Berlim - graças a Deus, o crime está prescrito
Quando Alexandre vê, numa cerimônia religiosa, o padre Bernard Preynat, que dele abusou, ainda trabalhando na Igreja com crianças, ele e outras vítimas tomam medidas legais contra o pedófilo, diante da cumplicidade do arcebispo Philippe Barbarin. Filme-realidade, o julgamento será dia 7 de março em Lyon.
Por Rui Martins, do Festival Internacional de Cinema de Berlim:
i Filme francês denuncia padre pedófilo e cumplicidade da Igreja
Um só padre católico, na região de Lyon, na França, abusou de mais uma centena de crianças, quando no exercício de sua função de orientador espiritual junto ao movimento católico dos escoteiros mirins A quase totalidade dessas crianças não ousava reagir e nem contar para os pais. Apenas algumas, o que motivou cartas para o arcebispo da cidade. Cartas que não provocaram nenhuma reação da direção da Igreja, mesmo se tais atos iriam repercutir na vida adulta dessas crianças, algumas traumatizadas sexualmente.
Mais grave, esse mesmo padre Freynat, continuou no seu trabalho com as crianças, pressupondo-se ter continuado a agir como um pedófilo, desta vez com uma certa cumplicade do arcebispado, para o qual Freynat seria simplesmente um doente atraído por crianças e não um autor de crime sexual, sujeito a processo e prisão.
Esse não é apenas o enredo de um filme, mas a realidade ocorrida na mais católica e conservadora cidade francesa, onde o arcebispo Philippe Barbarin, também adotou
o mesmo método de seu antecessor, minimizando os atos de pedofilia e permitindo ao sacerdote continuar no exercício de sua função.
Ao silêncio da Igreja e dos pais, que descartavam as informações dos filhos julgando-as invenções ou exageros, seguiu-se o das autoridades locais de Lyon, dispostas a apoiar o arcebispo Barbarin, quando, enfim, a Justiça começou a agir, diante das denúncias apresentadas pelas próprias crianças, agora já adultos, muitos com traumas dos abusos na infância, reunidos num site online, cujo nome A Palavra Libertada, decidiu processar judicialmente o padre e o arcebispo.
O filme do cineasta francês Fançois Ozon descreve todo o processo de conscientização e organização dos adultos abusados sexualmente na infância e adolescência e com o apoio de suas famílias e as etapas de ações junto à Polícia e à Justiça, lembrando nisso os filmes políticos de investigação dos anos 60-70, como os de Costa Gavras. Por coincidência, Graças a Deus - titulo do filme - estreou em Berlim e começará a ser exibido na França, justamente quando a Justiça irá se pronunciar sobre a culpabilidade ou não do arcebispo Philippe Barbarin, no próximo dia 7 de março.
A última cena do filme, cujas cenas são filmadas dentro de Igrejas ou com as famílias de fiéis devotos católicos traídos por um padre e um arcebispo, coloca em destaque a própria questão da existência de Deus. Em todo caso, o Vaticano tinha sido informado do que se passava em Lyon, sem agir, e diante de uma espera condenação do arcebispo Barbarin, deverá agir, se penitenciar ou se descredibilizar.
O título do filme - Graças a Deus - diante da prescrição dos crimes, demonstra a hipocrisia do arcebispo Barbarin - foi uma frase por ele pronunciada durante uma entrevista coletiva com a imprensa em Lyon.
Site online organizado em Lyon pelas vítimas do padre pedófilo Bernard Freynat - https://www.laparoleliberee.fr/sitemap/
Nota - Na França, o julgamento do cardeal Philippe Barbarin terminou no Tribunal Criminal de Lyon. Após 4 dias de audiência, a decisão final foi reservada para o dia 7 de março. O cardeal Barbarin é acusado por nove vítimas de ter mantido silêncio, embora estivesse ciente dos atos de pedofilia do padre Bernard Freynat de sua diocese. O promotor não exigiu uma condenação contra o cardeal, considerando que os fatos estão prescritos. Mas para alguns demandantes, esse processo já é uma vitória em si.
Rui Martins está em Berlim convidado pelo Festival Internacional de Cinema.
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