Por ANTONIO CARLOS LACERDA
Correspondente Internacional
CAIRO/EGITO (PRAVDA.RU) - 30 anos depois de assumir a presidência do Egito como "O Escolhido" para "O Caminho da Paz" no Egito conturbado e à beira de uma explosão pelo assassinato do então presidente Muhammad Anwar el-Sadat, Muhammad Hosni Said Mubarak não teve outra saída senão a de renunciar ao cargo de o homem mais poderoso da nação mais população do mundo árabe.
Hosni Mubarak, de 82 anos, assumiu o poder no Egito em outubro de 1981. Foi considerado um dos mais poderosos chefes de Estado do Oriente Médio e exerceu papel de mediador no conflito árabe-israelense, além de ter tido uma função fundamental na disputa do território do Saara Ocidental, entre Marrocos, Argélia e Mauritânia.
Ele é graduado pela Academia Militar em 1949 e pela Academia da Força Aérea Egípcia em 1950, da qual foi comandante-chefe a partir de 1972. Seu desempenho na guerra de Yom Kippur com Israel em 1973 lhe rendeu o cargo de marechal. Em 1975, o então presidente Anwar el-Sadat nomeou Mubarak seu vice-presidente, que seis anos mais tarde assumiu o comando do país, após o assassinato de Sadat. O posto de presidente foi renovado por quatro vezes: 1987, 1993, 1995 e 1999.
Em 6 de outubro de 1981, Mubarak chegou à presidência após Sadat ser baleado por ativistas islâmicos em um desfile militar, tendo sido aprovado pela população em um referendo. Em 26 de junho de 1995, sofreu um atentado na chegada à cúpula da Organização da Unidade Africana (OUA), em Adis Abeba, na Etiópia.
Em 5 de outubro de 1999, Mubarak tomou posse como presidente para seu quarto mandato, e nomeou Atef Obeid primeiro-ministro depois que o governo liderado por Kamal Ganzouri renunciou.
Em 22 de dezembro de 1999, o Egito concordou em vender gás natural, o que o gabinete do premiê israelense Ehud Barak chamou de "Oleoduto da Paz". Após anos de negociações para a paz no Oriente Médio, Barak disse que o gás seria canalizado a partir de El-Arish, no Egito, para Israel e Autoridade Palestina, e mais tarde para Turquia, Síria e Líbano.
Em 2004, Mubarak afirmou, em entrevista ao jornal francês Le Monde, que considera existir um "ódio sem precedentes" contra os Estados Unidos nos países árabes (entre eles, o Egito), motivado pela proteção econômica e militar concedida pelo governo americano a Israel.
Um ano depois, protestos nas ruas pelo movimento Kefaya ("Basta!") atraiu centenas de pessoas em todo o país para se opor a um quinto mandato de Mubarak ou a qualquer tentativa de ele pôr o filho Gamal em seu lugar. A polícia prendeu 200 membros e simpatizantes da Irmandade Muçulmana.
Em 11 de maio de 2005, o Parlamento egípcio votou para mudar a Constituição, a fim de permitir as controversas eleições presidenciais, rejeitando acusações da oposição de que regras rígidas evitariam uma concorrência efetiva. Um referendo no fim de maio confirmou esmagadoramente essa mudança constitucional.
Em 27 de setembro do mesmo ano, Mubarak foi empossado para um quinto mandato consecutivo, depois de vencer sua primeira eleição contestada, no dia 7. O rival Ayman Nour foi o único membro do Parlamento a permanecer sentado durante a cerimônia, aparentemente para mostrar sua recusa em aceitar a contagem oficial dos votos.
Em 8 de dezembro de 2005, a Irmandade Muçulmana aumentou suas cadeiras no Parlamento egípcio, após uma eleição marcada pela violência, mas o partido de Mubarak manteve a grande maioria. Em 7 de dezembro, último dia da votação, oito pessoas morreram. A Irmandade diz que ganhou 12 lugares, expandindo seu bloco para 88, quase um quinto das vagas.
Em 19 de novembro de 2006, Mubarak disse que manteria suas responsabilidades como presidente para o resto da vida. Em 4 de junho de 2009, o presidente dos EUA, Barack Obama, em um discurso no Cairo, pediu um "novo começo" nos laços entre Washington e o mundo islâmico.
Em 26 março de 2010, o ex-chefe da agência nuclear da Organização das Nações Unidas, Mohamed ElBaradei, fez sua primeira aparição pública após o retorno ao Egito, em fevereiro, afirmando que iria considerar uma candidatura presidencial se exigências fossem atendidas, incluindo alterações constitucionais para limitar o poder no país.
Em 29 de novembro de 2010, a Irmandade Muçulmana disse que a fraude nas eleições eliminou sua presença no Parlamento, praticamente limando a oposição ao partido de Mubarak antes da votação presidencial de 2011. O governo limitou a proibição de partidos religiosos ao perseguir os independentes.
Em 25 de janeiro deste ano, protestos anti-governo em todo o Egito tiveram início, e a população demonstrou ódio, queixando-se da pobreza e da repressão às liberdades individuais. Em 28 de janeiro, Mubarak ordenou que tropas e tanques fossem enviados às cidades durante a noite para reprimir as manifestações no país. Cerca de 300 pessoas foram mortas nesses atos.
Em 31 de janeiro, o Egito empossou o vice-presidente Omar Suleiman, que disse que Mubarak lhe pediu para iniciar um diálogo com todas as forças políticas. Em 1º de fevereiro, mais de um milhão de pessoas em todo o país foram às ruas para pedir o fim do governo de Mubarak.
No dia 6, grupos da oposição, incluindo a banida Irmandade Muçulmana, mantiveram conversações com o governo, presidido pelo vice-presidente, que disse que o Egito teria um calendário para a transferência pacífica do poder.
Nesta quinta-feira, 10/02/2011, Mubarak informou que um diálogo nacional estava em andamento e tinha transferido o poder ao vice-presidente, mas se recusou a deixar o cargo imediatamente, como queriam os manifestantes.
Durante seu governo no Egito, Mubarak cometeu erros fatais para um governante se manter no poder. Mesmo com o anúncio de que não disputaria as eleições de setembro, os protestos contra seu governo - que iniciaram no dia 25 de janeiro - não cessam, e ele passou a lidar com as pressões populares.
A fúria dos egípcios sobre Mubarak não foi à toa. Ele cometeu uma série de erro como governante do Egito, que se transformaram em uma bomba de efeito retardado para desencadear a revolta popular que terminou com a sua renúncia forçada, para não ser deposto.
No Egito, a economia cresceu a olhos vistos, mas a população não sentiu a mudança no bolso. Empresários ligados ao partido de Mubarak são acusados de enriquecimento ilícito.
Os escândalos de corrupção foram um dos reclamos populares no Egito, sendo difícil fazer qualquer coisa no país sem ter de pagar propina a autoridades, agentes do governo ou ter conexões com figurões.
Líderes natos por excelência, Gamal Abdel Nasser e Anwar Sadat, antecessores de Mubarak, sabiam onde queriam levar o Egito. Enquanto isso, Mubarak não ofereceu uma meta clara aos egípcios. O que ele ofereceu foi uma infraestrutura em ruínas, condições socioeconômicas decadentes e lealdade ao Ocidente. O povo só caminha se seu líder mostrá-lo o caminho a seguir.
Durante anos a fio Mubarak prometeu reformas políticas que nunca aconteceram. Acusações de fraudes eleitorais eram constantes no Egito.
Para se perpetuar no poder, Mubarak já com 82 anos, vinha preparando seu filho Gamal para sucedê-lo na presidência do Egito, fato que não foi do agrado da população egípicia.
As manifestações de protestos populares nunca passaram de pequenas marchas rapidamente dispersadas pelas forças de segurança. Desta vez, porém, os organizadores se profissionalizaram e as forças de segurança do governo de Mubarak não teve com enfrentar as movimentações populares, por estar despeparada para essas ocasiões.
Durante a maioria das eleições parlamentares que ocorreram nos últimos 30 anos, Mubarak permitiu que alguns assentos fossem ocupados por seus opositores. Ano passado, entretanto, seus opositores foram violentamente redizidos e a Irmandade Muçulmana, o maior partido de oposição no Egito, ficou de fora do Parlamento.
Saqueadores detidos durante as manifestações populares ostentavam crachas de identificação de funcionários do governo e da polícia, em uma clara alusão de que eles foram enviados pelo governo. Com isso, os protestos populares cresceram e o tiro saiu pela culatra.
Em uma última tentativa de enganar o povo egípicio, Mubarak anunciou reformas políticas e constitucionais não especificadas e prometeu não disputar as eleições em setembro. Entretanto, nomeou dois militares e aliados próximos para os cargos de vice-presidente e primeiro-ministro, o que levou o povo a interpretar como uma estratégia para perpetuar seu partido e seus aliados no poder.
Cronologia da queda
25 de janeiro - Inspirados nos protestos da Tunísia que derrubaram o presidente Ben Ali, cerca de 15 mil egípcios foram às ruas para o Dia de Fúria, manifestações contra o regime de Hosni Mubarak organizadas pela internet. Eles se reuniram na Praça Tahrir, no centro do Cairo, em atos contra a corrupção, o alto custo de vida e as políticas do governo. Houve confrontos com a polícia.
26 de janeiro - Os protestos ocorridos no Cairo se espalham para Suez e outros locais e a repressão da polícia aumenta. Sites como o Facebook e o Twitter foram tirados do ar, mas o governo negou ter cortado os servidores de internet.
27 de janeiro - O Premio Nobel da Paz, Mohamed ElBaradei, um dos mais contundentes opositores de Mubarak, que estava na Europa, chega ao Egito. A volta de ElBaradei estimula a população e os grupos de manifestantes que protestavam no Cairo e em outras cidades aumentam. A Irmandade Muçulmana, maior bloco opositor, pede para seus partidários irem às ruas no dia seguinte.
28 de janeiro -Além de Cairo e Suez, os protestos populares chegam a Alexandria e Ismaília, que são tomadas por manifestações contra Mubarak. O Exército é acionado, veículos blindados são vistos nas ruas. O governo impôs um toque de recolher, que foi desrespeitado pela população.
29 de janeiro - Logo ao amanhecer, Mubarak anunciou que todo o seu gabinete iria renunciar. Entretanto, na tentatia de ludibriar o povo, mais tarde, nomeia o chefe da inteligência do país, Omar Suleiman, como vice-presidente, o primeiro em seus 30 anos de mandato. Mubarak ainda incumbe Ahmed Shafik, o novo primeiro-ministro, a formar um novo governo. A partir desse momento, entra em cena o Premio Nobel da Paz, ElBaradei, que conclama Mubarak a renunciar.
Nas ruas, a população aumenta as manifestações de protestos, e a sede do Partido Nacional Democrático, de Mubarak, é incendiada. A polícia desapareceu e, durante a noite, saqueadores atacaram lojas e casas nos subúrbios da capital, mas a população do Cairo se organiza em grupos armados para defender sua propriedade. Várias prisões registraram fugas em massa.
30 de janeiro - O Exército continua nas ruas, mas foi constatado militares cooperando e apoiando as manifestações populares contra Mubarak. O governo proíbiu a rede árabe Al-Jazira de transmitir os protestos populares contra Mubarak.
31 de janeiro - Os manifestantes anunciaram que organizariam para o dia seguinte uma marcha com um milhão de egípicios, o que foi cumprido. Aliás, já neste mesmo dia 31/01/2011, 350 mil manifestantes ocuparam a Praça Tahrir, aguardando o dia seguinte. Seis jornalistas da Al-Jazira são presos temporariamente.
1 de fevereiro - Pouco antes da "marcha dos milhões", o Exército anuncia que "reconhece as reivindicações legítimas do povo" e que "não usará força para reprimir protestos pacíficos". Durante o dia, um milhão de pessoas tomou a Praça Tahrir, dando início ao maior protesto contra Mubarak desde o início do levante. À noite, Mubarak anuncia que não concorrerá nas eleições de setembro e afirma que, no resto de seu mandato, "responderá às demandas do povo". Só que o povo não não acreditava mais em Mubarak.
2 de fevereiro - O Exército pede o fim dos protestos, mas os manifestantes voltaram à Praça Tahrir no fim da manhã para continuar as manifestações contra Mubarak, egigindo sua renúncia. Entretanto, manifestantes simpáticos a Mubarak também se aglomeraram no centro do Cairo e tem início a um confronto entre os pró e contra Mubarak.
Os grupos atiraram paus e pedras uns nos outros. Os partidários de Mubarak invadiram a praça montados em camelos e cavalos. Horas depois do início dos combates, o Exército interferiu. Nos hotéis, os quartos ocupados por jornalistas estrangeiros foram invadidos pela polícia, que buscava câmeras.
3 de fevereiro - Os enfrentamentos entre manifestantes e partidários de Mubarak continuam pela madrugada, e o novo premiê egípcio, Ahmed Shafiq, pede desculpas pela violência no dia anterior. Em entrevista à TV estatal, o vice-presidente Omar Suleiman convida a Irmandade Muçulmana para um diálogo nacional e critica a rede de TV Al-Jazira.
Esse dia é também de violência para jornalistas estrangeiros no Cairo, onde partidários de Mubarak o hotel onde a maioria dos jornalistas estava hospedada. Houve prisões, abusos de autoridade e confisco de material dos jornalistas. Dois jornalistas brasileiros passam a noite presos em uma cadeia local.
4 de fevereiro - A oposição continuou desafiando a repressão e 100 mil pessoas se reuniram na praça Tahrir, no Cairo. Os manifestantes ignoraram o clima de terror imposto pelo regime e batizaram a sexta de o "Dia da Partida". Mubarak ainda não tinha caído, mas seu governo cedeu e pediu que a oposição entregue um documento com suas principais exigências, o que foi considerado um sinal de fraqueza.
Em Washington, o presidente americano Barack Obama elevou o tom e os Estados Unidos deram inicio às negociações de um plano para tirar Mubarak de cena, instaurar um governo de transição e encerrar a crise.
5 de fevereiro - Após 12 dias de protestos, a alta cúpula do Partido Nacional Democrático (PND), legenda do governo do Egito, renunciou. Entre os dirigentes que caíram estão Gamal Mubarak, filho do presidente Hosni Mubarak, e Safwat el-Sharif, secretário-geral do partido. O primeiro-ministro, Ahmed Shafiq, disse que a estabilidade estava sendo retomada no Egito e se mostrou confiante de que haveria uma solução para a crise sem a saída imediata de Mubarak.
6 de fevereiro - O governo se reúne para negociar com a oposição e oferece uma série de concessões, como o fim do estado de exceção, a formação de um comitê para reformar a Constituição, a libertação de prisioneiros políticos e fim das restrições à imprensa. Os opositores, porém, saíram descontentes com as concessões e seguiram pedindo a renúncia de Mubarak e a dissolução do Parlamento.
7 de fevereiro - No 14º dia de protestos contra Mubarak, reuniões entre governo e oposição seguem, mas sem muitos avanços. O governo de Mubarak realiza sua primeira reunião ministerial desde a queda do gabinete e, para conter os ânimos e a fúria popular, decide pelo aumento do salário de funcionários públicos. Wael Ghonim, executivo do Google e ativista polítivo, é libertado após quase duas semanas preso, o que teve grande influência nos protestos no dia seguinte.
8 de fevereiro - Ghonim dá uma entrevista emocionante a uma televisão local e discursa para os manifestantes na Praça Tahrir. Seu pronunciamento leva centenas de milhares de egípcios ao centro do Cairo e os protestos ganham novo fôlego. Suleiman segue com as negociações com os opositores, mas as forças políticas contrárias a Mubarak não se dão por satisfeitas com as propostas do governo.
9 de fevereiro - Os confrontos violentos entre os manifestantes e a polícia se espalharam para outras áreas do Egito. Ghonim, que se tornara símbolo dos protestos, afirma que "hora de negociar já passou" e a Casa Branca volta a criticar o governo egípcio, pedindo que as autoridades façam mais pelos menifestantes. O chanceler egípcio, porém, critica os americanos por tentarem "impor sua vontade sobre o governo do Egito".
10 de fevereiro - Apesar dos rumores sobre sua queda, Mubarak anuncia que passou seus poderes efetivos ao vice-presidente, Omar Suleiman, que agora tem o poder sobre os militares. A multidão, que esperava ouvir a renúncia do ditador, se enfurece e ruma em direção ao Palácio Presidencial, onde diz que a revolução egípcia começou.
Hossan Badrawi, chefe do Partido Nacional Democrático (PND), diz que seria surpreendente se Mubarak continuasse no poder até a sexta-feira, 11/02/2011. O Exército afirma que vai interferir na crise para garantir a "salvaguarda do país" e anuncia que "as exigências dos manifestantes seriam atendidas". Um pronunciamento de Mubarak é esperado para as 22 horas, com o anúncio de sua renúncia, o que não aconteceu. O número de manifestantes na Praça Tahrir aumenta, além da presença militar no centro do Cairo.
11 de fevereiro - Chega ao fim uma ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak sobre o Egito. Às 18 horas locais, o vice-presidente Omar Suleiman vai à televisão estatal e anuncia: "O presidente Hosni Mubarak deixa a presidência e delega os assuntos do Estado ao Conselho Supremo das Forças Armadas". A oposição e os egípcios comemoram.
ANTONIO CARLOS LACERDA é o Correspondente Internacional do PRAVDA.RU no Brasil. E-mail:- [email protected]
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