Adilson Roberto Gonçalves
Quando as big techs reclamam do projeto de lei para regular a internet não é porque haverá censura, mas, sim, diminuição de seus lucros. Muita gente falando e escrevendo sobre a manipulação da busca do Google, mas é bom esclarecer que as propagandas vêm em primeiro lugar nos resultados, impulsionadas por aqueles que financiam a monetização da rede. Ou seja, não adianta digladiar contra a big tech e querer auferir ganhos com seu canal no Youtube. No mais, a mentira que tinha perna curta agora tem ganho rápido. Comecei a tratar dessa questão no artigo anterior “Tecnologia e regulação da internet” (https://port.pravda.ru/science/58203-tecnologia_internet/), aproveitando para corrigir o início do último parágrafo para “... as opiniões dos que apregoam...”.
Há libelos espalhados pela imprensa dita séria em que apelam para a liberdade de expressão de forma ilimitada, alegando que isso é o que está em nossa Constituição Federal. A leitura de um desses artigos de opinião fez-me consultar com detalhes o que está no texto constitucional. Ali é omitido que o citado dispositivo contra a censura está no capítulo “Da comunicação social”, que trata das formas como a liberdade de pensamento é praticada, especialmente nos meios jornalísticos. Na leitura total dos cinco artigos que o compõem isso fica muito claro. De qualquer forma, a liberdade de dizer o que se pensa é restrita a quando ela entra em conflito com a lei, mesmo que infraconstitucional. Assim, por mais danoso que eu considere a onipresença de um advogado que me impede de comparecer à frente de um juiz sem um constituído, mesmo que tenha competência para me representar, não me permite que eu defenda o fim de tal profissão. E não é questão de ter medo de falar o que penso, mas, sim, plena consciência de que a vida se dá em sociedade, com vários outros eus a serem respeitados.
A imprensa tem ainda dificuldade para entender o que é opinião e o que é notícia, incluindo seus limites. O ombudsman da Folha de S. Paulo até falou sobre isso, quando do título sobre a morte de Rita Lee que foi alterado para incluir vínculo a drogas, e muito criticado porque quem fez a reportagem não havia dado essa ênfase. Foi ali revelado o que todos deviam saber: a matéria e seu título não pertencem ao jornalista, mas ao editor, seu superior. É diferente do texto de opinião sob exclusiva responsabilidade de seu autor. Mas, mesmo assim, pode ser alterado segundo as normas da redação, como as cartas que são publicadas nas seções ainda existentes dos jornais impressos. Seria isso censura?
Mudar os textos de livros, essa sim, é uma forma de censura ou de cerceamento da liberdade de expressão. Além da mutilação cultural, denunciada em vários editoriais que dizem que haverá uma “literatura limitada”, a alteração e banimento de livros antigos, em função de expressões racistas e preconceituosas, levará a uma pesada falsidade ideológica, pois, por exemplo, prevalecendo a versão modificada dos livros de Monteiro Lobato, um leitor de hoje entenderá que ele nada tinha de racista. Da mesma forma que mudanças nos livros de Agatha Christie vão surpreender o jovem leitor que verá uma escritora além de seu tempo, que aparentemente não vivenciou o período colonial britânico. A preguiça intelectual não pode predominar à guisa de “correções históricas” e adaptações.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia Campineira de Letras e Artes, da Academia de Letras de Lorena, do Instituto de Estudos Valeparaibanos e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.
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