O filme russo de Alexey German Jr. se passa no ano de 2017, cem anos depois da Revolução e às vésperas de uma nova guerra mundial, faz parte dos selecionados concorrendo ao Urso de Ouro. Dividido em episódios, evoca o estado espiritual da Rússia, à busca de uma identidade nacional.
Embora o filme se situe às vésperas de um conflito mundial, o realizador Alexey desfaz qualquer intenção de ser um filme de antecipação, ao contrário, trata-se, segundo ele, de um filme voltado à antiga União Soviética. Iniciado há seis anos, não havia naquela época o atual conflito com a Ucrãnia.
É um filme difícil, feito de recortes, de ângulos diversos, num cenário de céu nublado e de chão coberto gelado coberto de neve, em meio a fundações e início de construções de prédios abandonados. Seis personagens se movimentam nessa desolução fria e abandonada.
"Meu filme, diz Alexey, quer mostrar uma Rússia voltada para sua memória e de certa forma entristecida pelas suas lembranças, que são mostradas não na ordem cronológica mas, poderíamos dizer, de maneira transversal. O país está despedaçado pelas lembranças. O passado, para nós, é como círculos feitos na água que se afogam mais e mais. Não se pode falar do futuro sem fazer referência ao passado".
"Tentamos criar uma dramaturgia tridimensional, importante para se entender o que se passou na Rússia, mesmo que muitos não atinjam esse objetivo. Os acontecimentos devem ser considerados sempre de diversos pontos de vista, como, por exemplo, se quisermos saber qual a tática do jogo numa partida de futebol, é preciso dispor no campo de futebol diversas câmeras pegando diversos ângulos. Ao se contar a história de um país é mais ou menos a mesma coisa"
"Para falar da Rússia não quisermos nos fixar em ricos, pobres, aqueles que venceram ou não venceram, o importante era de se construir a globalidade do quadro. O filme é poético na análise mas é ao mesmo tempo uma tentativa de visão do mundo de ontem. Uma busca de identidade, feita de maneira poética. Não se trata de uma explicação racional, mas de um essaio de se chegar de maneira poética ao fundo da alma russa".
"Não foi um trabalho fácil, foi um filme longo, pois o cenário escrito há seis anos levou cinco anos para ser feito. E quisemos mostrar tudo de maneira surrealista, procurando parar o tempo sobre as imagens, como a estátua de Lenin sob os flocos de neve.
E como demorou, aconteceram imprevistos como o roubo da estátua de Lenin, encontrada mais tarde no jardim de uma casa, cujo proprietário disse querer salvar a estátua da destruição, pois estava abandonada."
"A Rússia está hoje ao pé do muro, porque seu povo não se comprende e se defronta - diz Alexey, respondendo a uma questão - com a xenofobia e o antissemitismo. Há cem anos, um século, a Rússia tenta encontrar seu caminho e no processo dessa busca a Rússia atravessou ciclos, o imperial, a Revolução, o comunismo, a guerra fria.
"Meu filme tenta entender toda essa complexidade, todas essas camadas, todos choques entre o passado, o presente e o futuro, a ruptura entre o humanismo e a perda de sua cultura de uma maneira mais recente"
Rui Martins
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