Venezuela: reforma social, guerra civil ou revolução

Está em curso na Venezuela algo que está para lá do clássico enfrentamento entre a esquerda e a direita, mas que se trata obviamente de um grave fenómeno de natureza social. Com a benção do Padre Jesuíta Numa Molina, a nova Assembleia Constituinte reuniu-se hoje em Caracas para proceder a alterações profundas da Constituição. Li com atenção a Constituição em vigor e lá está, com efeito, nos artigos 340, 341 e 343, a faculdade que assiste ao presidente em exercício convocar por solicitação de 115 deputados da Assembleia Nacional a eleição de um corpo de deputados com a finalidade de desencadear reformas constitucionais.

Assisto às intervenções e vejo que aquele meio milhar de deputados pertence a um tipo de venezuelano que não fazia parte, pelo menos até aos anos 90, da elite política dirigente do Estado. Mestiços, muitos mestiços, índios, negros e toda a variante de mesclas dominam a assembleia. Dir-se-ia que aquela gente estivera escondida atrás do palco durante séculos e que, subitamente, com o ascenso de Hugo Chávez, ganhou protagonismo e visibilidade. É evidente que quem tem acesso ao protagonismo, não cede e manter-se-á no poder. Os pobres venezuelanos já não saem do palco.

Trata-se, indiscutivelmente, de uma luta de classes, conflito que não é ainda uma guerra civil, mas que para lá poderá caminhar, caso as duas partes não consigam encontrar as bases para o diálogo. É sabido que sociedades autoritárias e marcadas por grande desigualdade engendram regimes políticos autoritários. Contudo, o actual governo da "revolução bolivariana" faz finca pé na igualdade e, como detém a força das armas, exerce um crescente autoritarismo que diz exprimir a vontade da maioria. Daí que este revolucionarismo - que ainda não é uma ditadura - se exprima de forma nacionalista. Entre os discursos que hoje ouvi e aqueles que Robespierre pronunciava na Convenção Nacional, poucas diferenças haverá, salvo os de pormenor geográfico e histórico.

Assim, para a chamada oposição, parece não haver outra solução que a de aceitar uma reforma social profunda, pois a alternativa seria uma guerra civil que não poderia ganhar e, logo a instauração de um regime revolucionário. O pior que poderia acontecer seria uma intervenção estrangeira, pois, lembramos, foi uma intervenção estrangeira que salvou a Revolução Francesa.

Miguel Castelo Branco

 

Fonte: tiremasmaosdavenezuela.com

 

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