A falsidade da verdade e da memória pelo poder constituído
No discurso de nosso comandante Timoleón Jiménez no ato público da firma do Acordo de Paz na cidade de Cartagena, invocou o perdão das pessoas que por ações das FARC-EP entraram na longa lista de vítimas do conflito
A luta pela verdade e a memória histórica do conflito e suas vítimas não cessa; nesta disputa existe uma poderosa necessidade desde as próprias vítimas por legitimar sua condição e reivindicar do Estado o direito à Verdade como inseparável de seus direitos à Justiça, à Reparação e à Não Repetição. É impensável que a garantia e materialização integral destes direitos sejam possíveis se não se lhes reconhece às vítimas sua condição e se esclarecem publicamente as causas e as responsabilidades históricas no desenvolvimento do conflito armado em Colômbia.
Até agora não se conhece pronunciamentos do governo nacional nos quais se reconheça a responsabilidade do Estado nas violações aos direitos humanos no marco da confrontação armada, com exceção das vezes em que foi obrigado a fazê-lo por exigência do Conselho de Estado como no caso do assassinato de Jaime Garzón e de organismos internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da tomada do Palácio de Justiça e do assassinato do congressista pela União Patriótica Manuel Cepeda Vargas.
No discurso de nosso comandante Timoleón Jiménez no ato público da firma do Acordo de Paz na cidade de Cartagena, invocou o perdão das pessoas que por ações das FARC-EP entraram na longa lista de vítimas do conflito. O governo, por sua parte, omitiu se referir ao tema. O fato não é casual. No fundo ocorre uma premeditada omissão de responsabilidade encaminhada a justificar o injustificável: a responsabilidade do poder constituído com o conflito e suas vítimas.
A recente expedição do Decreto 502 de 2017, por meio do qual se integra ao Ministério de Defesa no Conselho Diretivo do Centro Nacional de Memória Histórica [CNMH], expressa a intenção de desconhecer por parte do governo nacional a responsabilidade do Estado através de suas forças militares e demais organismos de segurança. Por sua vez, este fato evidencia o grau de parcialidade e a falta de autonomia do CNMH para cumprir com seu mandato de contribuir com o esclarecimento histórico e o dever de memória do Estado como forma de reparação e direito à verdad e das vítimas e da sociedade em seu conjunto.
A centralidade das vítimas na construção da memória histórica por parte do CNHM ficou em questão. Envolver no Conselho diretivo desse Centro um ator tão comprometido em crimes de guerra e lesa-humanidade que, mais além de combater as guerrilhas, tem sido responsável durante décadas pela dramática vitimização, sob a orientação ideológica do "inimigo interno", como qualificaram a todos os atores de oposição ao poder historicamente constituído, desdiz de sua missão institucional de construção da Paz, Democratização e Reconciliação.
Com o propósito de legitimar as atuações dos organismos de segurança do status quo no marco do conflito armado e de ocultar a responsabilidade do Estado com a guerra e suas consequências, o Ministério de Defensa criou no interior das Forças Militares o Centro de Investigação em Conflito e Memória Histórica Militar [CICMHM]. Estes estudos, mais que conduzir ao esclarecimento da verdade e a construir memória histórica sobre o conflito armado, buscam torcer o pescoço de ambas e significa uma verdadeira afronta às vítimas. O que explica o difícil que foi a composição da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas no marco dos diálogos de paz de Havana.
As FARC, em seu compromisso com os direitos das vítimas no país, nos sentimos no dever de denunciar esta afronta às vítimas porquanto conduz à impunidade. Com o governo coincidimos que em matéria de justiça o acordo não pretendia um pacto de impunidades, esse enunciado se deve respeitar. O ético e legítimo é contribuir para que o Sistema de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição cumpra seu cometido sem atravessar uma verdade construída desde os interesses do regime para instalar na opinião pública matrizes distorcidas e revitimizantes.
A expedição do Decreto presidencial 502 de 2017, ademais de legitimar os crimes de Estado, implica o desconhecimento mesmo de sua obrigação constitucional com o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Os chamados alvos legítimos do Estado e de sua guerra suja constituem crimes de guerra e de lesa-humanidade. Pretender legitimar esses crimes constrange normas do Direito Internacional, enraízam a dor das vítimas e não contribuem para a paz e a reconciliação.
Com este tipo de medidas, o governo da Colômbia antepõe seus interesses ao interesse majoritário pela paz. Na realidade é muito contraditório na implementação dos acordos de paz: implementa políticas na contramão ao acordado em Havana, como esta, a que fazemos referência, e o projeto de lei que o governo promove no Congresso pretendendo entregar as terras recuperadas por extinção de domínio às Forças Militares, quando no acordo de Reforma Rural Integral se estabeleceu sua transferência ao Fundo de Terras. A sociedade deve pôr toda sua atenção às atuações do Governo Nacional, em razão de que não joga limpo ao acordado e isto poderia levar o país a deixar abertas as feridas da guerra.
Escrito por Rubén Zamora
Fonte: farc-ep.co
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