Na sua mensagem de Ano Novo, no dia 1º. de Janeiro, o Presidente Cavaco Silva, entre outras chamadas de atenção, referiu as desigualdades sociais que se têm aprofundado no país nos últimos anos, salientando, no que toca a salários, que interrogo-me sobre se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores.
Fazendo eco dessa preocupação, lemos e ouvimos na Comunicação Social, que os nossos gestores ganham mensalmente cerca de 30 vezes o vencimento médio nacional, ou seja, 21.700 Euros. Mas há quem atinja o ranking máximo de 250 vezes o salário médio dos seus trabalhadores. Sim senhor, é obra!
O problema de um leque salarial exageradamente amplo não é novo. Recordamos que durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso), houve quem quisesse estabelecer um salário máximo e foi o desatino Só faltou chamarem ao camarada Vasco Gonçalves, 1º. Ministro de então, de maricas de comunista não se safou No verão de 2005, na sua edição nº. 643, o tema foi capa na Visão.
Sob o título Eles ganham mais que o Presidente, as jornalistas Sónia Sapage e Clara Teixeira assinavam um artigo muito esclarecedor sobre a matéria, num momento em que se pedia contenção dos salários tendo em vista o controlo do défice orçamental.
Sempre este Falta acrescentar que a média bruta dos vencimentos desses senhores é superior à dos seus colegas europeus. A chamada de atenção do Presidente da República, tem porém outro peso e assume o estatuto de escândalo Mais ainda, por se tratar do país onde se pratica os mais baixos salários da União Europeia, para os trabalhadores. Ora isto é mais um factor a juntar à crise da nossa Economia. Tem pois o Dr. Cavaco Silva boas razões para estar preocupado.
Não podemos contudo deixar de referir que para esta situação também ele contribuiu enquanto 1º. Ministro. Graças às reformas económicas de recorte neoliberal que caracterizaram o seu governo, inaugurou a época dos altos salários para os cargos dirigentes. Fê-lo a pretexto de que devem ser bem remunerados, em razão da responsabilidade intrínseca dos mesmos, o que até concordamos, mas de forma razoável. Não previu no entanto o desequilíbrio a que chegámos que, na maioria dos casos, chega a ser amoral e não apenas imoral, como tem sido referido na mídia.
Gritantes também são os direitos da classe dirigente. Enquanto ao trabalhador comum se mitiga a idade da reforma, depois de tantos anos de trabalho e contribuição liquida para a Segurança Social, com a perda sistemática do rendimento das pensões, em clara violação do Contrato Social que sustenta a Democracia, para a nossa elite que ocupa todos os bons lugares da Administração Pública e Privada, o estado mínimo é mãos largas e que mãos!
Veja-se apenas o exemplo do Banco de Portugal. Os membros do Conselho de Administração têm o privilégio a uma pensão vitalícia independentemente da idade limite para acesso à reforma. Em teoria bastará um dia, de um mandato de cinco anos, para terem direito a um chorudo rendimento mensal para o resto da vida. Parece absurdo, mas não é.
O nº. 1, do 3º ponto, das Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração, estabelece que O tempo mínimo a fundear pelo Banco de Portugal junto do respectivo Fundo de Pensões, será o correspondente ao mandato, independentemente da cessação de funções (sublinhado nosso). Mais: As pensões de reforma serão actualizadas a 100% na base da evolução das retribuições dos futuros Conselhos de Administração, sem prejuízo dos direitos adquiridos. Ora toma!
Talvez por isto é que vemos o Governador do Banco de Portugal, Dr. Vitor Constâncio, outro xosialista e gestor com um baixíssimo salário, superior por exemplo ao do americano Alan Greenspan, quando foi responsável máximo do Federal Reserve, ser tão interventivo quando se trata de defender publicamente a produtividade do Capital, que ele confunde deliberadamente com a do Trabalho, nomeadamente declarando que os trabalhadores portugueses ganham muito para aquilo que fazem Mas ele e a classe dirigente a que pertence, não! Apetece-nos concluir, como o 1º. Conde de Abranches, É fartar vilanagem. , referindo-se a certa nobreza que se obstinava na defesa dos seus interesses, tal como hoje o faz a nossa burguesia endinheirada.
O Governo Socrático do 1º. Ministro voltou atrás na ideia peregrina de pagar em prestações de 1/14 avos o aumento que generosamente atribuiu aos pensionistas no ano passado. A fartura era tanta, que dava pouco mais que 50 cêntimos para quem auferisse uma pensão média de 400 . E, de acordo com o Secretario de Estado da segurança Social, Pedro Marques, tal vinha em benefício dos próprios afirmando no final que com esta medida os pensionistas ganhavam poder de compra (sic).
Estupefactos, achámos que se tratava de uma anedota Apesar do recuo, a atitude governamental não deixa de reflectir no entanto o menosprezo que a nossa classe dirigente tem para com o povo que a sustenta. Em matéria social ainda não nos libertámos de todo da relação feudal de senhores e servos, dos alvores da nacionalidade, embora tenhamos vivido tantas revoluções daí para cá Se calhar vai ser necessária mais uma. Oxalá que a próxima seja a sério
Mas se aos gestores e administradores cabe-lhes altos rendimentos em razão da sua competência, porque não se aplica o mesmo critério ao trabalhador comum? Entre todas as profissões existe gente capaz e proficiente. Veja-se como os emigrantes portugueses, desde o mais humilde ao mais preparado academicamente, têm sucesso. Lá fora paga-se a quem de facto trabalha. Cá dentro, mesmo quando se trabalhe bem, não chega. Paradoxalmente, até já há quem ache suficiente dar trabalho Qualquer dia ainda temos que pagar para trabalhar.
Evidentemente que à medida que se acentuam os desequilíbrios sociais, estes constituem uma ameaça à coesão social. Originam uma resistência passiva daqueles a quem se pede constantemente mais trabalho por menos dinheiro em nome de uma causa que se apresenta falaciosa face à injustiça social reinante e da responsabilidade exclusiva da classe dirigente. A História do Esclavagismo está marcada por este comportamento, naturalmente humano. A resistência dos escravos negros no Brasil ao trabalho, no final do Século XIX, por exemplo, que se traduzia por uma deliberada baixa de produtividade, acabou por ditar o fim da Escravidão, não sem prejuízo grave para os esclavagistas e suas famílias, que só tardiamente compreenderam, quando compreenderam, que a base da Economia tinha que mudar. Tem pois o Presidente da República razões para estar preocupado e todos aqueles que se andam a governar à conta do Zé Povinho.
Artur Rosa Teixeira
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