Deonísio da Silva professor e escritor
Estava participando do programa Intersom Debates, da Rádio Intersom, em São Carlos, na companhia de José Edson de Toledo Piza, mais conhecido pelo apelido de Juquita, e do também radialista Alberto Santos, quando o assunto veio outra vez à tona. Era a manhã da última sexta-feira, dia 8.
Sérgio Fernando Paranhos Fleury, nascido em Niterói (RJ), dá nome a uma rua de São Carlos (SP). O município presta sinistra homenagem ao homem que comandou as torturas mais cruéis do período pós-68, quando a Revolução de 64 radicalizou para enfrentar a luta armada.
Em 2002, a antiga sede do Dops de São Paulo, que ele comandou, foi transformada em museu, onde foi instalado o Memorial da Liberdade. O edifício foi construído em 1914 e, antes de ser sede do Dops, de 1935 a 1983, foi ocupado pelos armazéns da São Paulo Railway Company.
Os presos políticos eram obrigados a tortura adicional: assistir a sessões de tortura de companheiros de cárcere e às vezes de cela.
"'Se alguém abaixasse a cabeça diante de um preso ensangüentado, o delegado Fleury nos segurava pelo rosto e nos forçava a olhar"', relatou a ex-presa política Neide Regina Cousin Barriguelli.
Sérgio Fernando Paranhos Fleury morreu sem pagar por seus crimes, apesar de ter sido indiciado em vários processos. Para salvar a pele dele, foi criada a Lei 5941, mais conhecida como Lei Fleury.
É verdade que este diploma legal passou a proteger também todos aqueles que, tendo bons antecentes, caem nas malhas da lei pela primeira vez. Dependendo do que fizeram, passam a gozar os benefícios da sursis, palavra latina, do antigo direito romano, que, depois de passar pelo francês, ganhou o significado de suspensão da pena, em domínio conexo com o verbo surseoir, suspender, dispensar.
A morte de Fleury foi uma grande surpresa para todo o Brasil. Ele morreu afogado no dia primeiro de maio de 1979, em Ilhabela, no litoral paulista, depois de cair do iate onde estava. Faria 46 anos dali a 18 dias. Nos obituários de então, foi lembrado o seu papel de torturador e de líder do Esquadrão da Morte. E também a destacada atuação que teve na prisão dos estudantes no famoso congresso de Ibiúna e na morte de Carlos Marighela.
O escritor Carlos Heitor Cony foi encarregado de entrevistá-lo quando o romancista estava no batente do jornalismo e Sérgio Fernando Paranhos Fleury comandava o Dops. Escreveu Cony: "Ele torturava pessoalmente, matava pessoalmente e eu fui fazer uma entrevista com ele, me recebeu com uma metralhadora em cima da mesa"...
Nesse dia, Fleury, que matara tantos, declarou ser a favor da pena de morte para todos os crimes de homicídio. Surpresa seria se ele fosse contra!
Mas o delegado fez uma estranha exceção: a pena de morte não deveria atingir o crime passional, "porque o crime passional está além da natureza humana".
E, coisa mais curiosa ainda, o jurista Evandro Lins e Silva, que recebeu o título de "advogado do século" e foi ministro do STF, foi o primeiro a usar o conceito de vitimologia - palavra que entrou para a língua portuguesa em 1956. Na verdade ele trouxe para o português o conceito criado pelo jurista israelense Benjamim Mendelsohn, que consiste em analisar a contribuição da vítima para o crime.
Evandro Lins e Silva levantou a tese na defesa do playboy Doca Street, que matou com vários tiros a então famosa socialaite mineira Ângela Diniz.
O escritor Roberto Drummond escreveu o conto Isabel numa sexta-feira. A protagonista foi inspirada em Ângela Diniz, a quem ele tinha entrevistado. Vale a pena reler este conto, principalmente depois de tudo o que houve com ela.
Na denominação de nossas ruas, dá-se algo semelhante com o que acontece nas prisões. Muitos que estão ali, não deveriam estar. E outros, que deveriam estar, não estão.
Todavia, mais grave do que qualquer omissão é esta sinistra lembrança de homenagear um torturador. No Parque Santa Marta, bairro de São Carlos, foi erguido um monumento para homenagear um são-carlense torturado por Fleury, mas esqueceram de pôr o nome da vítima.
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter