Por Lejeune Mirhan
Al Zaide é jovem mesmo. Tem apenas 29 anos. Foi, ainda sob o governo de Saddam Hussein, presidente de uma entidade estudantil. Segundo a emissora Al Jazeera, é membro do partido Comunista Iraquiano. Tem muitos irmãos e alguns deles mortos em combate na resistência contra a ocupação do Iraque por tropas estrangeiras desde 2003. Zaide é jornalista da emissora de TV Al Baghdadiya (cuja central fica no Cairo). Todas as reportagens da TV que ele faz na cidade de Bagdá ele conclui, dizendo, da Bagdá ocupada. A própria emissora que o emprega exigiu a sua imediata libertação, assim como o Sindicato dos Jornalistas do Iraque.
Al Zaide virou instantaneamente um herói nacional. E usou a sua arma mais potente, tanto física como simbólica: seus sapatos de sola de borracha pesados. Foi ficando cada vez mais irritado com a entrevista coletiva que Bush vinha dando, com suas mentiras habituais, ao lado do primeiro Ministro fantoche do Iraque, Nuri Al Maliki. Num determinado momento, decidiu arremessar os seus dois sapatos contra Bush. A catatonia dos presentes e mesmo da segurança presidencial foi tamanha, que ele conseguiu inclusive tempo para atirar o segundo sapato.
A frase que ele proferiu, gravada ao vivo por todas as emissoras presentes foi: É o seu beijo de despedida do povo iraquiano, seu cachorro. Isso é pelas viúvas, órfãos e pelos que foram mortos no Iraque. E não precisava dizer mais nada. Al Zaide mostrava-se ao mundo como o vingador dos mais de 200 mil iraquianos mortos, representava o sentimento de uma nação destruída, desmontada, aviltada, vendida, entregue à sanha imperialista e com quase toda a sua infra-estrutura destruída e vendida ao setor privado (doadas, na verdade).
Sua fama foi instantânea. Foi saudado no mundo inteiro. Passeatas saíram às ruas para exigir a sua imediata libertação. Circulou a informação de que um empresário saudita estaria oferecendo dez milhões de dólares por um dos sapatos que foram arremessados contra Bush. A foto de Al Zaide não saia de todas as TVs árabes e os jornais americanos publicaram o sapato voador passando rente à cabeça de Bush.
Claro, os americanos procuraram minimizar o fato, dizendo que o mesmo não tinha importância alguma e que o jornalista não agiu em nome de nenhuma organização e não expressava a vontade do povo. Pura balela. Só se falava do ato de bravura praticado por um árabe contra o chefe do império mais odiado da história.
Os policiais que o prenderam, o espancaram brutalmente. Seu irmão, Maitham Al Zaide, afirma que diversas de suas costelas foram quebradas e seu olho foi atingido por coronhadas de fuzil. Continua preso sem que nenhuma acusação lhe tenha sido feita e que nenhum comunicado tivesse sido enviado formalmente à justiça por sua detenção. Fala-se que poderia pegar de sete até quinze anos de cadeia por ter tentado agredir chefe de estado estrangeiro em visita ao Iraque.
Imediatamente, uma rede de advogados formou-se para defendê-lo e exigir a sua libertação. A imprensa noticiou mais de cem advogados dispostos a prestar seus serviços gratuitamente para que ele possa ser libertado. O chefe da defesa de Saddam Hussein, Dr. Jalil Al Duleimi, será o provável defensor central de Al Zaide. Ainda continua sem nenhum contato tanto com seus familiares, como amigos e advogados, num claro desrespeito às tais normas mínimas de direitos humanos que os Estados Unidos tanto, e hipocritamente, pregam pelo mundo afora sem respeitá-las em lugar nenhum onde têm hegemonia.
* Artigo originalmente publicado no site www.vermelho.org.br . Clique aqui e leia na íntegra o texto, incluindo a segunda parte, A simbologia do sapato
Lejeune Mirhan, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da International Sociological Association
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