Pode extravasar torcedor corintiano. Soltar o grito entalado na garganta e dizer ao mundo: 'O Timão é campeão da Libertadores de 2012'. O mais esperado título da história foi conquistado ontem à noite, no Pacaembu, após vitória épica sobre os argentinos do Boca Juniors por 2 a 0. O atacante Emerson, iluminado, marcou duas vezes e garantiu o título mais importante do clube para os 30 milhões de loucos no País.
Anderson Fattori*
O torcedor deu outra prova de que não é exagero comparar o Corinthians a uma nação. O clima no Pacaembu e nos arredores era de Copa do Mundo. Fogos de artifícios, faixas, bandeiras e camisas não deixavam dúvidas da confiança na vitória. Durante o jogo, conforme prometeu, o torcedor deu sua contribuição e apoiou o time desde o apito inicial, sendo correspondido prontamente pelos jogadores, que incorporaram o espírito sul-americano e jogaram com garra.
A cada lance, drible, chute era como se um filme passasse à frente dos olhos, reproduzindo os melhores sonhos corintianos. Só que, desta vez, a imaginação se tornou realidade. Sonho de uma noite, mas que valeu por uma vida, por mais de três décadas de angústia, desde o debute em Libertadores, no longínquo 1977, passando por outras oito edições nas quais o título ficou no quase.
Mas, desta vez, ele veio e com todas as honrarias possíveis. Foi conquistado de forma invicta, quebrando tabu que já durava 33 anos e tornando o Corinthians o segundo clube brasileiro a passar ileso pela Libertadores - o primeiro foi o Santos, em 1963. Foram 14 jogos, com oito vitórias e seis empates, em campanha que coroou a melhor defesa, com apenas quatro gols sofridos.
O primeiro tempo deflagrou o nervosismo, principalmente por parte dos brasileiros que não pareciam acostumados com o jogo recheado de catimba do Boca Juniors. A cada bola parada, os argentinos demoravam demasiadamente para recomeçar a partida e, apesar de previsível, a atitude irritava jogadores e torcedores.
Os espaços eram escassos de ambos os lados. Os articuladores - Alex e Danilo pelo Corinthians e Riquelme e Erviti pelo Boca - não dominavam uma bola sem que estivessem como pelo menos dois marcadores. Isso, somado aos constantes erros de passe, fazia com que a etapa tivesse poucos lances de perigo. De importante, a contusão do goleiro Orion, que precisou ser substituído por Sebastian Sosa.
O segundo tempo teve mais a cara do Timão. O trabalho, em parte, foi facilitado pelo atacante Emerson, o dono do jogo. Logo aos oito minutos, ele aproveitou confusão na área, se posicionou bem e recebeu lindo passe de Danilo. Com calma, o Sheik tirou do goleiro Sosa para fazer o Pacaembu explodir pela primeira vez no jogo.
Em vantagem, o Corinthians soube controlar a partida e forçou o Boca Juniors a atuar fora de suas características. Ao ir para o ataque, o time argentino abriu espaços, e em erro adversário, Emerson escapou desde o meio campo e tocou rasteiro, da entrada da área, para marcar belo gol e tirar de vez o grito que há anos estava engasgado na garganta do corintiano.
Aampla vantagem e a pouca força do Boca Juniors não deixavam mais dúvidas. Ontem era o dia. E foi. Após o apito final, o Pacaembu explodiu em preto e branco, uma das maiores festas já proporcionada por times brasileiros. Não era a toa. Agora, que venha o Mundial, no Japão.
Herói cala os críticos, rouba a cena e faz a alegria da Fiel
Ele foi duramente perseguido pela imprensa argentina no início da semana. Como modo de intimidar e tirar a concentração, a vida de Emerson foi escancarada pelos principais veículos de comunicação dos hermanos. A resposta do Sheik, no entanto, foi em campo. Esbanjando categoria, ele marcou dois lindos gols, os mais importantes da história centenária do Corinthians, e deu o tão sonhado título da Libertadores à torcida alvinegra.
Além dos gols. Emerson foi o jogador mais efetivo ofensivamente do Timão durante a partida. Ele dosava com maestria o ritmo, imprimindo velocidade na medida certa e dava trabalho para os grandalhões zagueiros adversários, tanto que era caçado em campo e provocou o cartão amarelo de Caruzzo, pouco depois de balançar a rede.
Acostumado a grandes conquistas, Emerson mostrou que é predestinado e tem estrela, tanto que acumula troféus em praticamente todos os clubes por onde jogou. Entre eles, os três últimos títulos do Campeonato Brasileiro atuando em times diferentes - por Flamengo, Fluminense e Corinthians.
Se hoje, os mais de 25 milhões de corintianos estão radiantes, grande parte dos méritos é de Emerson, que soube brilhar no momento certo e escreveu com letras maiúsculas seu nome da extensa galeria de campeões do Timão.
E, como não poderia ser diferente, após o apito final, desabafou. "Juro que hoje (ontem) não vou chorar. Estou alegre. No ano passado, me tiraram de um lugar (Flamengo) me acusando de coisas que não fiz (envolvimento em sonegação fiscal), mas aí está a prova: sou profissional e hoje (ontem) campeão da Libertadores!"
Tite vai do descrédito à taça
O técnico Tite definitivamente calou os críticos. Mesmo sem ser unanimidade para a torcida do Corinthians desde a eliminação para o Tolima, foi ao seu estilo que o time chegou com placares tímidos, mas com muita disposição em campo do goleiro ao centroavante. E ontem, ainda no gramado do Pacaembu, faltavam palavras ao comandante.
"Ainda não tenho dimensão disso tudo", respondeu ele quando questionado sobre a campanha invicta. E, independentemente de ser um dos principais responsáveis por levar o Alvinegro à inédita decisão e ao tão sonhado título, Tite preferiu dar crédito aos jogadores, que de forma inédita levantaram a taça e fizeram mais de 30 milhões de torcedores tirarem o grito de "é campeão" da garganta.
"O grupo mereceu. Ganhou com o trabalho feito dentro de campo. Ninguém fez mais do que esse time, ninguém marcou mais, teve mais saldo... Não foi acaso ou sorte, foi merecimento e competência", comentou o emocionado treinador.
Autor do passe de calcanhar que encontrou Emerson Sheik no primeiro gol corintiano, Danilo - campeão do torneio pelo São Paulo, em 2005 - falou sobre a importância da conquista. "O Corinthians, um time deste tamanho e com torcida maravilhosa, já deveria ter ganhado há muito tempo", disse o meio-campista.
Já o volante Ralf, que marcou o primeiro gol corintiano na Libertadores (o do empate contra o Deportivo Táchira, na Venezuela, aos 48 minutos do segundo tempo), exaltou o fim do jejum. "Esperamos que seja o primeiro de muitos, porque esta torcida merece", destacou ele. "Aquele gol, aos 48, foi do jeito que o corintiano gosta", completou.
Contratado há um mês e inscrito apenas para a final da competição - no lugar do lesionado Edenilson -, Romarinho viu a estrela brilhar quando marcou o gol de empate em La Bombonera, na semana passada. Mas, discreto, preferiu exaltar a qualidade do elenco corintiano ao invés de se considerar o grande nome da decisão.
"Dei minha contribuição, mas se não fosse este grupo maravilhoso eu não seria nada", resumiu o atacante, que descartou o rótulo de ser o maior responsável por tudo aquilo. "O 'cara' de verdade é o Sheik", retrucou. Dérek Bittencourt
Cássio considera fundamental defesa contra o Vasco
O goleiro Cássio foi um dos personagens imprescindíveis para que o Corinthians alcançasse o inédito título da Copa Libertadores da América. Desde que assumiu a meta corintiana, o time não perdeu mais.
E não foi apenas a presença do arqueiro que deu sorte aos companheiros, mas sua competência com defesas importantes ou mais do que isso, fundamentais, como no lance cara a cara com Diego Souza, nas quartas de final contra o Vasco, que ele se agigantou e colocou a escanteio.
Ontem, após o apito final, Cássio destacou que aquela intervenção o fez crer que o time poderia chegar à conquista. "Foi a partir dela e do gol do Paulinho que tive a certeza de que ninguém iria parar a gente, e alcançaríamos nosso objetivo, que era sairmos campeões", enfatizou o camisa 24.
Cássio, que iniciou o ano como terceiro corintiano após ser contratado junto ao PSV, da Holanda, desabafou: "É o dia mais feliz da minha vida, foi uma grande vitória. Trabalhamos muito, mas sempre com muita humildade e conseguimos", concluiu o arqueiro. Dérek Bittencourt
Emoção ferve e toma conta do Pacaembu
Era indescritível a emoção que o torcedor corintiano sentiu assim que o árbitro apitou o fim do jogo ontem, no Pacaembu. Era uma mistura da incredulidade, pelo sonho realizado, com a alegria de espantar de uma vez por todas o fantasma que assombrou o clube por décadas. A ficha demorou a cair.
Desde o início da tarde a movimentação nos arredores do Pacaembu era intensa. Os helicópteros que sobrevoavam o estádio para acompanhar a movimentações dos torcedores e os incessantes fogos denunciavam que o estádio receberia jogo histórico. Os fãs vieram de várias partes do Estado e até do Brasil. Era fácil encontrar corintianos tirando fotos em família, possivelmente para guardar de recordação e poder dizer: eu estava lá.
Duas senhoras olhavam estarrecidas para o céu. Quando questionadas sobre o que pensavam foram contundentes. "A lua. Ela está tão próxima. Acho que São Jorge, nosso padroeiro, veio para nos abençoar. Nada vai dar errado", projetava Maria Lucia Pimentel.
O nervosismo dos jogadores em campo era reflexo dos torcedores, que roíam a unha na arquibancada. A angústia aumentava à medida que o tempo passava. Era ansiedade demais e o corintiano teve de esperar até o segundo tempo para extravasar. Depois não parou mais. "Amanhã (hoje), estarei na Receita Federal para tirar o passaporte. Tenho de ir ao Japão", entusiasmou-se Dorival Filho.
Enquanto os jogadores davam a volta olímpica, os torcedores cantavam nome por nome, eternizando os heróis na galeria dos imortais do Parque São Jorge. Sobrou homenagem para os que nem aqui mais estão. Senna e Sócrates foram cantados pela torcida.
E a noite realmente terminou da melhor forma possível. Exaustos, os corintianos foram para casa, roucos, mas com a certeza de que valeu a pena.
Festa do Timão contagia o Grande ABC
A festa da torcida corintiana no Grande ABC começou bem antes do início do jogo. Bares e restaurantes ficaram lotados e várias ruas tiveram trechos interditados pela Polícia Militar.
A maior festa delas, sem dúvida, aconteceu na Avenida Goiás, em São Caetano. Os torcedores aglomerados, olhavam sem piscar para a TV, acompanhando cada lance.
Nos primeiros minutos da partida, a expectativa já era de vitória. Carlos Edson, 36 anos, conferente, parecia já saber do resultado. "O Boca não está tocando na bola. Vai dar Corinthians fácil. 2 a 0, gols de Alex e Romarinho", previu.
O mesmo resultado era previsto por outro torcedor, Lupércio Aguero. "Romarinho e Émerson farão os gols da vitória. O Corinthians já teve muitos bons jogadores, dignos de Seleção, mas este time tem raça fora do comum", analisou.
Teve até quem encheu o próprio carro de bexigas, bandeiras e camisas do Timão para torcer. "Amo este clube. Minha vida é minha mãe, Deus e o Corinthians. Estou há 15 anos em São Paulo e nunca vi algo assim", disse o motorista Lucicardo Monteiro, 34, que veio de Campina Grande.
Porém, apesar de estarmos no Brasil e em ruas tomadas por corintianos, nem todos eram adeptos da torcida pró-clube. "Um amigo me deu a camisa do Boca Juniors. Como não gosto do Corinthians, vim aqui torcer. Mesmo assim, acho que o Timão leva, eles estão com muita sorte esse ano" comentou Weslley Rosseti, 21 anos, consultor de sistemas.
A festa também era enorme nos bares e ruas de Santo André. Houve até quem discutiu com os amigos para torcer pelo Timão. "Não tem jeito, esse ano é nosso. Não para, não para, e vamos fazer mais", dizia a assistente financeira Natália Leal, 18 enquanto comemorava o primeiro gol do Timão, marcado por Emerson.
Após o segundo gol do atacante, a festa tomou proporções inimagináveis. Os cerca de 7.000 torcedores que tomaram conta de um trecho da Avenida das Nações, choravam, pulavam, soltavam rojões e extravasavam o grito preso na garganta.
Samba e funk davam o tom da festa que começou logo após o apito final e prometia não ter hora para acabar.
Com a confirmação do título, o desempregado Mathias Souza, 51, resumiu o sentimento da torcida. "Hoje (ontem), é o dia mais feliz da minha vida", afirmou.
"Vou comemorar agora. Não sei como vou chegar em casa. Só sei que vou chegar feliz e de um jeito que nunca fiquei até hoje", projetou o arquiteto Sandro Gonçalves, enquanto andava de joelhos. Thiago Bassan
Fieis invadem e vão ao delírio no Anhembi
Quase todos os 30 mil ingressos que foram disponibilizados para o torcedor que não conseguiu ver a final no Pacaembu foram vendidos. Uma hora antes do início do jogo, a concentração do Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, parecia totalmente lotada e a animação era crescente - o Corinthians instalou telão no local para que o torcedor pudesse ver a decisão da Copa Libertadores.
O clima era de expectativa, mas até a hora da conquista do título a Polícia Militar não tinha registrado ocorrência nem atendimentos médicos.
O vendedor Osíris Souza, 34 anos, por exemplo, deixou a família e o emprego em Manaus (AM) e veio para ver o time do coração de perto. "Quando fui embora do trabalho ontem já avisei meu chefe que viria para São Paulo ver o jogo. Contei para a minha esposa na véspera também", disse ele, que, sem ingresso para o Pacaembu, viu o jogo no telão do Anhembi. Pretende voltar hoje para sua cidade natal.
No início do jogo, a nação corintiana aquietou e concentrou. Não se ouvia nada, a não ser a bateria da Gaviões da Fiel, que tocava como se os jogadores pudessem ouvir do Estádio do Pacaembu. A torcida, apreensiva, vibrava a cada lance. Mas foi quando, aos oito minutos do segundo tempo, Emerson fez o primeiro gol que a Arena Anhembi pegou fogo. Uns se abraçavam, outros choravam, outros se jogavam no chão.
O professor de História Cláudio Martins, 45 anos, estava com o filho, o estudante de Engenharia Elétrica, Lucas da Cruz, 20 anos. "Eu estava falando agora que a jogada do gol viria dos pés do Emerson", disse ele. Quanto ao jogo difícil do primeiro tempo, afirmou que também já esperava. "Corinthians é assim: sempre tem sofrimento."
Mesmo com a vantagem no placar, as faltas contra o Corinthians assustavam os torcedores. A advogada Natalie Lourenço, 28 anos, virava de costas para o telão quando o Boca Juniors cobrava alguma infração. "Não quero ver. Só meu time campeão", avisou.
Cada vez que Romarinho aparecia no telão, as palmas ecoavam, e foi quando ele levantou do banco que o torcedor acreditou que seria possível ganhar o título. Mas foi Emerson novamente que emocionou a nação corintiana. "Eu disse que seria 2 a 0", gritava o metalúrgico Fernando Souza, 30 anos. "E sabia que seria do Emerson!"
CRIANÇAS
A primeira informação era de que menores de 18 anos estavam proibidos de entrar ao sambódromo. No entanto, era possível ver crianças por toda a área da torcida. O pequeno Matheus, 12 anos, levou um susto ao chegar no Anhembi e ser barrado pela segurança. "Quando eu comprei o ingresso na internet, não havia nada informando que seria proibida a entrada de menores", disse o pai do garoto, Thiago Ferreira, 28.
"Quando eu cheguei, um pai veio até mim e disse para eu aguardar, porque o pessoal da organização viria até nós e liberaria. Aguardamos cerca de meia hora e ele foi liberado para entrar, mas não pediram nenhum tipo de documento, como é feito nos estádios." das Agências
*Do Diário do Grande ABC
http://www.dgabc.com.br/News/5967264/raca-sheik-e-enfim-a-libertadores-.aspx
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