvimento com os bloqueios, que cumprem hoje 22 dias e estrangulam a economia de um país efervescente, política e socialmente. “Veja de que maneira me prendem, e como abusam e mim”, disse o mandatário de Mairana a jornalistas enquanto era levado pela Polícia, referindo-se à truculência policial e ausência da possibilidade de se defender.

Se até dias atrás havia longas filas em todo o país a fim de se obter combustíveis, incluindo gasolina para o que veículos ultimamente permaneciam a espera por até sete horas, tem sido amplamemte reportado por emissoras de TV nacionais que desde o útimo dia 4 já não havia óleo diesel em determinados pontos-chave do país como Santa Cruz de la Sierra, e a gasolina está cada vez mais escassa. Tem sido noticiado ainda que chegou a faltar até mesmo gasolina nos postos de gasolina da cidade de Santa Cruz de la Sierra, desde o dia 4.

Momentos antes da prisão, o prefeito foi flagrado chegando a sua residência com um veículo sem placa. Em seguida, policiais invadiram sua casa e o prenderam. Gilbert possui antecedentes penais por violência doméstica contra a esposa.

Pouco depois, manifestantes que bloqueiam estradas pró-Evo Morales exigindo a renúncia do presidente Luis Arce (MAS) e que sejam retirados processos judiciais contra Morales por pedofilia e tráfico humano, retiraram o prefeito à força da delegacia de polícia. Mais adiante, a Polícia voltou a prendê-lo.

Já sobe a pelo menos 25 o número de bloquadores apreendidos pela Polícia mairanenha por um número superior a 500 efetivos policiais auxiliados por cerca de 200 militares. Foram capturados pelas forças de ordem paus, pedras e explosivos.

No final da tarde, foi encontrada pela Polícia uma casa abandonada em Mairana que os bloqueadores, supostamente, utilizavam para reunir-se a fim de coordenar os bloqueios, pernoitar e armazenar explosivos.

Neste mesmo dia 4, a Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos (CIDH) advertiu ao governo boliviano por “obstacularizar a verificação das condições dos presos” em Mairana. Valendo ressaltar que esta truculência acobertada pelo sistema de Justiça e pelo governo de turno, não se trata de nenhuma novidade na Bolívia sob Arce, e quem quer que seja. Tanto quanto este governo boliviano tem sido objeto de seguidas advertências da CIDH, e dos mais diversos organismos internacionais.

Recentemente, o World Justice Project (WJP) classificou a Bolívia como um dos piores países do mundo entre 142, no que diz respeito ao sistema de justiça e à corrpução de um modo geral, dentro de cada país.

Por exemplo, no quesito “ausência de corrupção” a Bolívia ocupa o penúltimo lugar (141); na esfera da “justiça criminal”, a posição boliviana é a mesma do caso anterior; em “justiça civil”, a Bolívia está no posto 139; e em “restrições aos poderes do governo”, na posicao 125. No computo geral, a Bolívia encontra-se na posição 131 dos 142 analisados em todo o mundo.

Todos este cenário, desde o vai-e-vem do prefeito de Mairana à prisão e suas implicações até apreensão dos bloqueadores, ilustra a gravidade da situacao boliviana hoje, que vem se alastrando por longa-data. Reforça questionamentos que possam surgir sobre a ingovernabilidade da Bolívia, seja quem for o candidato presidencial em 2025. 

Nisto que parece ausência total do Estado de direito onde o que vale é o uso da força e o poder de influências, é perfeitamente possível que Evo Morales, quem conta maior núcleo-duro eleitoral no país andino, uma vez eleito em 2025 paradoxalmente seja impedido de governar por forças que ultrapassem os limites democráticos.

Em cujas nefastas relações de poder, não se engane a opinião pública, Morales desempenha importante papel negativo, sendo vítima hoje de suas próprias desventuras durante os mais de 13 anos no poder – quando Arce era seu ministro de Economia, o que este tenta jogar ao esquecimento hoje.

Realidade de possível ingovernabilidade que parece valer, outrossim, à oposição ao MAS cujo candidato, ou canditados ainda não estão definidos, e ainda (para agravar a situação) ao atual presidente.

Arce na verdade parece estar, relativamente, em pior situação hoje e entre todas as possibilidades às eleições do ano que vem: se pelos bloqueios de estradas e pelas acusações judiciais Morales tem perdido apoio popular e o ódio contra si cresce abertamente, em número e em intensidade inversamente proporcional ao núcleo-duro que deve girar entre 30 e 40 por cento do total do eleitorado boliviano (em queda nos últimos dias), Arce não deveria sequer ir a um segundo turno, ao que tudo indica hoje.

A Bolívia, já historicamente dividida de maneira crônica, parece hoje ingovernável. Quanto mais passa o tempo, mais aumenta a sensação de que o futuro da Bolívia esteja fadado a políticas de linha-dura. Ou como analisou John Kiriakou em seu programa na rádio Sputnik meses atrás: a Bolívia parece um Estado em desmoronamento.

Para Williams Bascopé, advogado e analista político, em contato coma Agencia de Noticias Fides no ultimo dia 4, é altamente preocupante o Estado paralelo que se converteu a região de Chapare, onde não entram agentes das forças de ordem. Podendo, para o jurista, vir produzir terroristas como na Colômbia ou no Perú, neste último caso através do Sendero Luminoso.

Este comunicador tem a informação passada por fontes distantes uma da outra de dentro do Comitê Cívico pró-Santa Cruz (CCSC), que este movimento tem armazenado armas potentes para uma esperada guerra civil a qual eles mesmos desejam que ocorra, a fim de alcançar antigos objetivos separatistas. Em El Alto no departamento de La Paz, há outro violento grupo denominado Ponchos Rojos, atualmente apoiante de Evo Morales.

Isso tudo somado à ferozmente antiga divisão entre as regiões oriental e ocidental da Bolívia, em que ambos os lados sentem-se não apenas nações estranhas um ao outro como também odeiam-se abertamente.

E se não bastasse, na Bolívia de maneira geral não se tem a menor noção de espaço público, cada lado julgando-se e portando-se como proprietário de cada repartição do Estado. Não raras vezes, diferentes grupos disputando ferrenhamente o mesmo espaço.

Como disse o político opositor e empresário de Santa Cruz, Branko Marinkovic, em programa noturno da TV Red Uno nesta segunda-feira: “na Bolívia hoje, vai preso quem denuncia um crime”. Branko, ex-presidente do CCSC, limitou sua observação fortemente crítica ao governo do MAS.

Grande hipocrisia à parte, esta verdade sobre manipulação judicial tanto quanto corrupção como um todo vale, incontestavelmente, a todos as esferas políticas e a todos os segmentos sociais no país andino.

Diante deste vácuo deixado pelo sistema judicial que, sob conivência de todos os partidos políticos da Bolívia, parece estar levando o país a uma situação irreversível, estão os grupos armados.

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Author`s name Edu Montesanti