Cría cuervos

 “Cría cuervos, y te picarán los ojos”

Vítima de mais um entre os incontáveis episódios de bisbilhotice que assolam o País já faz algum tempo, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, tem razão em demonstrar indignação e se sentir compelido a chamar às falas o presidente Lula. Só não pode dizer-se surpreso com mais esse atrevido ato de desrespeito às instituições, pois já vai longe o dia em que se inaugurou entre nós a fábrica de dossiês, chantagens e intrigas incentivada pela quase absoluta falta de punição aos responsáveis, quando identificados.

Foi assim com a Operação Tabajara, o até certo ponto risível caso do falso Dossiê Vedoin, produzido por um grupo de amigos e ex-auxiliares presidenciais para tentar prejudicar o então candidato ao governo do Estado de São Paulo José Serra.

Ali, o governo contou com a parcialidade da Polícia Federal, que impediu a divulgação de fotos da montanha de dinheiro apreendida com os frustrados espiões trainees. Parcialidade que já vinha desde o caso Waldomiro Diniz, quando se inaugurou a safra de escândalos envolvendo gente do atual governo, cujo inquérito permanece inconcluso há mais de quatro anos.

Com maioria no Congresso, o governo conseguiu sempre garantir a rejeição a inúmeros pedidos de convocação de acusados às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), e quando isto não bastava, alguns argüidos se valiam de liminares do próprio Supremo para não serem obrigados a depor.

Tudo parece um grande teatro, uma enorme conspiração contra a verdade, a oposição numa indignação ensaiada, o senador Artur Virgílio, vítima das escutas alegadamente clandestinas, embora feitas por arapongas da agência Brasileira de Informações (ABIN), e da própria leniência, prometendo e descumprindo suas juras de pedir no STF a abertura do sigilo dos cartões da Presidência, se a CPI dos Cartões Corporativos - que investigava, com invencível inércia, a divulgação seletiva de dados do governo Fernando Henrique por funcionários da Casa Civil- não conseguisse fazê-lo. Descoberto, José Aparecido, o vazador do dossiê FHC, foi “advertido”.

Lula, em incandescente discurso de palanque no ABC paulista, disse que aprendeu na vida a lei da sobrevivência. De fato, se há alguém versado em sobrevivência na selva política, é ele, que se safou do impeachment em 2005, quando o publicitário Duda Mendonça confessou ter recebido no exterior dinheiro em pagamento por seus serviços na campanha eleitoral, em 2002. Embora, graças à sua imensa popularidade, o presidente tenha saído politicamente incólume do episódio, a mancha em seu currículo é indelével. Se não aos olhos dos que se deixam embevecer por suas palavras, aos daqueles que ainda têm memória e discernimento.

Todos, agora, exigem a identificação e punição dos autores do grampo telefônico de Gilmar Mendes e outras autoridades. Olhando pelo retrovisor, quem haverá de acreditar numa investigação isenta?

E assim, fomos criando corvos. Agora, eles ameaçam arrancar os olhos das instituições.

Luiz Leitão da Cunha

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