O conteúdo da carta, entretanto, é o mesmo:
alguém reivindica, outrém paga. Ninguém tem culpa, ninguém é inocente.
Qualquer um pode ser o próximo alvo, todos sabem, muitos desconfiam e, finalmente, poucos realmente fazem o realmente necessário: refletem.
É verdade também que nada justifica atentados e guerras, bem como nada justifica a fome. Cito aqui apenas a fome, poderia citar milhares de outras injustificáveis realidades, mas detenhamo-nos na fome, só ela já reflete o essencial humano tantas vezes mascarado à base de falsas evoluções e descaradas manipulações sociológicas: o instinto animal.
Ainda que os talheres sejam de cristal, a fome é a mesma através dos tempos.
O homem jamais deixará de lado sua bestialidade, e buscar a sublimação deste lado animal é desfazer o humano. O humano é apenas mais uma das tantas espécies animais. E não venha ele querer falar do cérebro: outros animais também os possuem e, no entanto, não jogam xadrez nem granadas.
Vivemos dias de guerra? Sempre os vivemos, cada dia é um dia de guerra na vida de alguém, apenas levamos a sério somente a que atinge e/ou venha a atingir nós mesmos: por que não declarar guerra ao terrorismo da subnutrição no mundo? E guerra aos que governam através da fome, quem declara? Somente se eu passar fome? Chego a pensar, muitas vezes, que a população se indigna com o terrorismo a civis não porque se trate de inocentes, mas porque nós nos encaixemos como alvo, afinal também somos civis. Querem ver?
Se houvesse uma guerra em que se soubesse que apenas os ricos seriam exterminados, os pobres cruzariam os braços e vice-versa. Imagine se a Al-Qaeda dissesse que amanhã exterminaria apenas os políticos corruptos do mundo? É bem verdade que o mundo se reduziria significativamente, mas, vejam que, para os que são contra os políticos corruptos, nada mudaria.
Ou ainda: se se anunciasse uma guerra mundial contra estrupadores, quem sairia lutando contra essa guerra? Nada a justifica? Sim, nada a justifica, nem mesmo no caso dos estrupadores, e volto a lembrar: nada justifica uma guerra, bem como nada justifica a fome.
O problema, entretanto, é que alguns vêem na guerra o ponto de partida perfeito para campanhas políticas, sanções econômicas, relações comerciais, desenvolvimento tecno-armamentista, etc, quando deveriam perceber na guerra a consequência de um mundo que urge por reflexão. Por não aprendermos com o passado, o presente está chegando a tal ponto de aniquilar-se para previnir-se da existência de um futuro.
A guerra, meus caros, tem sido o grito final aqui e acolá de sistemas falidos, econômicos, culturais, sociais. Não é o começo, deve ser entendido como resultado de muito anteriores processos, e é nesses processos que devemos focar nossa atenção.
É realmente horrenda a aniquilação de pessoas por meio de atentados e guerras, mas chega a ser depressivo que as pessoas não se perguntem o que houve anteriormente para chegar a esse ponto. Muitos, a maioria preocupada apenas com a própria pele, pergunta-se " O que vai ser agora?", quando deveria aprender ao se perguntar sobre o quanto que participaram ou se omitiram para permitir que o episódio ocorresse.
Nada mais tem assustado o ser humano, e assistir a uma guerra na televisão já não resulta no que deveria realmente resultar: o retorno do homem ao estudo do modo como tem vivido. Gera-se apenas revolta da parte de uns muitos, interesse da parte de uns poucos e manipulação de quase todos. Na guerra pela sobrevivência, liga-se a câmera e o repórter questiona: qual foco devemos dar à verdade?
Tony R. M. Rodrigues*
* "Tony Roberson de Mello Rodrigues é escritor brasileiro, autor de Lágrimas Lapidadas (1998) e verso que te quero povo (2003). Colabora com jornais do Brasil e do mundo e escreve a coluna Café com Pão para publicação no Pravda sempre às segundas-feiras, tratando sempre de assuntos ligados à importância da leitura e do conhecimento como fontes de inclusão e libertação social."
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