Venezuela: Táctica e contradições

Táctica e contradições

 

Há umas semanas atrás uns humoristas russos fizeram-se passar por membros do Governo suíço e contactaram Juan Guaidó, que caiu na esparrela. Quando lhe perguntaram quando pensava ir tomar posse do lugar de presidente em pleno, disse que isso dependia do "cessar da usurpação", para o qual "todas as hipóteses estão em aberto". Foi mais uma demonstração de que Guaidó não tem qualquer poder sobre o Estado venezuelano, e está aliás na dependência total de uma incursão militar estadunidense para algum dia passar a estar. Foi ainda uma prova de que Guaidó não estima previsível que essa incursão militar ocorra a breve trecho. E foi, para corolário, a introdução perfeita para o desembarque, ontem em Caracas, de cerca de uma centena de oficiais russos em missão de consultoria militar.

 

Ruis Tavares da vida têm falado da conspiração russa para espalhar e fortalecer partidos de extrema-direita por toda a Europa, minando a UE e inspirando uma onda conservadora. Além de alimentar uma russofobia típica da esquerda ocidental, além de escamotear deliberadamente os esforços feitos pela administração estadunidense e por forças dentro da própria UE para acirrar essa deslocação da hegemonia para a extrema-direita, além de continuarem a alimentar a tese de que a salvação da humanidade está no restabelecimento do sistema demoliberal burguês se possível com Ruis Tavares ao volante, esta perspectiva é reveladora de que Rui Tavares não percebe nada de história, nem sequer da história na sua versão liberal-burguesa para não o assustar com marxismos: os Governos não têm amigos, têm interesses (o marxismo entra para completar dizendo que são interesses de classe, mas não assustemos o Rui). Se para concretizar esses interesses for preciso arranjar um comboio selado para Lenine ir para a Rússia, tudo bem. Se for preciso desbastar bombas no Daesh e salvar a pele de Assad, também está bem. Se for útil uma demonstração, mesmo que simbólica, de solidariedade militar com a Venezuela, também está muito bem. Compreender esta disponibilidade de os governos burgueses, em tempos de choque entre si, obterem aliados de que forma for, e explorar isso para benefício próprio está ao alcance de qualquer organização política. Ocorre que na Europa ocidental tem sido sobretudo a extrema-direita a recorrer à Rússia. A esquerda espera ajuda não se sabe bem de onde nem como, e entretanto vai aprovando OEs do PS, aplicando austeridade na Grécia, dizendo mal dos independentistas no Estado espanhol.

 

Não há aqui nenhuma defesa do Governo russo, como dirão os críticos moralistas, da mesma forma que Lenine não teve de apoiar o Reich de Guilherme II para saber de que forma o manobrar e fazer a revolução. Há simplesmente a compreensão de que no actual choque entre EUA e Rússia é possível explorar contradições a favor de experiências que visam quebrar a dominação do imperialismo estadunidense. Maduro percebeu isso. Assad percebeu isso. A esquerda europeia, no seu coro chauvinista alinhado com a russofobia dos patrões do seu país, é que ainda não percebeu.

 

João Vilela

Fedr

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey