Segundo a RTP, "contador de histórias", Germano Almeida, escreveu já mais de uma dúzia de livros e vive no Mindelo, S. Vicente, de onde diz que Cabo Verde continua a ser visto "pelos olhos de Lisboa".
"Nós somos vistos pelos olhos de Lisboa" foi uma frase de Oliveira Barros, advogado e poeta já falecido, e que agora, em entrevista à Lusa, o mais conhecido escritor cabo-verdiano recuperou, a propósito da dependência que a cultura do arquipélago tem em relação ao exterior.
"Até agora não perdemos a dependência em relação ao exterior, e esse exterior é Portugal. É como se houvesse ainda uma certa ausência de capacidade critica", diz Germano Almeida, acrescentando: "Se lá fora se diz que Germano Almeida é bom escritor aceita-se em Cabo Verde que ele é bom. Mas se lá fora se diz que é mau...".
Germano Almeida não completa a frase, na sua casa do Mindelo, atrás de um computador e rodeado de livros. O autor do "Testamento do Sr. Napumoceno" diz mesmo que nem se considera um escritor mas sim "um contador de histórias".
"E não é bazófia cabo-verdiana, é mais um mecanismo de defesa, porque contar histórias não me dá um ar de literato nem a responsabilidade intelectual que se atribui aos escritores", diz com um sorriso, confessando que avaliar o que escreve é responsabilidade dos críticos e que ele se limita a escrever, não se preocupando se em forma de novela, de crónica ou de conto.
Cabo-verdiano, apaixonado pelo Mindelo, na ilha de S. Vicente, Germano Almeida começou a escrever aos 16 anos mas só publicou o primeiro livro aos 45. Nasceu na ilha da Boa Vista em 1945, fez a tropa em Portugal e em Angola, licenciou-se em Direito em Lisboa, onde estava quando foi o 25 de Abril.
"Quando me levantei, a minha senhoria disse-me para não sair mas fui logo para a rua, apanhei as paródias todas, estive no Largo do Carmo. Pensei logo na independência de Cabo Verde, não contava que fosse tão depressa".
Hoje, garante, vive feliz no Mindelo, embora em Portugal também se sinta "em casa". De resto está até à espera de uma bolsa para ir fazer uma investigação em Portugal para um dos seus próximos livros, "uma espécie de romance histórico", embora antes desse, admite, possam surgir "outras histórias".
E elas, garante, sempre ganham vida atrás do computador. "Estou convencido de que se não tivesse conhecido o computador não publicaria. Em Lisboa, o meu irmão mostrou-me um Amstrad (computador pessoal dos anos 80) e vim com ele para Cabo Verde, desde essa altura estou ligado ao computador, e hoje tenho também um portátil que levo para todo o lado".
Mas além de feliz, Germano Almeida considera-se um homem de sorte: "Sou publicado pela Caminho (editora) porque um livro meu chegou às mãos de José Saramago".
É por isso que insiste na necessidade de haver por parte do Governo um esforço para "levar para fora" a cultura cabo-verdiana. "Aconteceu comigo por acaso, mas com quantos mais? Não podemos pensar que somos bons e que as pessoas vão chegar até nós pelo nosso mérito".
Uma solução, no entender do escritor, seria subsidiar editoras fora de Cabo Verde, porque no arquipélago existem "poucas e frágeis", exemplificando: uma edição de mil livros aqui leva dois anos a esgotar-se.
E depois conta um caso caricato: "Na ilha do Sal é possível vender. Mas não vendemos mais porque mandamos os livros e eles vendem e não nos mandam o dinheiro, e depois esgotam-se os livros e não pedem mais porque têm vergonha".
As feiras do livro são bons momentos para a venda, como a de Portugal, que este ano é dedicada a Cabo Verde, mas Germano Almeida diz que em termos relativos até vende mais no arquipélago, que sendo pouco é muito tendo em conta a escassa população do país (menos de 500 mil habitantes).
Com o seu primeiro livro, "O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo" a já ter sido adaptado ao cinema, com outros dois ao teatro, ainda hoje Germano Almeida se espanta com o sucesso da sua primeira obra, talvez por ser "uma história ligeira, brincalhona, escrita com humor cabo-verdiano".
Mas a escrita é em português, porque é essa a língua que põe Cabo Verde "em contacto com o mundo".
É por isso que Germano Almeida defende o acordo ortográfico. "Não podemos no futuro ter oito línguas, temos de fazer cedências para continuar a preservar" o português, diz, como também considera que não se pode oficializar o crioulo em detrimento do português, até porque toda a cultura cabo-verdiana é feita com base na língua portuguesa.
Advogado, antigo procurador, contador de histórias, Germano Almeida lançou o último livro, "Eva", em 2006. Tem outros começados mas nenhum com fim à vista. Porque no Mindelo vive-se sem pressa e Germano não faz tensão de mudar.
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