Locarno, abuso sexual entre hassídicos
É o filme choque deste ano em Locarno. Seu título é um simples M maiúsculo. M de Menahem Lang, que conduz a realizadora de origem judáica Yolande Zauberman, parisiense, a Bnei Brak, em Israel, lugar considerado como a capital mundial dos haredim, os judeus ultraortodoxos, do qual também fazem parte os hassídicos ashkenazi.
Menahem Lang tinha sido uma criança extremamente gentil, assíduo nas escolas talmúdicas, sempre com as roupas pretas próprias dos haredim e se distinguia por ter uma voz especial para interpretar em yiddish os cânticos litúrgicos. mas ao chegar aos vinte anos, Menahem deixou a família em Bnei Brak e se instalou em Telavive.
E a razão dessa ruptura, ele conta, rompendo um doloroso segredo, no filme de Yolande Zauberman:o
Menahem tinha sido violado, desde pequeno, por membros diversos dessa comunidade religiosa. Sua coragem fez com que outros também decidissem contar o segredo de Bnei Brak - a existência de muitos outros casos de pedofilia e de abusos sexuais mesmo entreos maiores. Violados que se transformam em violadores e entre eles inclusive rabinos. "Eu era um porno-kid, diz ele, um menino destinado ao prazer dos homens".
O filme de Yolande Zauberman é uma denúncia como foram os recentes filmes denunciando a pedofilia dentro da Igreja Católica, como são os filmes mostrando as mulheres-objetos dentro da religião islamita, em flagrantes da enorme hipocrisia existente entre muitas comunidades religiosas, de crenças diferentes, porque, ao que parece, o impulso sexual é mais forte que a fé ou o temor de Deus.
Yolande Zauberman tem feito filmes documentários de denúncia, como foi seu primeiro documentário sobre o apartheid na África do Sul, e para se ter consciência do valor do seu testemunho sobre as práticas entre haredim hassídicos em Bnei Brak, é suficiente lembrar ter sido ela da equipe do realizador israelense Amos Gitai.
Menahem Lang começou a ser violado aos sete anos de idade, inclusive por rabinos e autoridades locais, testemunha ele no filme, filmado nessa cidade religiosa onde os haredim se dividem em grupos, um mais fanático que o outro, como se vivessem numa outra Idade Média. O próprio relacionamento dos homens com suas esposas é marcado por frustrações sexuais, conta o documentário, com o sexo só destinado à reprodução, feito no escuro total.
Pelo choque que esse documentário provoca e vai provocar nos próprios meios judáicos, a realizadora Yolande Zauberman quer que outros tantos casos de violação, mesmo dentro de famílias, sejam conhecidos e que os ultraortodoxos decidam a fazer sua mea culpa pública como está fazendo a Igreja Católica.
M é o único documentário concorrendo este ano na competição internacional do Festival Internacional de Cinema de Locarno.
Legenda da foto - Yolande Zauberman realizadora do filme choque em Locarno.
Rui Martins está em Locarno, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.
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