1966

Sempre tive vontade de viajar e conhecer outras civilizações, outros modos de encarar a vida, outros tipos de pessoas vivendo de modo diferente, outra filosofia de vida, outra língua, mas faltava um empurrão, e esse aconteceu em um calmo dia, quando escutando a musica “Gira mundo gira”, me animei e resolvi que no máximo até 1970, iria visitar a Europa.Por que a Europa?

Pensei um dia sobre o meu futuro, e como sou otimista, me via em uma grande fazenda recebendo os amigos, tendo 85 anos. Na minha fértil imaginação, escutava os comentários de diversos deles. Um dizia: “Paris está linda!”, outro “Londres está como antes, cheia de nevoeiro!” Um alemão passou a declarar que Berlin estava mais cosmopolita do que antes da 2a. Guerra Mundial!

Conclusão: fiquei muito interessado em conhecer essas cidades, mas com os meus 85 anos, não teria disposição necessária para empreender viagens ao exterior. Resolvi por isso viajar o mais rápido possível, antes mesmo de completar os 40 anos, a fim de poder usufruir melhor dos meus novos conhecimentos!

Mas, continuemos a falar de 1966 e a primeira vez que iria me ausentar do Brasil. A minha esposa já estava acostumada as minhas decisões repentinas de viajar.

Muitas vezes chegava em casa e dava-lhe meia hora para se preparar, seguindo depois para Raposo, estação de águas minerais, que fica entre Itaperuna e Muriae, ou seguindo para Brasília, onde vivia minha irmã Dalva.

Mas, agora era diferente! Viajaríamos para a Argentina, passando pelo Uruguai. Tinha comprado um WW novinho em folha por intermédio do Padre Antonio Lemos Barbosa, que era capitão capelão da Artilharia da Costa e também vigário da Igrejinha Nossa Senhora de Copacabana do Posto 6.

O carro permaneceria em seu nome, até eu pagar todas as prestações. A razão dessa minha narrativa, vocês verão mais tarde.

O meu filho era muito pequeno para compreender o que estava acontecendo, mas creio que sentia a tensão no ar. Saímos, como é do meu costume quando faço grandes viagens, bem cedo. O que para mim significa 5 horas da manha. A viagem, até São Paulo, correu muito bem.

De São Paulo para o Paraná, tivemos alguns problemas, com chuvas torrenciais, que ocorreram antes do tempo. Houve um deslizamento de terra exatamente quando passávamos por uma das estradas. Nunca esquecerei que foi só o meu carro passar quando pelo espelho retrovisor vi as pedras rolarem a apenas alguns metros da traseira dele!

Fizemos uma parada em Bruske, para visitar uma família alemã, amiga de minha mãe. O interessante foi, que as crianças conversavam com os pais só em alemão, por uma simples razão, de que não sabiam falar português.

A nossa viagem corria muito bem, o tempo estava bom e o sul é realmente muito lindo! Paramos em uma praia, onde pessoas andam de uma de jangada nos trilhos de trem: é uma espécie de península bem fininha, o vento bate na vela e lá vai a jangada-trem em direção ao mar! Muito original.

Chegamos finalmente, depois de passarmos pelo Lago dos Patos e Mirim a Chui, fronteira do Uruguai. Estávamos aproximando da fronteira e já víamos vários soldados armados de metralhadoras posicionando-se, a fim de nos esperar. Chegamos e fomos logo cercados por eles.

Um tenente me pediu os documentos do carro, logo que leu bateu continência e se dirigiu a mim como se eu fosse o Capitão Capelão da Artilharia da Costa, o Padre Antonio Lemos Barbosa. Eu então falei baixinho, para que ele não escutasse, caso tivesse futuro problema que me exigisse explicações: não é bem isso!

Logo os soldados abriram o cerco ao meu carro e o tenente foi correndo falar com o seu comandante e informa-lo que o capitão estava passando em direção ao Uruguai!

Creio que nessa época não era comum a passagem de oficiais brasileiros para o exterior, creio até que o comandante do posto pensou que era uma missão secreta ou coisa parecida, pois o meu atendimento foi VIP.

O comandante mandou chamar o chefe da aduana, que mais tarde vim a saber, era o cunhado do Gregório Fortunato, o guarda-costa do ex-presidente Getulio Vargas.

O homem era super simpático e agradável, quis saber se eu tinha os documentos necessários para entrar no Uruguai. Declarei que não tinha documento nenhum. Ele, sem mostrar nenhuma surpresa, pediu para acompanha-lo a pé até ao país vizinho.Quem conhece a fronteira do Chuí, sabe que de um lado da rua principal fica o Brasil e do outro lado o Uruguai.

Fomos direto para a Aduana Uruguaia onde ele manteve uma conversa um pouco reservada com o seu colega. Eu só consegui escutar quando perguntaram ao brasileiro o que as autoridades brasileiras achavam do caso, e se elas permitiam a minha passagem. A resposta foi de que não havia objeção a minha entrada no país deles. O representante do Uruguai respondeu que se para os brasileiros estava bem, para eles também. Como vocês podem ver é como se todas as nações latino-americanas, debaixo de ditadura militar se tivessem transformado em um só país.

Voltamos para a fronteira e o cunhado de Fortunato (não me lembro do nome) me recomendou um belíssimo hotel do lado Uruguai, para passar a noite.

Um fato que NUNCA irei esquecer é que os acontecimentos que estavam se desenrolando, mais à emoção de estar saindo do Brasil pela primeira vez em minha vida, me deram uma diarréia que não estava no “Gibi”. Foi daquelas!

Quando pensei que tudo estava OK, pois o chefe da aduana brasileira a mando do comandante do batalhão de fronteira tinha resolvido tudo com as autoridades uruguaias, veio mais um problema: meu carro só poderia entrar no Uruguai se eu depositasse uma quantia equivalente ao mesmo em um banco ou então um comerciante da cidade tinha que dar um documento se responsabilizando pelo retorno do meu carro ao Brasil. Essa segunda parte também foi resolvida pelo chefe da aduana brasileira.

Entrei assim, pela primeira vez em minha vida no Uruguai, com a ajuda indispensável dos militares de quem eu e o respectivo dono do carro éramos TOTALMENTE contrários.Foi muita coragem e cinismo de minha parte.

Passamos pela cidade de Rocha, depois de termos dormido no hotel, indicado pelo chefe da aduana. O hotel me fez lembrar do filme “ZORRO”, pois era exatamente igual a sua casa.

Seguíamos em direção de Punta Del Leste. No momento era realizada uma corrida de bicicletas com aglomerado de pessoas dos dois lados da estrada, o mais interessante foi que eles aplaudiam os ciclistas que passavam e eu declarava nessa hora a minha esposa e ao meu filho, brincando naturalmente, que as palmas eram para mim, ao mesmo tempo em que acenava para o povo em sinal de agradecimento.

Chamo a atenção para os que ainda não viajaram, especialmente para fora do Brasil, que nessa hora, qualquer cidade é digna de ser estudada e comparada com as que conhecemos, procurando ao mesmo tempo nos adaptar a língua do país, quando a entendemos, entrando assim no estado de espírito da viagem. Seguimos para Montevidéu onde ficamos hospedados em um hotel próximo do restaurante do “Titio”.Visitamos a cidade e aproveitamos para ir ao cinema, pois estava passando o filme com Bing Crosby “As sete maravilhas do mundo”, onde o Rio de Janeiro era uma delas.

O filme tinha uma cena com corrida de “troica”, três cavalos puxando um trenó no gelo, e meu filho que tinha só dois anos não resistiu à emoção e diversas vezes gritava encantado: “Que bonito! Que bonito! Que bonito!”

No restaurante do “Titio” comi o melhor filé Mignone de minha vida e me empanturrei de sorvete gigante, “tamanho família”.

Na volta, continuando minhas loucuras, comprei 20 livros vermelhos de Mao Tse Tung, que consegui passar sem problemas pela fronteira, pois o comandante e o chefe da aduana tinham se transformado em meus amigos.

Do Uruguai tomei um aerocraft para Buenos Aires, deixando o carro em um parking na cidade de Colônia Del Sacramento.Dei umas voltas pela cidade e retornei para Colônia ou seja, o parking onde tinha deixado o carro.Interessante é que nunca antes tinha viajado de aerocraft e se esse livro fosse escrito na época teria muito para acrescentar , mas agora acho ridículo.

Dormimos novamente em Montevidéu, não antes de ir novamente comer o inesquecível filé. No dia seguinte voltamos para o Brasil, e como já tinha programado mentalmente as inúmeras viagens que iria realizar, resolvi não escrever mais sobre passagens em território nacional. Por esse motivo, considero terminada essa pequeníssima viagem, mas que muito me serviu, como aperitivo de maravilhosas viagens que realizaria no futuro.

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