Nota de repúdio ao Decreto Presidencial que extingue a RENCA

Nota de repúdio ao Decreto Presidencial que extingue a RENCA 

Ouvimos o grito da terra e o grito dos pobres

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), ligada ao Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), e no Brasil organismo vinculado àConferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB, por meio de sua Presidência, unida à IgrejaCatólica da Pan-Amazônia e à sociedade brasileira, em especial aos povos das Terras Indígenas Waãpi e Rio Paru D'Este, vem a público repudiar o anúncioantidemocrático do Decreto Presidencial, altamente danoso,   que extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (RENCA) na última quarta-feira (23).

A RENCA é uma área de reserva, na Amazônia, com 46.450 km2 - tamanho do território da Dinamarca. A região engloba nove áreas protegidas, sendo três delas de proteção integral: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica doJari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d'Este. A abertura da área para aexploração mineral de cobre, ouro, diamante, ferro, nióbio, entre outros, aumentará o desmatamento, a perda irreparável da biodiversidade e os impactos negativos contra os povos de toda a região.

O Decreto de extinção da RENCA vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenasempresas interessadas em explorar a região. Nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da ConstituiçãoFederal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional  do  Trabalho  (OIT). O  Governo  cede  aos  grandes  empresários  da mineração  que solicitam há anossua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas.

Ao contrário do que afirma o Governo em nota, ao abrir a região para o setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das unidades deconservação e muito menos das terras indígenas - que serão diretamente atingidas de forma violenta e irreversível. Basta observar o rastro de destruição que as mineradorasbrasileiras e estrangeiras têm deixado na Amazônia nas últimas  décadas:  desmatamento,  poluição,  comprometimento  dos  recursos  hídricos  pelo  alto consumo de águapara a mineração e sua contaminação com substâncias químicas, aumento de violência, droga  e prostituição,  acirramento  dos  conflitos  pela terra,  agressãodescontrolada  às culturas  e modos  de vida das  comunidades  indígenas  e tradicionais,  com  grandes  isenções  de impostos, mas mínimos benefícios para as populações da região.

 

Riscos ambientais e sociais incalculáveis ameaçam o "pulmão do Planeta repleto de biodiversidade" que é a Amazônia, como nos lembra Papa Francisco na cartaencíclica Laudato Si, alertando que "há propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais" (LS 38). Apolítica não deve submeter-se à economia e aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia, pois a prioridade deverá ser sempre a vida, a dignidade da pessoa e ocuidado com a Casa Comum, a Mãe Terra. Em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 9 de julho de 2015, o papa Francisco não hesitou em proclamar: "digamos não a umaeconomia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a mãe terra".

 

Na LS, o papa Francisco alerta ainda que "o drama de uma política focalizada nos resultados imediatos (...) torna necessário produzir crescimento a curto prazo" (LS178).

Ao contrário, para ele "no debate, devem ter lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seusfilhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato" (LS 183).

A extinção da Renca representa uma ameaça política para o Brasil inteiro, impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação, e abrindoespaço para que outras pautas  sejam  flexibilizadas,  como  a  autorização  para  exploração  mineral  em  terras  indígenas, proibida pelo atual Código Mineral.

Por todos esses motivos, nos unimos às Dioceses locais do Amapá e de Santarém, aos ambientalistas e à parcela da sociedade que, por meio de manifestações nasredes sociais e de abaixo-assinados, pedem a imediata sustação do Decreto Presidencial que extingue a Reserva.

Convocamos as senhoras e os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais.

Não nos resignemos à degradação humana e ambiental! Unamos esforços em favor da vida dos povos que vivem no bioma amazônico. O futuro das gerações vindouras está em nossas mãos!

Que Deus nos anime no mais fundo de nossos corações e nos ilumine e confirme na busca da tão sonhada Terra Sem Males.

Dom Claudio Cardeal Hummes

Presidente da REPAM e da Comissão Episcopal para a Amazônia

Dom Erwin Krautler

Presidente da REPAM-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia

 

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