Um conclave tergiverso

Quando o recém-eleito Joseph Ratzinger escolheu ser chamado de Bento XVI, justificou ao colégio cardinalício ter buscado inspiração no pontificado do Bento anterior, o XV: curto, doloroso e profícuo, especialmente dedicado à reforma administrativa da Igreja Católica ante o borbulhar de um novo século. Interessante coincidência (será mesmo?!), o alemão Ratzinger e o italiano Giacomo Della Chiesa tiveram papados de modestos oito anos, infrutíferos em seus objetivos primordiais, de dolorosa pressão interna e mergulhados em abstrata intelectualidade teológica.

 

Bento XV morreu e suas diversas tentativas frustradas de negociar a paz durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), além de sua gestão administrativa e espiritual (entre 1914 e 1922), foram esquecidas pela História. Sagaz e extremamente inteligente, Bento XVI reconheceu, desde sua entronização, que poderia ter mesmo fim: o esquecimento. De forma cirúrgica, confrontou seu maior inimigo e sacodiu o mundo com o anúncio de sua renúncia na segunda-feira de Carnaval, algo que não acontecia há seis séculos. Outrora sisudo e pouco simpático, Bento XVI ganhou imensa popularidade com seu ato final e escreveu, em definitivo, seu nome e seu pontificado na História do mundo contemporâneo.

 

Ainda há quem se iluda com o caráter puramente espiritual na escolha de um Sumo Pontífice e nas ações e decisões de seu papado. A própria História derruba esse mito. Chefiar a Igreja Católica e seus bilhões de fieis espalhados pelos quatro cantos do planeta é, certamente, uma tarefa árdua, mas que imbui um ser humano de imensurável poder. Ademais, não podemos esquecer que, antes de qualquer coisa, o Papa é um ser humano e, portanto, sensível e vulnerável às tentações do poderio, para bem ou para mal, pecador ou não.

 

Justo por isso, o próximo conclave merece especial destaque e observação e não apenas dos católicos. Em tempos de explosão horizontal da informação a da exposição sombria das piores entranhas humanas, políticas e financeiras da Igreja Católica e todas as mazelas e dogmas anacrônicos que pulverizam suas bases, a eleição do novo Papa irá apontar a proposta de norte ao maior poder instituído e em vigor há mais de dois milênios sob a face da Terra.

 

Resguardadas as unções divinas, o sucessor de Bento XVI e a "política" a ser adotada, ao contrário do que muitos imaginam, não será revelada pelo perfil geográfico da escolha. Muito provavelmente a chefia da Igreja, 34 anos depois, voltará às mãos de um italiano. Ouso mais: parece-me cada dia mais evidente que o próximo Papa, a despeito de seus 85 anos de idade, será Angelo Sodano, decano do colégio cardinalício. Salvo engano, teremos outro Papa de Transição. Um pontificado curto o suficiente para dar tempo de respiração ao Vaticano, abalado por recentes escândalos de toda ordem e sacudido com a renúncia de Joseph Ratzinger.

 

Dessa forma, o nome adotado pelo próximo Papa será determinante. Fica a dica: observemos à miúde os pontificados de Clemente XIV, o rigoroso; Leão XIII e suas encíclicas sociais; Pio XII, tão injustamente criticado por seu silêncio durante a Segunda Guerra Mundial e que também foi secretário de Estado, como Angelo Sodano; Paulo VI, o polêmico mariano; João XXIII, chamado de "Papa da Bondade"; e João Paulo II, um extraordinário comunicador e peregrino. O sucessor de Bento XVI deve adotar, por observação histórica, um desses nomes: Clemente XVLeão XIVPio XIIIJoão XXIVPaulo VII ou João Paulo III. Arrisco-me a dizer que, caso Angelo Sodano seja eleito, seu nome será Papa João XXIV ou Paulo VII.

 

Essa nomenclatura, quase às raias da heráldica, definirá os caminhos. Mas vale ressaltar: a transcendência e a força da contrição são dignas de verdadeira emoção. A fé, sob muitos aspectos, é tocante. O problema é como e por que fazemos uso dela.

 

Eis que, antes do fim, o helicóptero conduzindo pela última vez Joseph Ratzinger no papel de Sua Santidade, o Papa Bento XVI, realizou um voo panorâmico sobre o Vaticano e a Basílica de São Pedro e fez, propositalmente, dois rasantes: um sobre o Coliseu de Roma e outro, em baixíssima altitude e quase tocando o solo, sobre o Aeroporto Internacional Leonardo da Vinci. Melhores mensagens subliminares seriam impossíveis. O recado foi dado e o conclave promete ser absolutamente tergiverso, ainda que sem surpresas. Quem diria, não foi o popular e moderno João Paulo II e sim o conservador Bento XVI quem trouxe a Igreja Católica para o Século XXI.

 

HELDER CALDEIRA*

Escritor, Jornalista a Apresentador de TV

www.ipolitica.com.br - [email protected]

*Autor de "A 1ª PRESIDENTA" (Editora Faces, 2011, 240 páginas) e Jornalista e Comentarista Político da REDE RECORD, onde apresenta o "iPOLÍTICA". Acaba de lançar seu primeiro romance de ficção: "ÁGUAS TURVAS" (Editora Faces, 2012, 278 páginas), que já é considerado pela crítica especializada e pelos leitores como "o best seller de 2013", "o livro do ano".

 

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