A hostilidade dos Estados Unidos e as sanções impostas começaram muito antes de o Irão reativar o seu programa de energia nuclear. Tiveram início logo após o derrubamento revolucionário da brutal monarquia imposta pelos Estados Unidos em 1979.
Por Sara Flounders*, no Diário.info
Desde então a estratégia dos Estados Unidos tem sido desestabilizar o estado iraniano e sabotar a sua economia com o fim de dominar mais uma vez os ricos recursos do país. Washington utilizou a sabotagem económica e industrial, assassínios de líderes políticos e cientistas e cerco militar. Wall Street apoderou-se de milhares de milhões de ativos iranianos, que somam agora mais de US$100 bilhões em fundos congelados.
É esse o contexto deste acordo, desigual, mas que permite alguma descompressão sobre os constrangimentos de toda a ordem que o imperialismo tem imposto.
O acordo nuclear de seis meses entre o Irã e os países G 5+1 foi descrito como um grande avanço, uma saída, um desastre ou uma traição, dependendo do ponto de vista. Grande parte do texto do acordo alcançado em Genebra, no dia 24 de novembro, deixa claro a arrogância imperialista.
No entanto, qualquer que seja a atitude com o acordo, é essencial que todas as forças progressistas se unam e façam um apelo claro que ponha fim a todas as sanções e aos ataques à soberania do Irã e ao ataque dos criminosos imperialistas à população iraniana.
Ao examinar esse acordo provisório, devemos ver primeiro quais são as razões que levaram os Estados Unidos e o Irã a assiná-lo e quem se beneficia dele. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU - Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China - mais a Alemanha - são os G 5+1. Os Estados Unidos e os seus aliados basearam a sua posição nas repetidas acusações de que o desenvolvimento da energia nuclear do Irã leva à produção de armas nucleares, o que de acordo com eles é uma ameaça ominosa à paz mundial.
As seis nações envolvidas nas conversações com o Irã utilizaram energia nuclear durante mais de cinquenta anos. Todos, exceto a Alemanha, têm um arsenal de armas nucleares. Os Estados Unidos têm o maior arsenal - pronto a detonar -, é o único que utilizou bombas nucleares contra os povos e o imperialismo norte-americano continua a ameaçar rotineiramente com primeiros ataques nucleares contra países que não têm esse tipo de arma.
Há um significado muito claro para o termo que todos os presidentes dos Estados Unidos têm utilizado desde Truman: "Todas as opções estão em cima da mesa". Porta-aviões nucleares norte-americanos e submarinos nucleares Trident, capazes de destruir toda a vida na terra num único lançamento, sulcam os mares, incluindo as águas muito próximas da costa do Irã.
As conversações em Genebra basearam-se na premissa de que os Estados Unidos e os seus aliados suavizariam as sanções que estrangulam a economia do Irã e em troca o Irã congelaria e reduziria o seu desenvolvimento de energia nuclear. Essa é a meta dos imperialistas apesar do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNPN) que o Irã assinou, garantir a cada país o direito de desenvolver a energia nuclear com fins pacíficos.
A legislação de sanções norte-americanas exigiu que todos os países do mundo participem no bloqueio do Irão senão enfrentariam sanções severas comerciais, bancárias e de seguradoras pelos Estados Unidos. O bloqueio mundial desvalorizou a moeda iraniana em mais de 60% e na produção de petróleo em mais de 50%.
Não há exigências contra Israel, o representante dos Estados Unidos, na região. Israel possui de 100 a 130 armas nucleares, não assinou o TNPN e nunca se submeteu a uma inspeção.
Os termos do acordo
Vale a pena ler o curto "Plano de Ação Conjunto" assinado com o Irã. No qual pode-se ler a afirmação: "O Irã reitera que em nenhuma circunstância o Irã desenvolverá qualquer tipo de armas nucleares". Claro, que nenhum dos G 5+1 aceitou qualquer promessa semelhante.
Para poder ter acesso aos US$7 bilhões dos mais de US$100 bilhões dos seus próprios fundos sem seguro e congelados em contas pelo mundo inteiro, o Irão deve aceitar submeter-se a inspeções diárias e sem aviso prévio ao seu modesto programa de energia nuclear. Isso inclui os seus reatores, silos de fabricação, instalações de armazenamento, minas e fábricas de urânio e todos os registos dessas instalações.
O desenvolvimento de armas nucleares requer o enriquecimento de urânio a mais de 90% da fusão de isótopo U-235. O Irão deve aceder a não enriquecer o seu urânio em mais de 5% e diluir o seu limitado inventário de urânio já enriquecido a uns 20%.
O acordo estipula que a aceitação dessas medidas intrusivas sobre a soberania do Irão dará lugar a uma pausa de seis meses aos esforços de redução das vendas de crude do Irã e à suspensão das sanções dos Estados Unidos sobre a indústria automotriz do Irã e sobre as reposições para a aviação civil do Irã.
O acordo permitirá ao Irã comprar, com fundos congelados pelos Estados Unidos, alimentos e produtos agrícolas, medicamentos, dispositivos médicos e pagar a matrícula de estudantes iranianos que estudam em universidades do exterior.
O relaxamento da trama enorme e constritiva de sanções demonstra o carácter invasivo e direto das sanções.
As sanções começaram com a Revolução de 1979
Na avaliação deste acordo é essencial saber que a hostilidade dos Estados Unidos e as suas sanções impostas começaram muito antes de o Irã reativar o seu programa de energia nuclear.
Logo após o derrubamento revolucionário da monarquia brutal imposta pelos Estados Unidos em 1979 diminuiu fundamentalmente a influência norte-americana em toda a região, começaram as primeiras sanções dos Estados Unidos contra o Irão. A convulsão anti-imperialista - com uma corrente religiosa muçulmana radical a desempenhar um papel de liderança - transformou a sociedade iraniana. Também libertou os recursos petrolíferos e de gás iranianos dos contratos desiguais que serviam as empresas petrolíferas gigantes a Exxon, Mobil e Shell.
A estratégia dos Estados Unidos desde 1979 tem sido desestabilizar o estado iraniano e sabotar a sua economia com o fim de dominar mais uma vez os ricos recursos do país. Washington utilizou a sabotagem industrial, assassinatos de líderes políticos e cientistas e cerco militar.
Em 1979, Washington apoderou-se de dez mil milhões de dólares que o Irão tinha em bancos norte-americanos. Com os anos, Wall Street apoderou-se de milhares de milhões de outros ativos iranianos, que somam agora mais de US$100 bilhões de dólares em fundos congelados. A pressão norte-americana inclui rupturas económicas através do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, o Banco de Exportação e Importação e o cancelamento de centenas de contratos.
Muito antes de o Irão reativar o seu programa de desenvolvimento para a energia nuclear para poder satisfazer as necessidade crescentes de energia, os Estados Unidos fizeram o possível através de sanções para bloquear a capacidade do Irã de construir refinarias de petróleo que refinassem o seu próprio petróleo e gás. O Irã era um exportador importante de petróleo cru, mas viu-se obrigado a importar produtos refinados do petróleo a custo muito mais alto.
Finalmente em 2011, depois da finalização de sete refinarias novas, o Irã deixou de ser um importador de gás. Mas as sanções impediram os planos do Irã de exportar o gás refinado.
Ao desenvolver a sua economia independentemente do roubo e do domínio de Wall Street e ao controlar os seus próprios recursos, em três décadas o Irã transformou-se de um país subdesenvolvido num estado moderno com uma população altamente educada. Embora as relações capitalistas prevaleçam, a população tem sido capaz de conseguir cuidados de saúde garantidos, completos e grátis, educação gratuita incluindo a universitária, uma infraestrutura moderna, e casas com eletrificação total.
A educação das mulheres melhorou desde o analfabetismo da maioria à alfabetização plena. Mas de 60% de estudantes universitários são mulheres.
A revolução iraniana enfureceu Wall Street e todas as forças de reação e de poder feudal na região por dar apoio político e material à luta de libertação da Palestina, à resistência libanesa contra a ocupação de Israel e ao governo sírio que resiste à mudança de regime.
Juntamente com o fracasso de desestabilizar o Irã, os Estados Unidos fracassaram totalmente em estabilizar o seu governo no Iraque, Líbia e Afeganistão, apesar da destruição maciça. Os seus planos para uma mudança rápida na Síria também encontraram resistência, apesar dos bilhões de dólares em fundos, equipamento e capacitação das forças mercenárias.
Enquanto declina a sua situação econômica, os planificadores de Washington procuram desviar o seu poder militar já muito desenvolvido para leste para enfrentar a posição econômica da China em crescimento. O sentimento crescente nos Estados Unidos contra outra guerra também pressionou Washington a usar novas táticas.
Tratados quebrados por Washington
O recorde de 200 anos de tratados desiguais e quebrados dos Estados Unidos com as nações indígenas da América do Norte mostra que a diplomacia e as negociações sempre foram utilizadas como formas de guerra. Para Wall Street os intervalos de paz são períodos de preparação para a próxima guerra.
Mas recentemente, em 2003, os Estados Unidos, concordaram em diminuir a pressão sobre a Líbia se esse país renunciasse a ambições nucleares. Em 2006, todas as sanções contra a Líbia foram encerradas e abriram-se muitas ofertas económicas com o Ocidente. No entanto, em 2011, os Estados Unidos e a Otan organizaram a destruição da Líbia.
O resultado das conversações sobre a utilização nuclear que continuam em Genebra não vão mudar a base de décadas de hostilidades do poder corporativo norte-americano contra o Irão.
O facto de que Washington firmou esse acordo provisório com o Irã, no entanto, demonstrou que os planos imperialistas para destruir totalmente um país oprimido são curtos. Se os imperialistas não podem roubar plenamente o que querem, isso significa pelo menos uma vitória limitada para os oprimidos.
Esses tratados assemelham-se à luta de classes representada em cada contrato sindical. Mesmo com um sindicato forte, os trabalhadores nunca estão pagos pelo valor total da sua força de trabalho sob o capitalismo. No entanto, é uma luta e uma vitória a ganhar, mesmo que um contrato sindical assinado ainda seja mínimo.
O governo iraniano tem anos de experiência da duplicidade norte-americana. Em 2003, o então presidente do Irã Khatami, com o atual presidente Rouhami como principal negociador, suspendeu voluntariamente o enriquecimento nuclear e durante dois anos permitiu que a Agência de Energia Atômica fizesse inspeções intrusivas, com a expectativa de que os imperialistas removessem as sanções. Mas o presidente George W. Bush, acrescentou novas sanções e catalogou o Irão como parte do "eixo do mal" e uma das três nações ameaçadas com mudança de regime.
Setores da classe dominante norte-americana poderiam assinar um acordo com algumas forças iranianas que os estrategistas norte-americanos acham que poderiam fazer um pacto com o imperialismo, o que poderiam utilizar para abrir uma brecha mais profunda dentro do Irã. Washington aproveitaria qualquer instabilidade interna no Irã como uma oportunidade para uma nova ofensiva.
Outras forças corporativas norte-americanas poderosas que têm muitos interesses na guerra e o militarismo tentarão muitas formas de sabotar mesmo esse tratado a curto prazo. Israel e a Arábia Saudita, como agente dependentes dos Estados Unidos, na região e cuja posição de bilhões de dólares em equipamento militar se baseia no seu papel promotor de guerra e instabilidade, sentem-se ameaçados por qualquer forma de acordo com o Irã. Novas sanções do Congresso norte-americano poderiam por fim a essa distensão mínima.
O que ganha o Irã?
Logo após o acordo, os fabricantes franceses de automóveis Peugeot, Citroen e Renault, junto de representantes dos fabricantes de automóveis alemãs, sul-coreanos e japoneses, anunciaram que estavam a enviar executivos para uma conferência automotriz em Teerã em princípios de dezembro, considerada o tiro de saída numa corrida de negócios pós-sanções.
Antes da última ronda de sanções internacionais imposta pelos Estados Unidos, a França enviou carros semiconstruídos para o Irão como uma oferta de desenvolvimento para montagem por empresas iranianas como a UIran Khodro e SAIPA:
Mais de 100 mil trabalhadores do ramo automóvel foram despedidos quando as sanções atacaram a maior indústria de manufatura do Irão, o que obrigou as fábricas a operar com menos de metade da sua capacidade.
O acordo de seis meses "terá um impacto muito rápido num sector que é uma grande fonte de emprego iraniana - e isso é mais do que simbólico", declarou Thierry Coville, um especialista sobre o Irã de IRIS, um centro francês de relações internacionais.
O Irã está a planear o que fazer para lá do acordo de transição por seis meses e está à procurar maneiras de ampliar os seus contatos para lá da Peugeot e da Renault para evitar restrições futuras ao comércio. Também há contatos na Câmara de Comércio Alemã-Iraniana. A Índia anunciou planos para acelerar um projeto em Chababar para obter acesso aos bens iranianos que vêm através do Afeganistão. A maior companhia farmacêutica da Turquia, Abdi Ibrahim, está a investigar a venda de medicamentos e acessórios médicos.
A longa luta do Irã pela soberania sobre os seus recursos e o seu futuro ganhará pelo menos um pouco de espaço nesta ronda de guerra diplomática. Se as negociações forem sabotadas o povo iraniano aprenderá pela sua própria experiência o que é o imperialismo.
Ao expor as numerosas dificuldades impostas pelas sanções anteriores, o movimento contra a guerra poderá sublinhar as tentativas de por fim a todas as sanções e ameaças de guerra contra o Irã.
*Sara Flounders é co-directora do International Action Center
Tradução de André Rodrigues P. Silva
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