Os dez anos de crise - ganhadores e perdedores
Dez anos depois, as medidas neoliberais, a única coisa que apresentam é um sistema financeiro frágil e uma nova bolha especulativa em crescimento; e o aumento do consagrado PIB mantém-se anémico baseado em salários baixos e no desempenho chinês. Os keynesianos também não brilham como alternativa.
As classes políticas cumprem as ordens de continuidade da mansidão da plebe, alimentando nacionalismos, xenofobias e, em breve assumidos fascismos; beneficiando da ausência de um pensamento atualizado de esquerda.
Nos EUA, Trump propôs a passagem do orçamento de defesa de $582000 M para $636000 M mas, o Senado achou pouco e aumentou para $696000 M, com as únicas recusas a partirem de Bernie Sanders e quatro democratas. Onde serão as próximas guerras?
O planeta torna-se um local perigoso para se viver. Onde está a alternativa?
1 - Quem mantém o sistema financeiro à tona?
Em agosto de 2007 ficou claro que os créditos hipotecários subprime, com taxas de juro inicialmente baixas - lançados como medida de suplantar a crise surgida do afundamento dos dotcom em 2001 e dos atentados de 11 de setembro do mesmo ano - estavam a gerar uma bolha imobiliária que se esfumou quando surgiu, na sua base, um grande número de famílias insolventes. Como esses créditos haviam sido titularizados, isto é, incorporados em sucessivas emissões de títulos, aos seus titulares restavam duas opções: vendê-los com prejuízo ou mantê-los em carteira, sob o risco de um prejuízo superior.
Assim, a recessão não se ancorou numa quebra da procura. À data, o gasto público era crescente na maior parte das economias e até os beneficiários dos subprimes viam os seus salários crescerem e a suscitarem tentações de maior consumo. Porém, ainda em 2006, nos EUA, houve uma queda dos lucros como resultado de uma acumulação excessiva de capital - não havia pão para tanto chouriço, como se diz em Espanha; e, num contexto de baixa rendabilidade, o investimento não tem atrativos, sobrando daí impactos negativos na chamada "economia real", na procura, no emprego e nos rendimentos. Isso afetou, de imediato, uma larga camada de trabalhadores pobres, a quem havia sido incutida a ideia de que os seus imóveis, em valorização, lhes permitiriam garantir um maior endividamento... carro novo, obras na casa, viagens... A crise financeira que entretanto se havia desencadeado contraiu o crédito, parou projetos de investimento, gerou desemprego e, só então, essa enorme massa de gente, arruinada, reduziu drasticamente o seu consumo.
Como o sistema financeiro é uma amálgama única, sem fronteiras, o contágio aos bancos europeus foi imediato, fazendo ruir também as bolhas imobiliárias europeias, com a paragem de pagamentos aos bancos. Estes, com a acumulação de créditos concedidos sem reembolso, ainda em agosto de 2007, recorreram ao prestimoso BCE, pensando que se tratasse de uma simples crise de liquidez, tivesse inundado o chamado mercado, colocando à disposição dos bancos € 203700 M; o que comparado com os atuais € 30000 M mensais do conta-gotas do Draghi é uma enormidade. Entretanto, nos EUA, o FED absorveu $ 600000 M em títulos em novembro de 2008, $ 750000 em março do ano seguinte, bem como procedeu a uma emissão de $ 300000 M de títulos do Tesouro, para além de colocação de dinheiro no mercado a taxas próximas de 0% em outubro de 2008, a que se seguiram outras ações. O Banco de Inglaterra, por seu turno, iniciou intervenções idênticas em 2009, com £ 165000 M, no ano seguinte adicionados com mais £ 175000 M, para além de outras ações posteriores.
Apesar de tão valioso esforço, o imobiliário em construção deixou de ter financiamento bancário, os construtores faliram, aumentando o malparado nos bancos e despedindo em massa. Entre os milhões de desempregados e de trabalhadores com salários reduzidos, houve muitos casos de incapacidade de pagamento de prestações da habitação (e de créditos para consumo), daí resultando despejos e grandes incrementos nos gastos públicos e das seguranças sociais em subsídios de desemprego e outros apoios sociais; para além dos destrutivos efeitos psicológicos e na auto-estima dos atingidos.
Na Europa, os sorumbáticos avatares de Bruxelas ou Frankfurt exigiram... apoios aos infelizes banqueiros[1] e compressão nos gastos sociais, bem como privatizações em massa para combater os... deficits públicos dali resultantes; por um lado, nada desse menu levanta dúvidas a um neoliberal e, por outro, sendo o mesmo claramente anti-social, fica demonstrada à saciedade a quem servem e para que servem as classes políticas.
Também para colmatar os desequilíbrios nas contas, os Estados aumentaram o recurso a emissões de dívida pública, que o capital financeiro rapidamente subscreveu, uma vez que os Estados não vão à falência e aqueles títulos servem de garantia para o recurso dos bancos ao financiamento junto do BCE, no caso da zona euro. Por seu turno, as agências de rating, no seu elevado saber, mostram-se avaros na recomendação dos títulos públicos, o que favorece a exigência de taxas de juro elevadas, como convém ao sistema financeiro em dificuldades; embora não interesse aos Estados... em dificuldades.
Toda esta utilização dos Estados para transferirem recursos da população para o sistema financeiro e para o capital, em geral, faz parte de uma trama bem urdida que desenvolvemos há pouco tempo[2], em que estão comprometidos os partidos de direita, com vocação governativa, bem como os da dita esquerda que pedem humildemente reestruturações de dívida, como se se estivesse numa relação comercial típica; recusando, portanto, colocar em causa toda a lógica do capital e a punção permanente, em geral exercida sobre os povos, para a captura destes através dos aparelhos de estado.
Segundo os neoliberais o Estado é culpado de absorver os recursos que faltam aos investidores para fomentarem o relançamento da procura, o que constitui apenas propaganda justificativa das políticas de compressão de gastos sociais e concentração de capitais e rendimentos nos mais ricos.
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