É uma característica tipicamente humana a de, ao indagar sobre as causas de um conflito, seja entre indivíduos ou entre povos e Estados, procurar aquele que está com a razão, ou seja, aquele que foi prejudicado em seu direito legítimo e portanto pode se defender (ainda que com violência) daquele que o usurpou. Em alguns casos é possível e fácil identificar quem está com a razão: não é difícil defender a aliança dos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética para derrotar o regime nazista na Segunda Guerra Mundial. Mas o mesmo não se aplica ao conflito entre palestinos e israelenses: não é possível saber qual dos dois está com a razão, pois ambos têm reivindicações legítimas, ambos são vítimas e também perpetradores de terrorismo.
As reivindicações de ambos são legítimas: os judeus clamam uma terra que habitaram há milênios e que sempre consideraram sagrada, da qual foram expulsos no início da era cristã pelos romanos, tendo a partir de então de vagar por vários países, em muitos dos quais eram discriminados, desprezados e até perseguidos. Os muçulmanos, por sua vez, habitam esta terra, também sagrada para sua religião, há mais de um milênio, a qual foi alvo de sangrentas disputas com os cristãos na época das Cruzadas, e depois submetida ao imperialismo inglês até o fim da Segunda Guerra Mundial.
A ONU, ao criar o Estado de Israel em 1948, tentou atender a reivindicação legítima dos judeus de terem afinal um território soberano e livre, sem prejudicar os interesses dos palestinos: seriam criados dois Estados, um israelense e outro palestino, e a cidade sagrada de Jerusalém seria dividida entre os dois (a parte ocidental para os judeus e a oriental para os muçulmanos). O problema é que, tentando agradar a gregos e troianos, a ONU não agradou a nenhum: Israel nunca aceitou dividir Jerusalém nem a existência de um Estado palestino, e os muçulmanos tampouco se conformaram com a existência de um Estado judeu, chegando até a haver uma poderosa aliança de países árabes que atacou Israel mais de uma vez (até que, depois de sucessivas derrotas, vários deles passaram a aceitar a existência de Israel e a ter relações pacíficas com este país, como fizeram o Egito e a Jordânia).
Daí vem a causa do conflito: nenhum dos dois povos aceita o direito do outro de ter um Estado naquela região: o desejo da maioria da população palestina é o desmantelamento do Estado de Israel e a expulsão de seus cidadãos, e o dos israelenses é manter os palestinos confinados em guetos, espremidos nas áreas mais pobres, num regime de apartheid ainda mais cruel que aquele praticado pelos brancos contra os negros da África do Sul -- o que nada mais é do que uma expulsão disfarçada, já que a maioria dos palestinos prefere tentar a vida nos países árabes vizinhos, e daí se entende porque a maior parte dos palestinos vive na Jordânia, na Síria ou no Líbano.
Portanto, todo plano de paz proposto à região, seja pela ONU, pelos Estados Unidos, pela União Europeia ou pela Rússia, fracassa inevitavelmente, porque a maioria das duas populações é decididamente contra a outra, e não aceita diálogo. E o pior: ambos crêem que a violência é a única solução possível. Daí que todas as negociações acabem terminando num círculo vicioso de atrocidades: radicais de organizações terroristas islâmicas, inconformados com o fato de alguns de seus líderes, como Arafat e Mahmud Abbas, terem "traído" a causa palestina e se "vendido" a Israel, tentando negociar a paz, mandam homens-bomba para explodir restaurantes, universidades ou ônibus isralenses; os israelenses, por sua vez, irados com o ataque, clamam a seu governo que mande tanques invadirem a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, para prender e matar "terroristas" (ou seja, qualquer palestino que encontrarem pela frente) e helicópteros para atacar com mísseis "sedes de organizações terroristas" (isto é, casas, escolas, hospitais, etc.); os palestinos, para intimidar Israel e mostrar que não se intimidam com tais ataques, mandam mais homens-bomba contra alvos israelenses; e os judeus, querendo dissuadir os muçulmanos dos ataques terroristas, mandam por sua vez mais tanques e helicópteros para os territórios palestinos.
Cada um acha que, usando da violência, o outro se intimidará, abaixará a cabeça e aceitará as condições que lhe forem impostas. O resultado é que a violência não cessa, e cada ataque de homens-bomba palestino gera indignação entre os judeus e causa novas incursões de Israel contra a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, e vice-versa: cada incursão israelense na Faixa de Gaza e na Cisjordânia só atiça o ódio de radicais palestinos e fomenta novos ataques suicidas.
Ambos os lados são, portanto, perpetradores de terrorismo: os palestinos lançam ataques terroristas convencionais, principalmente com fanáticos islâmicos que estão dispostos a morrer para matar algumas dezenas de "infiéis". Justamente por serem pobres, sem recursos materiais, não terem um Estado, nem Exército, nem nenhuma força de defesa organizada, ataques suicidas são a única possibilidade que os palestinos têm de atacar Israel com sucesso. Israel, por outro lado, também lança mão de ataques terroristas, mas bem diferente dos palestinos: o Estado de Israel recebe dezenas de bilhões de dólares por ano, provenientes de ajuda econômica dos Estados Unidos e de doações de judeus ricos que vivem em várias partes do mundo, tem acesso às mais modernas armas estado-unidenses, possui forças armadas muito bem equipadas, organizadas e treinadas, e um serviço secreto dos mais eficientes do mundo.
Com tudo isso à disposição, os israelenses obviamente podem se dar ao luxo de não usar suicidas em seus ataques contra os palestinos: usam tanques, helicópteros, mísseis. Mas o fim visado é o mesmo: as incursões israelenses em território palestino buscam espalhar o terror entre os muçulmanos, mostrar a eles que não estão seguros em parte alguma e que podem ter suas casas e cidades arrasadas e serem mortos a qualquer momento; é o mesmo fim buscado pelos homens-bomba palestinos, ao se explodirem em alvos civis como shoppings, restaurantes, universidades e ônibus.
Israel em geral não é considerado um Estado terrorista, simplesmente porque tem maiores recursos e pode lançar mão de expedientes mais sofisticados do que mandar um homem com explosivos amarrados ao corpo. Mas com certeza, o Estado de Israel é tão terrorista quanto o Hamas e o Hezbollah.
Os Estados Unidos não vêem isso, e este é o grande problema das propostas de paz feitas por eles: quase sempre têm uma visão demasiada favorável aos judeus, como se as brutais incursões do exército israelense fossem apenas "defesa" contra terroristas, e não outros atos de terrorismo contra populações indefesas, tão cruéis quanto o ataque dos homens-bomba. Os Estados Unidos simpatiza com Israel porque este é um Estado democrático, laico e ocidentalizado. Será mesmo? Israel na verdade tem mais aparência do que democracia e laicismo de fato. É verdade que é um Estado parlamentarista, com sufrágio universal, liberdade de pensamento e de opinião -- mas só para os israelenses. Os muçulmanos, como já afirmei (exceto alguns pouquíssimos muçulmanos que possuem cidadania israelense, em número insignificante), ficam confinados em guetos, sem liberdade de locomoção, sem nenhuma representação política, sem acesso a empregos dignos, saúde, educação, nem mesmo água potável.
Sim, Israel é um país democrático, tão democrático quanto a África do Sul dos tempos do apartheid, onde também os brancos tinham todos os direitos garantidos, e os negros nenhum. Tampouco pode-se dizer que Israel seja um Estado laico: ser um cidadão brasileiro, por exemplo, não significa ser católico, embora a maioria da população siga esta religião, assim como ser russo não significa necessariamente ser ortodoxo (pois há também na Rússia muitos cristãos de outras igrejas, assim como judeus, muçulmanos e budistas, todos vivendo em harmonia); mas ser judeu é condição sine qua non para ser cidadão israelense. E o fato de que o Estado de Israel use os judeus mais fanáticos para serem colonos em terras tomadas aos palestinos e assim, aos poucos, irem confinando os muçulmanos numa área cada vez menor, mostra que a linha que separa Estado e religião em Israel é muito tênue. Se os Estados Unidos realmente desejam ajudar a trazer a paz para a região, terão que ser menos coniventes e tendenciosos com os israelenses, e se esforçar por compreender melhor os palestinos.
Mas, enfim, creio que qualquer plano de paz para a região fracassará, pelo simples fato de que nenhum dos lados está interessado em paz; ou melhor, até a aceitam, mas só quando o outro estiver completamente vencido e bem distante da terra que cada um considera como exclusivamente sua. Radicais, tanto de organizações islâmicas fundamentalistas quanto judeus ultra-ortodoxos e partidos israelenses de direita, farão tudo ao seu alcance para arruinar todo plano de paz, por mais consistente e benéfico que seja. Só quando abandonarem toda e qualquer ação violenta é que poderá haver paz, pois é verdade mais que comprovada que a violência só gera violência: ataques não intimidam o adversário, apenas fomentam o ódio e o incitam a novos ataques.
Os palestinos, como bem notou um filósofo estadounidense, Kelley Ross, deveriam abrir mão de seus ataques suicidas e começar um movimento de resistência pacífica a Israel, como Gandhi fez na Índia contra o colonialismo britânico: se fizessem isso, imediatamente toda a opinião pública mundial apoiaria sua causa, pois seria um povo pobre, sem recursos e oprimido, lutando sem armas e sem derramamento de sangue contra um Estado militarmente poderoso. Por outro lado, os judeus, depois de terem passados séculos vivendo em países estrangeiros, desprezados e sem direitos, e até mesmo sistematicamente perseguidos por Hitler, deveriam saber pela própria experiência como os palestinos se sentem, e não fazer com eles o mesmo que lhes foi feito por séculos a fio: pois o que os palestinos desejam é uma terra onde possam ter um Estado livre e soberano. A única solução para os conflitos entre esses povos seria essa mudança mútua de pensamento e de ação. Mas infelizmente preciso terminar este texto com uma nota pessimista: ao que tudo indica, não há o menor sinal de que tal mudança esteja ocorrendo, ou em vias de ocorrer. Desde que o novo plano de paz "Mapa da estrada", proposto pela ONU, Rússia, União Européia e Estados Unidos, foi "aceito" pelas duas partes, já houve atentados de homens-bomba contra Israel e ataques com mísseis contra os territórios palestinos, que até o dia 11 de junho tinham matado 43 pessoas. Com certeza, não é um início auspicioso para um plano de paz.
Carlo MOIANA
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