Adelto Gonçalves é escritor, jornalista, professor e colaborador assíduo em publicações no Brasil e em Portugal, nomeadamente no As Artes entre As Letras. Doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre na área de Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana, nasceu em 1951, em Santos, São Paulo (Brasil). Recentemente foi convidado para assessor cultural e de imprensa do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, Rússia, e foi nessa qualidade que respondeu por e-mail (e por isso foi respeitada a ortografia brasileira) à entrevista que pretendeu entender melhor o papel do Centro na divulgação do Português naquele país e como é que Adelto Gonçalves entra na história do organismo russo.
Quantos autores de Língua Portuguesa estão traduzidos pelo Centro Lusófono Camões? E quantas obras?
Logo depois de sua fundação em 1999, o Centro Lusófono Camões, da Universidade Estatal Pedagógica Hertezen, de São Petersburgo, produziu uma edição eletrônica dos Sonetos de Camões, que teve prefácio da professora Maria Raquel de Andrade e contou com o apoio dos professores José Manuel Matias, Zélia Madeira, Rogério Nunes, Alexandra Pinho e Madalena Arroja, do Instituto Camões, de Lisboa. Desde então, publicou vários livros impressos, como o Guia de Conversação Russo-Portuguesa Contemporânea, Poesia Portuguesa Contemporânea (2004), que reúne poemas de 26 poetas portugueses traduzidos com participação de Helena Golubeva (como tradutora-tutora), e Vou-me embora de mim (2007), do poeta português Joaquim Pessoa, todos em edição russo-portuguesa. O Centro tem ainda preparado à espera de apoio financeiro para publicação um livro de contos do escritor português Gonçalo Tavares, que contou com a participação do próprio autor. Além do Instituto Camões, o Ministério da Cultura, o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, o Colégio Universitário Pio XII, a Universidade Clássica de Lisboa, a Universidade Internacional de Lisboa, a Universidade Lusófona e a Universidade de Aveiro são algumas das instituições culturais portuguesas que têm cooperado com o trabalho dos lusistas russos. De autores brasileiros, publicou, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e da Embaixada brasileira em Moscou, os livros Contos, em 2006, e Contos Escolhidos, em 2007, ambos de Machado de Assis (1839-1908), em edições bilíngues, que contam com prefácios de minha autoria. Até então, da obra de Machado de Assis só os romances Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro haviam sido traduzidos para o russo. Por enquanto, há outros projetos de lançamentos em edição bilíngue à espera de apoios financeiros de entidades culturais tanto de Portugal quanto do Brasil.
Como vê este interesse dos russos pela Língua Portuguesa?
É gratificante saber que há pessoas de outros países que admiram a nossa Língua a ponto de quererem estudá-la e aprendê-la. Por isso, é nossa obrigação estimulá-las e procurar oferecer melhores condições. Por enquanto, o Centro Lusófono Camões depende, praticamente, da colaboração do Instituto Camões, de Lisboa. Por isso, vamos procurar sensibilizar algumas instituições brasileiras, como a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia Brasileira de Filologia (Abrafil), a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ) e algumas editoras de grandes universidades brasileiras a colaborar com o Centro não só com a doação de livros de autores brasileiros e de crítica literária, mas com a assinatura de acordos de publicação de livros em edição bilingue russo-portuguesa.
O que significa mais para o maior e melhor conhecimento dos autores que escrevem em Língua Portuguesa, o contacto com a obra (traduzida) ou o conhecimento da língua?
Todos os autores escrevem com a esperança de que sejam lidos pelo maior número de pessoas. Não há autor que não se sinta realizado ao ver a sua obra traduzida em outro idioma. Por isso, as duas coisas são importantes. Para o leitor estrangeiro, a oportunidade de uma edição bilíngue é única, pois facilita o aprendizado. No Brasil, tenho recebido algumas consultas de pessoas interessadas em aprender o idioma russo e que gostariam de ter acesso às edições bilíngues do Centro Lusófono Camões. Por outro lado, durante minha visita a São Petersburgo, tomei a iniciativa de levar e doar vários exemplares da última edição brasileira do livro Gente Pobre (Taubaté-SP, Editora Letra Selvagem, 2011), de Dostoievski, por gentileza do editor Nicodemos Sena, que também é escritor. Com isso, os estudantes de português do Centro têm também a oportunidade de confrontar a tradução de Dostoievski para o português. Além disso, o Museu Dostoievski, de São Petersburgo, colocou um exemplar da edição brasileira de Gente Pobre em lugar especial para que seja visto pelos visitantes, que são dezenas todos os dias.
A cooperação entre o Centro Lusófono Camões e instituições portuguesas é essencial para o desenvolvimento do Centro? E não seria uma mais-valia que essa cooperação se alargasse a instituições de outros países lusófonos?
De fato, essa colaboração tem, praticamente, limitado-se ao apoio de instituições portuguesas. Por isso, estamos procurando sensibilizar a Academia Brasileira de Letras e outras instituições que participem dessa cooperação. Infelizmente, no Brasil, não existe ainda um organismo como o Instituto Camões, de Portugal, que financia a publicação de obras de autores portugueses no exterior. Tanto que foi a Embaixada do Brasil em Moscou que assumiu as despesas com a gráfica para a edição dos dois livros de Machado de Assis publicados pelo Centro Lusófono.
O que significou para si este convite? Em que consiste exactamente o seu cargo?
Na verdade, o meu cargo é apenas informal. Antes de mim, Dário Moreira de Castro Alves (1927-2010), que foi embaixador em Portugal de 1979 a 1983, sócio-honorário do Centro, fazia esse trabalho de divulgação, publicando artigos sobre as atividades da instituição em jornais e revistas do Brasil e Portugal. A pedido do professor Vadim Kopyl, diretor do Centro, estou procurando ajudar o Centro Lusófono Camões a difundir a Língua Portuguesa na Rússia. Além de professor universitário e jornalista profissional há 40 anos, sou escritor e resenhista de livros. Desde que voltei da Rússia, já escrevi recensões de todos os livros impressos publicados pelo Centro e as espalhei por jornais, revistas e sites do Brasil, de Portugal e dos países de expressão portuguesa, com o objetivo, em primeiro lugar, de tornar mais conhecido o trabalho do Centro. Além disso, sempre que o professor Kopyl quiser ou tiver alguma novidade a respeito do Centro, estarei pronto a transformá-la em notícia e distribuí-la para jornais, revistas e sites de expressão portuguesa. De minha parte, também tenho o interesse em que o meu livro Bocage: o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003) venha a ser traduzido e publicado em russo, mas isso depende também de quem financie a publicação. Já entrei em contato com o Instituto Camões e, na época adequada, vou submetê-lo à apreciação do órgão.
Traçou objectivos para o seu 'mandato'? Quais são?
Os meus objetivos resumem-se em auxiliar, na medida do possível, a difusão da Língua Portuguesa na Rússia. E a divulgar as atividades do Centro entre os países de expressão portuguesa. Para tanto, conto também com a ajuda de alguns intelectuais dos países africanos de expressão portuguesa, que têm contribuído para a divulgação das resenhas dos livros editados pelo Centro, entre eles Nataniel Ngomane, João Craveirinha e Josué Bila, de Moçambique, e o jornalista Timothy Bancroft-Hinchey, director e editor da edição em português do site do Pravda. Aliás, quem quiser ler as minhas recensões dos livros editados pelo Centro e demais informações sobre a entidade deve acessar o site http://port.pravda.ru Conto também com o apoio do As Artes entre As Letras.
Como é que o Centro Lusófono Camões está a lidar com o Acordo Ortográfico? Que grafia estava a ser seguida?
O Centro entende que os estudantes devem conhecer como era a ortografia antes do Acordo Ortográfico e como é a atual, recomendada também pelo Instituto Camões.
A propósito, tem uma posição sobre o assunto?
Sou francamente favorável ao Acordo Ortográfico e acredito que, desta vez, temos um acordo que tem tudo para dar certo. Precisamos entender que ninguém é dono da língua, ou seja, seus donos são seus usuários, vivam onde viverem. Somos mais de 230 milhões de indivíduos que se orgulham de se comunicar em português, entre os quais, mais de 180 milhões de brasileiros, além, naturalmente, de grande número de indivíduos que utilizam o idioma como segunda língua. Tendo dois sistemas ortográficos, o português não podia ser contado como língua de cultura tão amplamente expandida, pois a língua de cultura é representada por um padrão de língua escrita culta. Dessa forma, o Brasil ficava isolado dos outros sete países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que utilizam o sistema ortográfico de Portugal. O Brasil sentirá menos as mudanças porque elas ocorreram praticamente só na acentuação gráfica e na hifenização, enquanto os outros países tiveram de abrir mão de numerosas letras que só eram utilizadas por força da origem das palavras, sem qualquer amparo na pronúncia (ou na fonética). Portugal teve a grandeza de aceitar essas mudanças, pois, afinal, os brasileiros constituem quase 80% dessa população luso-falante - e, portanto, em tese, é compreensível que os restantes 20% se "sacrifiquem" mais. Por isso, é natural que Portugal e os demais países de expressão portuguesa sintam mais as mudanças. Além disso, nos países africanos e no Timor Leste é baixo o percentual daqueles que têm o português como primeira língua. Portanto, para quem ainda não tem o domínio da ortografia, com o novo sistema será mais fácil aprender o português do que com o anterior. Na relação internacional, é de ressaltar que teremos a nossa língua (unificada) oficializada na Organização das Nações Unidas, que hoje reconhece a Língua Portuguesa com as regras de escrita observadas só em Portugal e nos demais países de língua oficial portuguesa (Palops). Com a língua unificada, haverá ainda maior possibilidade de ampliar o Ensino a Distância (EAD) pelos sistemas virtuais. Ao mesmo tempo, haverá um significativo barateamento no custo das edições de livros, pois o mercado será ampliado tanto para as editoras do Brasil e de Portugal como também para as dos demais Palops. Também não serão necessários mais dicionários com verbetes na ortografia brasileira e ortografia portuguesa. Com o idioma unificado, será mais fácil àquela pessoa que não tem o português como língua materna aprender o nosso idioma e torná-lo a sua segunda língua.
Adelto Gonçalves
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