Marcelo D2: "Rio de Janeiro está sob genocídio"
Rapper critica a banalização da morte diante da justificativa do combate às drogas e fala sobre o papel social do movimento hip-hop.
Foto: RBA
As 51 anos, Marcelo Maldonado Peixoto, o Marcelo D2, não abandona a luta. Autodenominado como o "terror dos fascistas", o rapper carioca se coloca na resistência contra as gestões de Jair Bolsonaro (PSL), Wilson Witzel (PSC) e Marcelo Crivella (PRB), contra retrocessos e em busca de transformações positivas na sociedade.
O número de assassinatos por policiais nos primeiros oito meses de 2019 é o maior de todos os tempos no Rio de Janeiro. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado, 1.249 casos foram registrados entre janeiro e agosto, resultando em cinco mortes por dia. Ao se deparar com os dados, Marcelo diz que não há guerra no Rio, mas um genocídio patrocinado pelo governador Wilson Witzel.
"Temos 16 crianças baleadas no Rio de Janeiro, em só oito meses, mas as pessoas dizem que é um fato isolado? Como assim? São 16 crianças baleadas, porra. O Rio de Janeiro não está em guerra, ele está sob o genocídio. São mais de mil pessoas mortas pela polícia, isso não está certo. Ninguém dá valor para a vida. É um governo fascista que tenta exterminar uma população", criticou ele, ao se indignar com o assassinato da menina Ágatha, na semana passada.
D2 é certeiro: há uma balização da vida negra e periférica, sob o argumento da guerra às drogas e o combate ao crime organizado. Ao longo dos seus 25 anos de carreira, o rapper defendeu em suas letras a legalização da maconha. "Eu falo disso há tanto tempo que é um absurdo continuar explicando", brinca. A militância no tema resultou em prisão, em 1997, enquanto integrante do grupo de hardcore Planet Hemp. Após um show da banda, o grupo foi detido por "cantar músicas de apologia ao uso da maconha", segundo a Polícia Civil do Distrito Federal, na época.
"Essa guerra às drogas é mentirosa pra caralho. Quem diz que a guerra é contra as drogas está tentando colocar um pano sobre o fascismo e o racismo", diz D2. Em 2016, ele esteve com o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, que legalizou a maconha no país. Para o artista, é possível aplicar essa política no Brasil. "A gente só tem que se preocupar como as grandes corporações vão se aproveitar disso, assim como fazem com o álcool, além da saúde. É sério que precisa de tanto tiro para o cara não fumar um baseado? É uma mentira essa discussão. Quem é contra, não é sincero nesse debate", acrescenta.
Presente no Twitter, o rapper se coloca como um dos opositores do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo dos dias, é possível ver Marcelo D2 debatendo e criticando o mandatário brasileiro e seus apoiadores. Nascido em 1967, período da ditadura civil-militar, ele se assusta com o "fascismo tupiniquim", mas se diz entristecido com o retrocesso que o país teve.
"A gente conquistou tantas pautas interessantes nos últimos anos, que poderíamos levar ainda mais para frente, mas agora mudou. Estive conversando com o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) e ele chegou lá, na Câmara, mas não pode construir nada, apenas defender as maçãs para não cair. Esse governo só serve para atacar, não para construir. A gente vive um momento triste, onde poderíamos dar passos para frente", lamentou.
Leia a entrevista na íntegra:
O Planet Hemp é uma das poucas bandas que tomou posicionamento político desde o começo da trajetória. Na última eleição, muita gente do rock fechou com Bolsonaro ou ficou sobre o muro. Como você vê esse conservadorismo dentro do rock?
É inacreditável um cara se propor a fazer rock, na juventude, e se tornar um conservador. É a falta de diálogo e o desrespeito com o próximo. Se ele quer fazer uma família tradicional, é o direito dele, mas respeita o direito de quem não quer. Esse conservadorismo é assustador, porque querem impor isso às pessoas.
A gente passa por um momento assustador. É um momento de imposição, que nem uso a palavra conservadorismo. É um fascismo. Essa ideia do ser superior é coisa do homem branco, hétero, de classe média. Não pode. Já passamos por isso no passado. Agora, você tem que aceitar o outro.
É um momento de pós-verdade que as pessoas negam tudo. Temos 16 crianças baleadas no Rio de Janeiro, em só oito meses, mas as pessoas dizem que é um fato isolado? Como assim? São 16 crianças baleadas. O Rio de Janeiro não está em guerra; está sob o genocídio. São mais de mil pessoas mortas pela polícia, isso não está certo. Ninguém dá valor para a vida. É um governo fascista que tenta exterminar uma população.
O brasileiro banalizou a morte frente a guerra às drogas?
É uma forma de banalizar a vida negra e da periferia. Quando você pega um jovem branco com 500 balas de ecstasy, dizem que ele sofreu desvio de conduta. Agora, um negro com 20 gramas de cocaína é um traficante.
Essa guerra às drogas é mentirosa pra caralho. Quem diz que a guerra é contra as drogas está tentando colocar um pano sobre o fascismo e o racismo.
Você esteve com o Pepe Mujica, em 2016, e viu de perto a legalização no Uruguai. É possível aplicar isso no Brasil?
Claro que é. A gente tem que se preocupar como as grandes corporações vão se aproveitar disso, assim como fazem com o álcool, além da saúde. O governo da Califórnia tirou o pé da lama com a legalização da cannabis. Eu falo disso há tanto tempo que é um absurdo, 25 anos depois, continuar explicando isso. É sério que precisa de tanto tiro para o cara não fumar um baseado? É uma mentira essa discussão, quem é contra não é sincero nesse debate.
Em seu novo disco Amar é para os Fortes, você narra o caos e a violência carioca, assim como faz desde o início do Planet Hemp. Você acha que o Rio de Janeiro retrocedeu, principalmente por ter um governador com uma política de genocídio escancarada?
Eu falo de milícia há 15 anos: "De um lado o bandido, do outro a política. Agora já era, tá na mão da milícia" - rima da música Pode Acreditar. A gente retrocedeu com Crivella e Witzel. O Rio de Janeiro nunca foi bom de política, o carioca vota mal e entra num ciclo vicioso. Você arma uma cidade violenta e faz bravata que vai acabar com aquilo. É o mesmo papo há anos. Falta a população votar em quem realmente representa, não quem diz que vai te defender, porque vai defender nada.
Você nasceu no começo da ditadura e viveu toda a repressão. Hoje vê o Brasil num processo de ruptura democrática, desde o impeachment de Dilma Rousseff, e a implementação de um Estado fascista. A conjuntura atual é mais perigosa?
Assustar não é a palavra, mas me entristece. A gente conquistou tantas pautas interessantes nos últimos anos, que poderíamos levar ainda mais para frente. Mas agora mudou. Estive conversando com o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) e ele chegou lá, na Câmara, mas não pode construir nada, apenas defender as maçãs para não cair. Esse governo só serve para atacar, não para construir. A gente vive um momento triste, onde poderíamos dar passos para frente.
Estamos num país de famílias, algumas controlam a mídia, outras os bancos. Eles só querem manter seus filhos nisso, e o Bolsonaro faz o mesmo. Não fico com medo, pois vamos passar por isso, mas me entristece, já que vamos gerar mais mortes, mais pobreza.
Nesse desespero todo, com a violência e desemprego, vieram muitos políticos oportunistas com o discurso de "acabar com os marginais", mas esses marginais somos nós, na visão deles. Eles miram em nós, querendo que rezemos para o deus deles. O povo precisa de consciência de classe, não podemos defender mais os interesses do patrão, temos que defender o nosso. Uma reforma dessa da Previdência, ou as outras reformas, só passam porque não colocamos os nossos representantes como maioria.
Sobre a sua carreira: Depois de 25 anos de música, ter revolucionado com o Planet Hemp, prêmios conquistados e diversos álbuns lançados, como o Marcelo D2 observa a própria trajetória? Tem algo que mudaria?
O rap me salvou. Eu estava no começo dos 20 anos, tinha acabado de ter meu filho, Sain. Como moleque, sentia a falta de algo relevante para escrever. Nesses 25 anos, com 10 álbuns e uma porrada de prêmio, acho que escrevi a minha história, fiz bastante coisa relevante no mundo.
Se eu mudaria algo, acho que não. Tudo que fiz, as brigas, fizeram parte do que sou eu hoje. Se eu faria, hoje? Não, mas aos 20 anos, era normal fazer, com o desejo de mudança. Eu contribuí para o rap nacional e a música brasileira.
Qual foi a responsabilidade de fazer um álbum de releitura do Bezerra da Silva, em meio a tudo isso?
Ter gravado com o Bezerra foi uma tensão. O meu tom é parecido com o do Bezerra, então foi fácil refazer as músicas dele. Ele foi um pai para mim. Quando meu pai morreu, em 1998, após eu lançar meu primeiro disco solo, Eu Tiro É Onda, ele colocou a mão no meu ombro e disse: "Seu pai morreu, mas estou aqui".
Ele foi o cara que me introduziu no samba, mas tínhamos uma relação paternal. Bezerra da Silva foi uma das maiores importâncias para mim.
Em Amar é para os Fortes, você aborda a resistência cultural e tem participação do Gilberto Gil, um dos maiores expoentes da liberdade artística. Como a arte resiste, em meio ao conservadorismo e à censura?
A música brasileira se divide em duas partes: a arte e o entretenimento. O entretenimento é a fórmula de que música precisa ficar em mutação a cada 30 segundos, que serve como um comercial. Isso se aplica ao rap. Você pode vender milhões de discos, tocar em lugar pop, mas se perder sua essência, principalmente num movimento como o rap se propõe, sendo representativo. Entretanto, com o movimento fascista tupiniquim que vivemos, essa tendência diminuiu. Temos artistas no topo da cadeia alimentar do rap brasileiro representando bem, com Djonga, Bk', Baco Exu do Blues e Rincon Sapiência.
A gente passou por vários movimentos no mundo, como rock, o punk, o movimento hippie, que seguraram a onda. Temos um momento de extrema direita no mundo, que passa momentaneamente no Brasil, e hoje o rap é o único estilo musical que pode representar o outro lado da corda.
Eu, com 25 anos de carreira, poderia deixar de lado e não ficar falando do governo. Porém, é um dever moral que temos, como o Paulo Coelho disse, recentemente. Do jeito que esse governo age com LGBTs, com as mulheres e negros, ainda o Witzel matando gente.
O rap sempre foi muito machista e homofóbico e, hoje, é um momento que está levando um tapa na cara e percebendo que é preciso tratar as minas direito, acabar com a homofobia.
Instrumentista hábil no toque de ritmos locais como a lambada e o carimbó, Manoel Cordeiro revisita a identidade cultural amazônica, mas com colaborações que redimensionam a pesquisa sonora do artista
Fonte: RBA
http://www.vermelho.org.br/noticia/323776-1
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