1 - A vítima deste aparente crime de homicídio não se tratava de um travesti, mas sim de uma transexual, já semi-operada e em pleno processo de mudança de sexo, com acompanhamento médico no Hospital de Santa Maria. A diferença entre um e outro conceito é importante, por motivos que foram bem explanados pelos media, há exactamente dois anos (a coincidência de datas é absoluta e inquietante), aquando do assassinato da transexual Gisberta no Porto. Um travesti é um homem vestido de mulher. Uma pessoa transexual é uma pessoa que pretende efectuar ou efectou uma mudança de sexo, por ter nascido com um género distinto daquele que lhe foi ditado pelo corpo biológico.
Tem, portanto, de lidar em permanência com o estigma de quem não cabe nas normas de género impostas pela moral social dominante. Não pode, portanto, ser considerada como homem, nem deve, por correcção e respeito ao género escolhido da vítima, ser referida no masculino, mas sim no feminino que corresponde ao seu nome: a Luna. Da mesma forma, as prostitutas no Conde Redondo, entre as quais se encontra uma ou outra travesti, são sobretudo transexuais e mulheres biológicas.
2 - A hipótese aparentemente oriunda de fonte policial, e repetida por alguns meios de comunicação, segundo a qual o caso poderia estar relacionado com situações de redes de exploração do trabalho sexual ou de extorsão, afigura-se-nos totalmente contraditória com o conhecimento que tinhamos da actividade da vítima, bem como com o conhecimento do terreno que temos acumulado no trabalho que desenvolvemos de apoio às prostitutas naquela zona. Não damos, portanto, qualquer crédito a esta tese, nem a consideramos digna de crédito.
Da mesma forma, não nos sentimos particularmente inclinados para a hipótese de uma discussão com um cliente, por motivos inerentes à vítima e à forma como esta actuava, e que poderemos explanar em contacto directo com os senhores jornalistas.
Não conhecemos os motivos do crime nem a identidade dos agressor/es. Sabemos porém, que a hipótese de se tratar de mais um crime de ódio, continua por afastar. E que independentemente de se tratar ou não de um crime de ódio, é evidente que o trabalho sexual nocturno, na rua, como o desenvolvido por Luna e sua colegas, representa já por si uma situação de vulnerabilidade à agressão, e que um número cionsiderável de transexuais é empurrada para esta actividade profissional por falta de alternativas, graças à discriminação e à desprotecção legal que são vítimas em Portugal. A transfobia está, portanto, em qualquer caso, presente.
3 - A zona do Conde Redondo, é uma das zonas de prostituição em Lisboa, mas não é uma zona de frequência de toxicodependentes, como referido por alguns jornais. Assim temos atestado no trabalho da equipa de rua que ali mantemos regularmente há mais de um ano, em trabalho de prevenção de DST's e apoio e informação às prostitutas, transexuais e não só.
4 - Sem dados para fazer qualquer ligação entre os vários acontecimentos, pensamos ser de recordar que há pouco mais de um mês, uma outra prostituta transexual foi baleada na zona do Restelo, e que há cerca de uma semana, foi encontrado o corpo de um homem, com sinais de violação, no Jardim do Principe Real, em Lisboa, conhecido como a zona por excelência do circuito nocturno gay. Estes factos, nada habituais e extremados, a sua concentração no tempo, e a absoluta coincidência com a data do segundo aniversário do assassinato da transexual Gisberta deixam-nos profundamente inquietos.
5 - Disponibilizo o meu contacto pessoal para prestar, em nome do colectivo de que sou porta-voz, os esclarecimentos necessários para evitar a repetição destes ou de outros erros sobre este caso. A vítima deste trágico e violento crime, a Luna, era uma das prostitutas transexuais com que trabalhamos através da nossa equipa de rua. Tinhamos tido com ela um último contacto há uma semana atrás. Além disso, desde há dois dias, temos estado no terreno comunicando com as suas colegas e tentando recolher informação que possa auxiliar a Polícia Judiciária na sua investigação. Estamos portanto em posição de prestar esclarecimentos aprofundados sobre a matéria.
Aguardamos com apreensão a divulgação, pela polícia judiciária, de mais dados que, em conjunto com o resultado da autópsia, possam esclarecer este crime e as suas motivações. Guardamos para esse momento, aliás, tomadas de posição mais aprofundadas sobre o caso. O que não nos impede de estar à disposição da comunicação social para estes e outros esclarecimentos que julgamos indispensáveis.
Panteras Rosa - Frente de Combate à LesBiGayTransfobia
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