COMO SE FOSSEM GYPSOFILAS

Das flores existentes em Pernambuco, uma existe que chama a atenção. Nem tanto pelo perfume, discreto, discretíssimo, mais para os olhos que para o olfato. Sim, para os olhos, mas para os muito apurados. Porque parece que elas não se individualizam, não atingem um corpo singular. Somente se apresentam fartas, em multidão, pequenininhas, miúdas, como se brotassem de vez feito capim, feito grama, para em ato de rebeldia serem pisadas. Digo pisadas e o meu coração é que se pisa. Digo pisadas e o primeiro sumo, a água que sai dessas flores vem do raso dos meus olhos.

Essas flores não são da beleza de ser vista. Elas são da beleza mais rara, daquela que guardamos tão bem que só matamos com a nossa própria morte. Porque imaginem como se chamam. Imaginem e compreenderão por que as letras afloram da terra. Elas se chamam Carinho de Mãe. Poderíamos ficar por aqui, mas alguma coisa ainda resta ser dita.

Quis o gênio e a vingança e a crueldade do povo de Pernambuco a essa flores chamar de Carinho de Mãe. E pior, quando escritas, dizê-las simplesmente assim, carinho de mãe. Nem com hífen, o que as deixaria como um substantivo à parte, nem com maiúsculas, para dessa forma melhor deixá-las na vala comum. Assim registradas, tudo nelas é falta. Falta-lhes graça, nobreza, luxo e, mais grave, falta-lhes dignidade. Mas nisso mesmo, nessa crueldade, nesse passo de despojamento, está o gênio. Pois assim é a fama do carinho das mulheres que abraçam o filho. A fama, digo e insisto, a fama. Sem nenhuma graça da mulher que o filho quer como puta ou amante. Sem nenhuma nobreza da companheira idealizada. Sem o luxo das cores das noites e noitadas de gala. Sem a dignidade das mulheres que desprezadas nunca mais voltam. Essa mulher vulgar, que surge e brota como essas flores comuns, possui em seu carinho o mesmo destino Elas enfeixam o buquê das outras, como cordão, como rede. Elas enfeitam, adornam a profusão de tons das flores maiúsculas. Das Rosas, mais vulgar e precisamente.

Mas o gênio desse povo também quer vingança. Num dia desses na feira, um desses homens sem memória do carinho, viu a um canto essas flores. Estranhas, múltiplas, muitas, pequenas, uma nuvem de petalazinhas brancas. Já as havia notado um dia, lembrava-se. Então perguntou à vendedora o nome. E ela, com estranheza diante de tão reles ignorância: - “Isso é carinho de mãe, o senhor não sabe?” Então o homem em seu coração teve um baque. Alheou-se da feira e olhou o mar. “Carinho de mãe...” . Olhou o mar e olhou o horizonte. Olhou a feira e não mais viu pessoas. Como nuvens de petalazinhas brancas sentiu em sua cabeça os dedos da mulher a quem amou, quando ainda lhe pedia o peito, no trem, nos bondes, no ônibus. E sentiu a sua mão gorda, e sentiu o seu leite farto, quente, de coragem e generoso, ele que na vida tem sido a negação de tais qualidades. E viu que as flores, sintomaticamente, se encontravam ao lado de frutas, de feijão, de carne, da água, à vista do mar e do sol. Então sentiu que esse carinho é fundamental, é essencial, como as coisas elementares do existir. E lhe deu, numa pancada, uma bruta falta.

Ninguém lhe notou o ato, ninguém o viu nas sombras da feira. Mas a um canto, cabisbaixo, passou a mastigar lenta, demorada e furtivamente essas flores. Pra não chorar, mastiga

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