O Peru necessita, com urgência, melhorar o acesso a métodos anticonceptivos modernos e seguros, especialmente os anticonceptivos orais de emergência (AOE), também chamados de "pílulas do dia seguinte”. Os benefícios do uso dos AOE incluem a prevenção de riscos para a saúde das mulheres relacionados com a gravidez, redução da mortalidade infantil, diminuição das gravidezes adolescentes, melhorar a educação sexual e desacelerar o crescimento demográfico.
Noticias Aliadas/Adital
Annalise Falck-Pedersen*
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os AOE estão incluídos na lista de medicamentos essenciais que cobrem as necessidades de atendimento de saúde prioritárias da população. No entanto, vários países na América Latina não reconhecem os AOE como medicamentos essenciais e, portanto, não estão disponíveis facilmente, como na Argentina, Brasil, Chile e Costa Rica, e sua distribuição está totalmente proibida no Haiti e Honduras. No Haiti, inclusive, é ilegal difundir informação sobre os AOE.
O Peru inclui os AOE na lista de medicamentos essenciais, mas isso não significa que sejam acessíveis. Em 2009, o Tribunal Constitucional (TC) proibiu a distribuição gratuita dos AOE em estabelecimentos públicos de saúde porque vulnera o direito à vida do concebido, protegido pela Constituição, e ordenou os laboratórios que produzem, comercializam e distribuem os AOE que "incluam na posologia a advertência de que tal produto poderia inibir a implantação do óvulo fecundado”.
O Ministério da Saúde declarou que os AOE não são abortivos e proporcionou evidência médica e científica em respaldo. Não obstante, o TC confirmou, em 2010, a proibição da distribuição gratuita nos serviços de saúde públicos da "pílula do dia seguinte” e, em 2011, foram publicadas novas diretrizes. Atualmente, os AOE só estão disponíveis em estabelecimentos comerciais privados.
A falta de controle sobre as AOE também é um problema grave. Em 2014, uma pesquisa levada a cabo pela organização não governamental Prosalud Interamericana descobriu que farmácias em Lima vendiam AOE falsificados; quase um terço dos lotes analisados não eram efetivos (28%) e um nem sequer continha levonorgestrel, o hormônio usado para evitar a ovulação. Em seu lugar o laboratório utilizou um antibiótico barato, usado para infecções do trato urinário.
"Muitos dos AOE que se encontram no mercado, no Peru, são de qualidade desconhecida e não receberam a aprovação das autoridades regulatórias”, assinalou o Consórcio Internacional para a Anticoncepção de Emergência (ICEC).
Segundo o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, a esterilização feminina é comum em nove países da região: Belize, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. Com 26% de mulheres esterilizadas, a América Latina tem a mais alta percentagem de esterilização feminina no mundo, sendo o quarto método anticonceptivo mais usado no Peru.
Um dos maiores problemas com a esterilização feminina é que, em muitos casos, é forçada. As mulheres são coagidas a submeterem-se à operação de ligadura de trompas, seja porque o procedimento é explicado em uma língua que não entendem (por exemplo, o castelhano frente a quechua), ou lhes dão informação incorreta. Em alguns casos, as mulheres são sequestradas para serem esterilizadas. As mulheres objeto são em geral indígenas que vivem em zonas rurais, ou aquelas que estão infectadas com o vírus HIV, de acordo com uma pesquisa levada a cabo pelas organizações estadunidenses Women and Health Initiative e Open Democracy.
Durante o regime do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), este foi um tema crítico. Entre 200.000 e 350.000 mulheres foram submetidas à esterilização forçada pelo Programa de Anticoncepção Cirúrgica Voluntária, que exigia dos médicos que cumprissem quotas mensais e os trabalhadores da saúde eram treinados para "capturarem” a maior quantidade possível de mulheres para serem esterilizadas. O objetivo da iniciativa era controlar o crescimento da taxa de população peruana. Muitas dessas mulheres ficaram com graves sequelas em sua saúde ou até morreram em consequência das péssimas condições em que foram realizadas as operações. Apenas cinco dos responsáveis (médicos e trabalhadores da saúde) foram levados a julgamento; a maioria dos casos foi desestimada.
O procedimento, legalizado em 1995, foi investigado, em 2002, pelo governo do então presidente, Alejandro Toledo (2001-2006), que considerou proibir a esterilização feminina, devido à sua controvertida história, mas nada ocorreu. Em 2011, o governo reabriu, novamente, uma investigação, mas foi encerrada em 2014 sem nenhum avanço, apesar dos milhares de testemunhos. O promotor a cargo encerrou o caso assinalando que as esterilizações forçadas não constituem um crime de lesa humanidade.
"O problema aqui é que o promotor considera essas graves violações aos direitos humanos sob a forma de ‘delitos culposos’, que é uma contradição porque não existem violações aos direitos humanos não intencionais. Em outras palavras [se for considerada negligência], não se comete uma violação grave aos direitos humanos. Também afirmou que não se trata de delitos de lesa humanidade porque nenhum organismo do aparato estatal foi utilizado para violar os direitos humanos”, explicou María Ysabel Cedano, diretora da Demus, organização defensora dos direitos das mulheres, com sede em Lima, em uma entrevista ao serviço informativo PassBlue.
Vítimas de esterelizações forçadas pelo governo de Fujimori ainda lutam por justiça
Em maio último, foi reaberta a investigação pela quarta vez, centrando-se, especificamente, em Fujimori. Considera-se que é um dos maiores programas governamentais de esterilização involuntária da história recente.
Em 09 de julho, a Associação de Mulheres Afetadas pelas Esterilizações Forçadas (Amaef), de Cusco, juntamente com o Comitê de Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres Esterilizadas, da Província de Huancabamba, Piura, participaram do foro "Esterilizações forçadas: 18 anos sem justiça”, realizado na sede do Congresso peruano, em Lima. O objetivo do evento era reunir-se e compartilhar ideias, e preparar uma estratégia para que seu caso não seja encerrado novamente.
Rute Zúñiga, presidenta da Amaef, espera ajudar para que o caso avance, entregando ao Congresso dados atualizados e mais testemunhos das vítimas.
Ativistas de direitos humanos e a parlamentar andina Hilaria Supa respaldam esse caso desde o início.
"É hora de reparar os atos de injustiça”, disse Supa.
As mulheres vítimas de esterilizações forçadas e suas famílias seguem sem receberem reparação alguma do Estado. Fujimori, de 76 anos, se encontra cumprindo uma condenação de 25 anos de prisão, que deve ser concluída em 2032, por violações aos direitos humanos e corrupção, mas não foi julgado pelo Programa de Anticoncepção Cirúrgica Voluntária e pelos milhares de casos de esterilizações forçadas. Organizações, como a Demus e a Amaef, continuam lutando para que seja reconhecida a gravidade desses crimes.
Atualmente, a batalha continua para que a anticoncepção de emergência e a esterilização feminina sejam seguras e empoderem as mulheres. É um longo e duro caminho na defesa dos direitos reprodutivos das mulheres.
*Cidadã estadunidense, recentemente graduada em Retórica do Inglês e Espanhol de Negócios, que realiza um estágio nas Comunicações Aliadas.
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