Língua Minoritária na Suécia: Dalecarliano

Idioma mais próximo do nórdico antigo na Escandinávia vê-se ameaçado de extinção

A província sueca de Dalarna (tradicionalmente chamada de Dalecarlia em inglês), situada no centro-oeste do Reino da Suécia com 284.524 habitantes (censo de 2020), é um tesouro natural com variadas e vastas paisagens, além de possuir fascinante história e herança cultural.

Ali, pratica-se a corrida de esqui de fundo de longa distância denominada Vasaloppet, mais antiga do gênero no mundo. Realizada anualmente no primeiro domingo de março, o percurso de 90 km inicia-se em Berga, ao sul de Sälen (oeste de Dalarna), e termina na cidade de Mora (centro da província).

No município de Älvdalen em Dalarna, dos cerca de 2 mil habitantes na área urbana (2020) mais 7 mil nos arredores (2023), cerca de 3 mil pessoas falam aquele que é considerado o idioma mais conservador entre todos os escandinavos: övdalsk, övdalską ou övkallmą̊l (älvdaska, älvdalsmål ou dalmål em sueco, dalecarliano em português).

Bastante particular, este idioma conserva como nenhum outro características da língua nórdica arcaica (fornnordiska em sueco, e dǫnsk tunga ou norrœnt mál em nórdico arcaico = “língua do norte” falada entre os séculos VIII e XI). O dalecarliano é ininteligível aos falantes de sueco, e de outras línguas escandinavas *.

Mas possui semelhanças com idiomas escandinavos, evidentemente, por pertencer a esta família linguística. Aldrig em sueco, nunca em português, é aldri (idêntico ao nórdico antigo) ou também older em dalecarliano: falso cognato do inglês, em cujo idioma significa mais velho ou mais antigo. Jag har aldrig sett någon sådan em sueco (nunca vi nada assim em português), em dalecarniano escreve-se: ig ar it si’tt non slaikan older.

Note-se aqui, novamente, a maior proximidade do dalecarliano com o nórdico arcaico, que com o sueco moderno: eu em sueco = jag; em dalecarliano = ig; em nórdico antigo = ek (a pronuncia do e fechada, semelhante ao i, e k suave, como g). Toda a frase acima traduz-se desta maneira ao nórdico antigo: ek hefi aldri séð eitthvað svipað því.

Filho, em sueco son, em dalecarliano sun: falso cognato do inglês que, neste idioma, significa sol. Em nórdico arcaico, sonr.

Aqui uma curiosidade: gelo, em inglês contemporâneo ice (transcrição fonética: ais), em sueco is (transcrição fonética: iis, com i longo), em nórdico arcaico íss (transcrição fonética: iis, com i longo), em dalecarliano escreve-se ais. Vestígios da mesma origem linguística de todos estes idiomas: a família germânica.

Alfabeto rúnico

O dalecarliano utilizou, até o ano de 1900, um alfabeto rúnico conhecido como runas dalecarlianas. O alfabeto latino tamém passou a ser utilizado a partir do século XVII.

As letras runas no alfabeto nórdico arcaico, cujos manuscritos mais antigos datam do ano de 50 d.C., utilizados até cerca do ano de 1100 (o uso das runas persistiu para fins especializados além deste período: até o início do século XX, ainda eram usadas na zona rural da Suécia decorativamente, em Dalarna, e em calendários rúnicos). O alfabeto nórdico arcaico com letras latinas, em grande medida, substituiu as runas em 1100.

Outro fator importante que diferencia consideravelmente ambos os idiomas é que em sueco não há declinação verbal, havendo apenas uma forma para todas as pessoas no mesmo tempo tanto para sujeitos singulares, quanto plurais. O que não ocorre no dalecarliano, assemelhando-se mais ao islandês e ao feroês em termos de desinência verbal.

Considerando islandês, feroês, sueco, dalecarliano, norueguês e dinamarquês, o dalecarliano é o segundo mais irregular nas conjugações verbais; o islandês é o primeiro. O feroês é teceiro da lista, apresentando muito leve intensidade na modificação das desinências verbais.

Os outros idiomas escandinavos, norueguês e dinamarquês, seguem a regra sueca da imutabilidade na conjugação verbal das pessoas, no mesmo tempo. Aliás, estes três idiomas são bastante semelhantes em tudo, sendo inteligíveis entre si. O que não ocorre com os outros três idiomas escandinavos aqui tratados.

Os pronomes pessoais sujeito em dalecarliano, propriamente, são semelhantes aos do feroês, razoavelmente semelhantes aos do sueco, e muito diferentes em relação aos do islandês.

Como exemplos comparativos a seguir, o verbo ser/estar no presente do indicativo: infinitivo em dalecarliano wårå, e em sueco vara.

No primeiro caso, conjuga-se da seguinte maneira: ig ir (eu sou); du ir (você é); an ir (ele é)/ą̊ ir (ela é)/eð ir (ele ou ela é, animais e objetos); wįð irum (nós somos); ið irið (vocês são); dier irå (eles, elas são).

Em sueco: 1ª pessoa do singular, jag är; 2ª pes. sing., du är; 3ª pes. sing., han är (masculino)/hon är (feminino)/den ou dett är (pronome comum e neutro respectivamente, para animais e objetos ou como pronome demonstrativo, inclusive referindo-se a seres humanos); 1ª pes. pl., vi är; 2ª pes. pl., ni är; 3ª pes. pl., de är.

Observando-se a conjugação do verbo ser/estar em nórdico antigo, vera/vesa, fica evidente, aqui também, a maior proximidade do dalecarliano com este idioma do que com o sueco: 1ª pessoa do singular, ek em; 2ª pes. sing., þú ert, est/ æst; 3ª pes. sing., han er/es (masculino)/hón er/es (feminino); 1ª pes. pl., vér erum; 2ª pes. pl., þér eruð; 3ª pes. pl., þeir eru.

O dalecarliano deve ser considerado idioma separado do sueco, não uma variação deste sobre o que concorda a maioria dos linguistas. Na realidade o dalecarliano é idioma único, fato suficiente para que seja reconhecido como língua independente.

Aus = “casa” em dalecarliano, em sueco hus, não possui semelhante em nenhum idioma escandinavo nem no nórdico arcaico = hús (do proto-germânico hūsą); o mesmo ocorre com o pronome pessoal sujeito “ela” =  ą̊ em dalecarliano, hon em sueco, hón em nórdico arcaico (do proto-germânico hēnō).

O governo sueco alegou em 2013 que “tem preservado o grande valor do dalecarliano como parte do patrimônio cultural do pais, e que é desejável que este seja transmitida às novas gerações”. Isto, em resposta aos apelos do Conselho da Europa de 2009, para que ao governo da Suécia esclareça o status do dalecarliano, ou seja, se o idioma deve ser considerado língua ou dialeto em cumprimento da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias (Älvdalskans Språkpolitiska Status).

Altamente ameaçeado

Três anos antes, o mesmo Conselho havia alertado que o dalecarniano encontrava-se “altamente ameaçado”. Em 2020, o governo sueco voltou a se pronunciar, afirmando que “vê de forma positiva o compromisso que existe para a preservação do dalecarliano dentro e fora do município de Älvdalen”.

Porém, destacou que o dalecarliano “é considerado vernáculo, uma espécie de dialeto” (Sveriges åttonde rapport till Europarådet under den europeiska stadgan om landsdels- eller minoritetsspråk). Esta consideração, para alêm das aparências, enfraquece a língua.

*Não se confunda:

Línguas nórdicas: definição baseada em aspectos geográficos e políticos, sem considerações técnico-linguísticas envolvendo determinados idiomas (finlandês, groenlandês, sámi, fino-úgricos, norueguês, sueco, dalecarliano, dinamarquês, islandês, feroês, outros minoritários) da região setentrional da Europa, composta por países chamados de nórdicos, integrantes do Conselho Nórdico.

Nem todos os idiomas falados na região nórdica descendem da língua nórdica: os três primeiros idiomas da lista acima mencionada mais o grupo linguístico pertencente ao ramo fino-úgrico, não possuem esta origem;

Línguas escandinavas: para além de aspectos geográficos, termo com base em conceito técnico-linguístico que se refere a idiomas (norueguês, sueco, dalecarliano, dinamarquês, islandês, feroês, outros minoritários) de uma mesma família linguística.

Geograficamente, a Península Escandinava abrange Suécia, a maior parte da Noruega e o noroeste da Finlândia. No sentido geográfico, o termo geralmente refere-se apenas aos dois primeiros países mais a Dinamarca, por questões etno-culturais. Em outros casos hoje em dia, além destes quatro países a definição inclui ainda Islândia, Ilhas Faroé, ilhas Åland e Groenlândia, ou seja, todos os paises chamados nórdicos.

Edu Montesanti

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