"Considero as diferenças de classes contrárias à Justiça." (Albert Einstein, numa declaração pessoal de seu credo.)
"Os russos provaram que seu único objetivo é realmente a melhora da situação do povo russo." (Albert Einstein em sua recusa, em 1934, de assinar uma petição condenando o assassínio de prisioneiros políticos por Josef Stalin.)
"Qualquer governo é nocivo se abrigar dentro de si a tendência de deteriorar-se em tirania. O perigo ... é mais agudo num país em que o governo tenha autoridade não apenas sobre as forças armadas mas também sobre todos os canais de educação e informação, bem como sobre a existência de todo cidadão em particular." (Albert Einstein num discurso a cientistas russos apoiando os ideais democráticos socialistas e criticando o capitalismo desabrido.)
Por Gaither Stewart
(Roma) Resolvi empreender esta viagem de volta à época de Josef Stalin a partir da estátua de seis metros de altura do escritor revolucionário Vladimir Mayakovsky. Postada numa praça a cerca de uma milha do Kremlin de Moscou, as torres do qual quase podem ser parcialmente avistadas da famosa Praça Triumphalnaya, comumente conhecida como Praça Mayakovskaya, a estátua do poeta parece solitária no rebuliço da moderna Moscou.
Esta viagem, por assim dizer, passa por sobre o corpo do "poeta da revolução" e prossegue pela complexidade e as ciladas das escolhas disponíveis na vida, as escolhas artísticas do poeta e as escolhas político-ideológicas do ditador. O objetivo final desta viagem é sugerir uma reavaliação do papel histórico de Josef Stalin, líder da Rússia Soviética durante os 30 anos que se seguiram à morte de Vladimir Lênin, o Vozhd (líder) de uma revolução que mudou irreversivelmente a natureza da Rússia retrógrada e levou a revolução para muito além de suas fronteiras.
Primeiro, porém, o poeta Vladimir Mayakovsky.
O poeta cubo-futurista da Revolução Russa, admirado, prestigiado e promovido por Stalin e por alguns dos líderes revolucionários russos, objeto de desconfiança e de crítica da parte de outros, aparentemente deu um tiro em si próprio em seu escritório num dia de abril de 1930 em Moscou. A morte dele acabou tornando-se objeto de especulação por parte tanto de historiadores quanto de escritores de histórias de mistério e suspense: suicídio ou homicídio? Ambas as versões são tentadoras e verossímeis: ou ele cometeu suicídio devido a desilusão com a revolução, ou foi assassinado por Stalin. Ou talvez se tratasse de alguma questão mais prosaica de sua vida amorosa.
Mayakovsky mudou-se, em 1906, com sua família, para Moscou, vindo da Geórgia (Gruzia), onde tanto ele quanto Stalin haviam nascido, ele russo, Stalin georgiano. Corre que ele era membro do Partido Bolchevique com 14 anos de idade, mensageiro e distribuidor de panfletos, razão pela qual teria sido preso antes da Revolução. Diz-se que escreveu seu primeiro poema na solitária da Prisão de Butyrki (Moscou) quando tinha 16 anos.
Então, enquanto estudante de arte, publicou, em 1912, juntamente com um grupo de pintores avant-garde, um manifesto futurista intitulado "Um Tapa no Rosto do Gosto do Público" que demandava que escritores anteriores, como Aleksander Pushkin e Lev Tolstoy, deixassem de ser lidos. O ardoroso excêntrico Mayakovsky tornou-se o astro e a lenda do período revolucionário devido a sua voz estrondeante, leitura empolgante, talento de apresentador e a idéia revolucionária em sua obra.
peguem pedras, bombas, facas, o que puderem, e aqueles de vocês que não tiverem mãos
usem a testa. Marchem, ó vocês famintos
Arqueados,
Macilentos, sujos, sarnentos
Marchem!
Durante o golpe bolchevique em Petrogrado, marinheiros vermelhos marcharam para o Palácio de Inverno recitando um dos slogans de Mayakovsky: Comam abacaxis, mastiguem codornas, o último dia de vocês está chegando, burgueses!
Marcha da Esquerda, seu poema de 1918 acerca da coragem, disciplina e otimismo proletários daqueles engajados na luta contra a contra-revolução, era típica de sua poesia lírica, clara e simples, completamente inteligível para as massas e admirada por Lenin e logo por Stalin. Um jornal escreveu, à época, que quando a voz forte e poderosa dele ressoava por toda a praça, enquanto ele lia a Marcha da Esquerda, toda a praça repetia seus versos:
'A Comuna nunca será derrotada.
Esquerda!
Esquerda!
Esquerda!'
Quem está marchando fora da cadência?
Esquerda!
Esquerda!
Esquerda!'
O poeta da Revolução desdenhava da instituição oficial da Cultura Proletária, Proletkult. Produzindo pôsteres e placares e slogans para o governo revolucionário, ele veio a acreditar que encarnava a Revolução. Em seus muitos filmes, nenhum deles realmente bem-sucedido, e em sua excelente poesia, seu tema principal era o proletariado. Ele viajou pelo mundo de Paris ao México (para visitar o comunista Diego Rivera) e aos Estados Unidos, onde leu suas obras revolucionárias. Num dos poemas ele se gaba do espanto e alarme que seu passaporte soviético vermelho criou no mundo daqueles dias, quando as autoridades de imigração tocavam-no como se fosse uma bomba.
Ao redor do mundo, fascistas queimaram os livros de Mayakovsky juntamente com aqueles de Lenin, Stalin e Gorky. Inimigos, em toda a parte e sempre, temiam o poeta da revolução proletária. Para o poeta do realismo socialista a dialética do desenvolvimento histórico e de mudança do sistema social é clara. Ele escreveu que o capitalismo no passado desempenhou papel progressista: acabou com os 'direitos feudais', cantou a 'Marselhesa', putrefez-se; 'ficou pelo caminho da história'. E portanto só há uma saída - explodi-lo!'
Em 1925, ele criticara o suicídio num poema dedicado A Sergey Yesenin (a quem ele não admirava particularmente) quando aquele poeta revolucionário cometeu suicídio: Nesta vida, morrer não é tão difícil, Criar vida é consideravelmente mais difícil. Ativo em diversos campos e porta-voz do Proletariado até o fim, Vladimir Mayakovsky chocou todo mundo quando, súbita e surpreendentemente, em 14 de abril de 1930, atirou em si próprio em seu escritório em Moscou. Deixou a seguinte nota:
"Como dizem, o incidente está encerrado. O barco do amor arruinou minha vida diária. Estou de contas acertadas com a vida e nada se ganharia relacionando-se feridas, problemas, e insultos. Este não é o modo que recomendo mas não há outra saída. Não pensem que sou um covarde. Seriamente, não haveria o que fazer. Lili, ame-me".
Por que essa dramática saída da vida, quando ele e seu movimento estavam vencendo? Durante grande parte de sua vida Mayakovsky esteve de fato preocupado com a morte. Como muitos artistas, ele era sensível às criticas e, como homem, ele estava desapontado com o amor. Escreveu uma peça a respeito do suicídio e do amor chamada Vladimir Mayakovsky, especialmente a respeito do grande amor de sua vida, Lili Brik, e a respeito das tensões entre a história e o amor pessoal.
Depois da morte de Stalin em 1953 correram boatos de que Mayakovsky não havia cometido suicídio e sim tinha sido assassinado por ordem de Stalin. Aparentemente isso faz pouco sentido visto que Stalin, depois de longo silêncio depois da morte do poeta, escreveu que 'Mayakovsky foi e continua sendo o melhor e mais talentoso poeta da época soviética' e que 'indiferença para com seu legado cultural é crime.'
Escolhas
Em OU UM OU O OUTRO Kierkegaard idealiza o papel e a vida do poeta como desespero. O poeta vê os ideais mas precisa escapar do mundo a fim de fruí-los, e não consegue ficar indiferente às caricaturas desses ideais ao redor de si. Analogamente, também os grandes idealistas políticos, aqueles cujas idéias podem mudar o mundo exatamente do modo como todo poeta aspira mudá-lo, experimenta extremos de desespero e dúvida.
Suspeito de que eles também estremecem em dúvida e medo, como Stalin deve ter estremecido no Kremlin. As paixões deles são talvez as mesmas do poeta, embora sua missão exija uma crueldade estranha ao poeta. Tolstoy escreveu que também os homens comuns fazem as coisas que fazem fazendo talvez história sem saber o que estão fazendo. Tolstoy acreditava que a força que tomou o lugar de Deus e moveu a história era algo grande mas incompreensível, inacessível, arcano.
Só a pessoa verdadeiramente arrogante passa pela vida acreditando que sempre fez escolhas autênticas.
Tradução Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme [email protected]@gmail.com
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