Assim como os mapas europeus põem a Europa no centro do universo, assim também muitos comentaristas ocidentais olham para o ano passado sempre a partir de um ponto de vista EUA/europeu. Até que é justo. Importante é que o Império Anglo-sionista sofreu dois grandes desastres: o Brexit e a eleição de Trump, que o tornam ainda mais interessante.
Apesar de tudo isso, hoje quero examinar o ano que termina, a partir de um ponto de vista russo. Eis os principais desafios que a Rússia enfrentou em 2016:
1. O regime nazista em Kiev;
2. A guerra civil no Donbass;
3. Tentativas dos ucranianos para bloquear a Crimeia;
4. A doentia hostilidade do governo dos EUA;
5. A política da OTAN, de confronto militar na Europa;
6. A frente unida europeia contra a Rússia;
7. Sanções aplicadas pelo ocidente, subsequente queda nos investimentos e no crédito e baixos preços do petróleo;
8. Crescente insatisfação do povo russo contra as políticas econômicas do governo;
9. A luta contra a 5ª Coluna "neoliberal" dentro da Rússia;
10. A agressão internacional contra a Síria;
11. A demonização da Rússia em geral e de Vladimir Putin em particular;
12. Ataques terroristas contra a Rússia.
Tomemos esses itens um a um, atribuindo-lhes notas de avaliação, considerados os resultados e com vistas ao que interessava à Rússia:
Ucrânia 5/5
A Ucrânia ocupada pelos nazistas está em queda livre. De fato, já está há algum tempo em queda livre, mas, como alguém que pule do 40º andar de um prédio pode dizer que "até aqui tudo bem" ao passar pelo 20º andar, assim a Ucrânia ainda pode dizer que "até aqui tudo bem" e parecer digna de confiança aos mal só superficialmente informados. Mas vai-se tornando cada dia mais claro que a chamada "revolução da dignidade" (que é como os neonazistas chamam o golpe contra Yanukovich) é miserável fracasso, e que a "Ucrânia Independente" já não tem salvação. A classe governante que tomou o poder está já em frangalhos, todos contra todos, e não há qualquer política sobrevivente, que não seja luta de vida e morte para enriquecer e sobreviver, cada um pessoalmente 'por si'. Quanto à "Joana d'Arc da Ucrânia" e "Esperança da Ucrânia" - Nadezhda Savchenko - está sendo denunciada como traidora e agente secreta a serviço do FSB. A revista Forbes publica artigo intitulado "Corruption is killing Ukraine's economy" [Corrupção está matando a economia da Ucrânia] e um ex-deputado ucraniano distribuiu gravações de Poroshenko recebendo propinas do FBI. Quanto aos militares ucranianos, os quais foram recentemente propagandeados por Poroshenko como um dos cinco melhores do mundo, até agora só conseguiram enviar uma companhia de infantaria com duas divisões de tanques para atacar posições dos novorrussos perto de Debaltsevo, antes de os ucranianos serem dizimados.
A situação dos militares ucranianos é tão lastimável que agora estão obrigados a usar carros privados para chegar às linhas de frente e evacuar os feridos. Sim, no papel a Ucrânia tem grande exército, mas na realidade só conta com uma força que mal consegue sobreviver antes mesmo de entrar em combate.
Por último, mas não menos importante, toda a elite nazista governante jogou todo seu peso político na eleição de Hillary, dedicando a Trump todo o mais abjeto escárnio. Dizer que, considerados os resultados das eleições, aquela gente está 'ferrada', é dizer pouco. E assim se compreende o vento de medo pânico que toma conta hoje de Kiev.
O Donbass 3/5
A política russa no Donbass (não ocupação, combinada com apoio ostensivo e invisível) revelou-se claramente a mais correta: a República Popular de Donetsk (RPD) e República Popular de Luhansk (RPL) estão-se fortalecendo, ao tempo em que a Ucrânia ocupada pelos nazistas vai-se pelo ralo, vide supra, como se diz. Houver também fracassos muito flagrantes e os dois maiores foram a inabilidade dos russos para pôr fim aos bombardeios constantes e ataques nazistas contra civis; a Rússia tampouco conseguiu estabelecer melhor segurança dentro das duas repúblicas. Se há desculpas para o primeiro fracasso (não há receita pronta para fazer acontecer 'a paz'), o segundo é indesculpável, como várias figuras novorrussas chaves já viram. Além disso, a situação no Donbass permanece muito difícil e potencialmente perigosa. No grande esquema das coisas, a Rússia saiu-se muito bem; mas se se observam os detalhes veem-se vários erros e fracassos bem visíveis. Mesmo assim qualquer pessoa decentemente informada vê que agora (de fato, como desde sempre), a cada dia que passa os novorrussos vão ficando mais fortes, e os ucronazistas, mais fracos.
Crimeia 5/5
Os ucronazistas tentaram de tudo, desde bloquear a península, até cortar energia e água e infiltrar terroristas. Com isso a Rússia teve oportunidade para "salvar" incontáveis vezes a Ucrânia. É perfeitamente claro que os ucronazistas já há muito tempo desistiram de 'recuperar' a Crimeia e que só lhes restam agora meios muito pouco eficazes para infernizar a vida do povo da Crimeia, com o que só conseguem reforçar a firmeza dos crimeanos. Inicialmente, havia uns poucos na Crimeia ainda não perfeitamente convencidos de que o pesadelo acabara e que os russos falavam sério (principalmente por causa dos muitos boatos sobre "a traição de Putin"). Mas agora que os russos investiram grandes esforços para blindar a Crimeia contra tentativas de invasão dos ucronazistas, as últimas dúvidas desapareceram. O futuro da Crimeia parece muito promissor: não só o estado russo está investindo ali bilhões de rublos para extensas construções de infraestrutura e alocação de força militar grande e moderníssima, mas também as novas possibilidades para o turismo e o comércio são excelentes.
EUA 5/5
O mérito pela eleição de Donald Trump é em primeiro lugar e sobretudo do povo dos EUA, a quem toda a população do planeta deve um profundo sincero "MUITO OBRIGADO!" Nunca conseguirei provar tal coisa e, graças a Deus, jamais saberemos se eu estava certo, mas até o último momento tiver certeza de que Hillary na Casa Branca teria significado guerra, muito provavelmente guerra nuclear, contra a Rússia. Ainda não estou muito convencido quanto a Trump, mas consigo ver os próximos anos de seu governo com cauteloso otimismo e, embora seja dos que nunca dizem nunca, sinto realmente que com Trump na Casa Branca os riscos de guerra contra a Rússia caíram para nível dramaticamente baixo; exceto por ato completamente desatinado de provocação ou desastre, uma guerra entre EUA e Rússia tornou-se muitíssimo improvável. Glória a Deus, por essa graça infinita!
Tudo isso dito, atrevo-me a especular que, sim, a Rússia pode ter dito algum papel na eleição de Trump. Não por ter hackeado e-mails ou contratado Ron Paul (!!!) como agente de propaganda russa, mas por ter confrontado os EUA em todos os fronts, abertamente e firmemente, e por ter mostrado que a Rússia de modo algum se ajoelharia aos pés do Império Anglo-sionista. Como já escrevi incontáveis vezes, a Rússia vem-se preparando há anos para a guerra, e por mais que os russos sempre tivessem medo (como até hoje têm) de guerras, também estão prontos e preparados para lutar, se for inevitável. Na sua mais recente conferência com a imprensa Putin referiu-se especificamente ao desejo do povo russo como elemento chave da capacidade da Rússia para vencer qualquer agressor. O presidente Putin disse que
"Somos mais fortes que qualquer agressor potencial. Não tenho qualquer problema para repetir aqui o que já disse. Também já disse por que somos mais fortes. Tem a ver com o esforço para modernizar as Forças Armadas da Rússia, como também tem a ver com a história e a geografia de nosso país e com o estágio atual da sociedade russa."
Putin está absolutamente certo. Claro, Hillary foi suficientemente estúpida para tentar impor uma zona aérea de exclusão sobre a Síria; mas os cerca de 200 generais e almirantes que manifestaram apoio a Trump provavelmente compreenderam o que esse tipo de tresloucamento implicaria. Além do mais, parece que cada vez maior número de norte-americanos são simpáticos à Rússia e ao próprio presidente Putin. Mais uma vez, naquela mesma conferência de imprensa, Putin referiu-se a isso e fez alguns comentários muito interessantes:
"Não considero o apoio ao presidente da Rússia por grande parte de eleitores Republicanos como apoio dirigido a mim, pessoalmente. Vejo-o, mais, nesse caso, como indicação de que parte substancial do povo norte-americano partilha conosco opiniões similares sobre a organização do mundo, sobre o que todos temos de fazer e sobre ameaças que pesam sobre todos e desafios que todos temos de enfrentar. É bom que haja gente que partilha a visão que temos de valores tradicionais, porque assim se forma uma base sólida sobre a qual construir relações entre países tão poderosos como Rússia e Estados Unidos, e construí-las a partir de simpatias mútuas partilhadas entre os nossos povos. (...) Parece-me que Reagan gostaria de ver candidatos do seu partido vencendo em tantos pontos, e que consideraria bem-vinda a vitória do presidente recém eleito, tão adepto de ouvir e captar o sentimento público, e que tomou precisamente esse rumo e insistiu nele sempre, quando ninguém, com exceção dos russos, acreditávamos que poderia sair com a vitória."
Putin pôs as coisas em termos de valores, valores partilhados entre os povos russo e norte-americano.
[Nota marginal pessoal: valha o que valer, interajo com regularidade com norte-americanos que apoiam Putin porque "ele defende valores norte-americanos, muito diferente dos FdPs em Washington"].
Mas como os norte-americanos chegariam a conhecer os valores que Putin e a Rússia defendem, não fossem os incansáveis esforços do próprio Putin e de blogs alternativos, empenhados em levar aqueles valores ao conhecimento do grande público? Acho que por terem denunciado sempre ABERTAMENTE a infinita hipocrisia do Império Anglo-sionista, e por terem oferecido modelo civilizacional diferente, Putin e a Rússia tiveram real impacto na opinião pública ocidental.
Dito de forma simples: a Rússia alcançou vitória ideológica, sobre os imperialistas anglo-sionistas. Ainda em outras palavras, a política russa de fazer frente com firmeza ao Império, ao mesmo tempo em que desafiava abertamente as suas bases ideológicas, foi a política mais acertada e teve, muito provavelmente, impacto, sim, no resultado das eleições nos EUA.
OTAN 4/5
A Rússia derrotou a OTAN em dois níveis: num nível puramente militar e num nível político,
No nível militar, a Rússia tomou medidas assimétricas que prometeu tomar, para bloquear duas medidas: a implantação do sistema norte-americano de antimísseis na Europa; e a implantação de poder militar ameaçador no leste europeu. A Rússia implantou seu sistema de míssil Iskander, duplicou as dimensões suas Forças Aerotransportadas e iniciou a criação de um Exército de Tanques na direção ocidental estratégica (para saber mais como a Rússia preparou-se para lutar contra e derrotar a OTAN ver "How Russia is preparing for WWIII" e "The UE's suicide by reality denial").
No nível político, só pode haver dúvida mínima, de que todos os líderes europeus que favoreceram qualquer confronto com a Rússia são hoje impopulares e enfrentam crise política, exceto talvez Merkel, mas a Alemanha nada pode fazer de significativo, ela sozinha (aí, pode-se dizer, aparece afinal algum efeito colateral, pode-se dizer positivo, as União Europeia). Quanto à eleição de Trump, resultou em pânico generalizado na OTAN, especialmente naqueles países que se prostituíram diretamente, eles mesmos, ao Império com entusiasmo e empenho especiais: a Polônia, os três paraestados do Báltico, Suécia, Dinamarca, Holanda e nossos "irmãos ortodoxos" na Romênia e Bulgária).
Não vejo Trump desmontando a OTAN, haveria excessiva oposição a esse movimento, mas com Trump na Casa Branca, todo o nonsense sobre "o urso russo vai comer Latvia ou Polônia" tende a desaparecer; e os povos mais pobres do leste da Europa perceberão que nem Rússia nem EUA estão preocupados com o destino deles. Trump provavelmente porá a OTAN em regime de aperto de dinheiro e forçará os estados membros a comprar mais armas dos EUA, mas será operação puramente financeira, não alguma tentativa de cercar a Rússia com forças militares.
O objetivo final da Rússia, a substituição da OTAN por um acordo de defesa mútua que cubra toda a Europa de Portugal aos Urais não aconteceu, mas a eleição de Trump é grande passo na direção certa.
União Europeia 5/5
Pobres "UEenses" (palavra que inventei para designar os zumbis europeus que creem na União Europeia de Bilderberger): hoje estão, para dizê-lo com polidez, totalmente "fritos". O povo britânico não apenas desafia o Império e vota a favor do Brexit, mas agora a própria pátria imperial apunhala "pelas costas" o próprio Império e elege um patriota que não se interessa por manter o império global (ou, pelo menos, é o que ele diz, pelo menos por enquanto).
No momento em que a chamada "crise dos refugiados" traz várias nações cruciais para a UE até a beira de uma guerra civil (a França, por exemplo), todos os esforços das elites para culpar a Rússia por todos os erros delas mesmas acabam em fracassos abjetos. Basta ler esse artigo ridículo do Sun britânico, que acusa a Rússia - acredite se quiser - de "organizar ataques sexuais na Alemanha"!!
Depois dos Chetniks sérvios usando o estupro como arma de limpeza étnica, e "Gaddafi distribuindo Viagra aos soldados para estuprarem apoiadores da oposição", chegou a vez de Putin ordenar que refugiados estuprem mulheres na Alemanha. Nada supera isso (até agora!). E caso o impensável aconteça na Alemanha, os alemães já avisaram que hackers russos podem roubar a eleição na Alemanha. Não fosse tão repugnante, seria cômico.
O resumo disso tudo é o seguinte: todo o projeto da União Europeia está já em completa falência moral, cada estado membro mergulhado em sua específica profunda crise política e as chamadas "elites" lutando para encontrar qualquer saída do que parece ser um colapso inevitável da ordem da União Europeia sobre a Europa.
As forças militares europeias são piada, todas elas, e quando, digamos, os suecos partem para "caçar russos" sempre acabam por se meter em situação embaraçosa. Se há extraterrestres que nos observam de longe, a União Europeia com certeza é assunto para o programa cômico
Longe de temerem os europeus, os russos sequer os levam muito a sério, e os veem ou com piedade ou com escárnio pela falta de dignidade e de espinha dorsal parece que infinita. Claro, tão logo haja no poder, nos países da União Europeia, líderes mentalmente saudáveis, a Rússia se apresentará, muito feliz por poder comerciar com a UE, mandar e receber turistas e, de modo geral, manter relações amigáveis. Mas depois de três séculos tentando subalternamente imitar os europeus e serem aceitos, eles também, como europeus, os russos afinal perderam todo o interesse em 'agradar' a Europa, pelo menos pelas vias culturais ou políticas.
Claro, os russos continuam a amar os carros alemães, os vinhos franceses e a música italiana, mas o mito da superioridade cultural da Europa está realmente morto. Já foi tarde! [Continua]
28/12/2016, The Saker, Unz Review e The Vineyard of the Saker
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