Ao atrasar o seu reconhecimento do resultado eleitoral de domingo, o Presidente derrotado do Brasil, Jair Bolsonaro, sublinha a sua incapacidade de exercer o cargo e revela a pequenez do homem que ele é. Ele está a agir como um pirralho mimado a fazer uma birra. Vai falar, porque tem de ser, mas já é tarde demais e os danos foram registados. Vamos resumir os últimos 20 anos da história recente do Brasil em poucas palavras e tirar algumas conclusões.
O Presidente Luiz Inácio da Silva, ou Lula como é conhecido, foi eleito Presidente em 2002 e novamente em 2006, exercendo funções entre 1 de Janeiro de 2003 e 31 de Dezembro de 2010, quando foi sucedido pela Presidente Dilma Rousseff, do mesmo partido, PT (Partido dos Trabalhadores, ou Partido dos Trabalhadores). Durante o seu mandato, Lula tirou cerca de quarenta milhões de brasileiros da pobreza, tirou o Brasil da lista da fome da ONU e lançou políticas sociais que viram a economia crescer, a riqueza redistribuída, os postos de emprego a aparecerem, novas empresas abertas, as exportações dispararem e, externamente, o Brasil tornou-se reconhecido como um actor importante na cena internacional, dando uma enorme contribuição para o desenvolvimento de países pobres.
O Brasil, finalmente, tinha despertado.
A Presidente Dilma Rousseff, chefe de gabinete de Lula, continuou a sua política durante o seu primeiro mandato (2011 a 2014) e tentou continuar no seu segundo (2014 a 2016) até o tapete ser puxado de debaixo dos seus pés por um golpe palaciano liderado pelo Vice-Presidente Michel Temer. No final do seu primeiro mandato, a sua taxa de aprovação pessoal foi de 79%, e a do governo de 63%, mas durante o seu segundo mandato, surgiram protestos por causa do escândalo da Petrobras (em que políticos tinham recebido subornos em troca do aprovisionamento de contratos) e também contra as despesas de realização do Campeonato do Mundo, embora nem um único documento ligasse a própria Presidente Dilma a qualquer acto ilícito. Seguiu-se a Operação Car Wash, uma investigação da Polícia Federal sobre corrupção entre os políticos brasileiros e alguns membros do partido da Dilma estiveram envolvidos. Não havia provas contra ela, mas ela foi afastada num golpe palaciano, num processo de impeachment em 2016 sobre um tecnicismo de violação das leis orçamentais (o que realmente foi feito no seu governo foi uma prática política comum que nunca levou ao impeachment de ninguém antes ou depois dela). Mas no quintal do Tio Sam, as políticas sociais são muito mal vistas e, de qualquer modo, já muitas forças externas tinham saudades de um presidente que pudessem manipular, distribuindo contratos à custa do povo brasileiro.
Histeria contra o PT
A onda de histeria contra o Partido dos Trabalhadores foi maciça, varrendo o próprio ex-Presidente Lula (ele foi preso por corrupção em 2018 e passou 580 dias na prisão), no entanto, no recurso todo o processo contra ele foi declarado inválido. Foi uma manobra política desleal para o bloquear da Presidência em 2018, ganha por Bolsonaro. (Lula teria ganho de acordo com sondagens de opinião). Foi suficiente para Bolsonaro rotular Lula de ex-presidiário que é infantil, injusto e errado, e é um insulto às Instituições brasileiras.
Porque é que Bolsonaro foi eleito? Respondamos à pergunta, vendo quais são os seus apoiantes. Os apoiantes de Bolsonaro são a versão brasileira de Trumpists nos EUA, a versão brasileira de Brexiteers no Reino Unido. O perfil é o segurança da discoteca, ou guarda de segurança, chamado Bouncer em inglês, de cabeça rapada e tatuada, soprando bolhas de pastilha elástica e rebentando-as alto durante a missa, agindo mais com o coração do que com o cérebro, basicamente porque não o tem, o tipo de indivíduo que segue slogans e frases sonoras fáceis de entender, tais como "O filho começa a agir de forma totalmente gay e esconde-se do seu pai, e muda o seu comportamento"; "Os trabalhadores têm de escolher entre direitos e trabalho"; "Os gays não são semi-deuses, a grande maioria é resultado do abuso de drogas"; "Os meus filhos não correm o risco de namorar com raparigas negras ou de se tornarem gays porque foram bem educados", (sic) e outros disparates do género. Tanta preocupação com gays, o quê é isso?
Pode-se ver o tipo de pessoa que votou a favor desta aldrabice homofóbica e misógena, misturada com uma reacção contra a corrupção revelada entre alguns no Partido dos Trabalhadores (e a imagem pública dos políticos brasileiros em geral) e isto explica Bolsonaro. O que é que ele realmente fez?
O que é que ele fez? Muita coisa, negativamente. Para começar, o Brasil desapareceu da cena internacional e perdeu todo o respeito. Chegou ao cargo prometendo reprimir o crime violento, que, é verdade, nos últimos quatro anos foi reduzido, mas apenas regressou aos níveis experimentados durante o mandato do Presidente Lula no seu segundo mandato. Hoje, 112 brasileiros morrem todos os dias, vítimas de crimes violentos, que é um a cada 12 minutos, ou 41 mil por ano, em números redondos.
Não se atreve apanhar um Uber do aeroporto em muitas cidades porque será atacado e será assaltado, possivelmente alvejado, não pode sair a pé para um centro comercial ou café sem deixar todas as suas jóias, carteira, relógios, alianças de casamento, atrás; as pessoas vivem em condomínios com guardas e portões, como uma fortaleza. As pessoas têm medo de andar fora da porta das suas casas.
Os seus registos de acção na Amazónia e com os povos indígenas são terríveis, a terra continua a ser-lhes roubada, são fuzilados se protestarem e os Três Bs dominam o poleiro no Brasil de Bolsonaro - os lobbies da Bíblia, do Bói e da Bala. A mineração ilegal explodiu na Amazónia, criando uma crise humanitária entre as populações indígenas.
Foram distribuídos contratos para os empresários brasileiros exportarem alimentos aparentemente sem qualquer tentativa de proteger a população de aumentos especulativos de preços e assim o Brasil, o país que é o terceiro maior exportador de alimentos do mundo, vê uma vez mais as suas crianças com fome. Lula resolveu isso, Bolsonaro recomeçou-o. A sua política no controlo de Covid era praticamente inexistente, sendo o próprio Presidente um negacionista e dizendo às pessoas para continuarem a trabalhar porque Covid era como "uma gripe ou resfriado ligeiro". 688.000 pessoas pereceram.
Sob o regime Bolsonaro, foi permitida a utilização de produtos tóxicos na agricultura; em termos reais, o poder de compra diminuiu, a distribuição da riqueza é mais acentuada entre os que têm e os que não têm, a pobreza nas regiões metropolitanas aumentou de 19,5% para quase 24%, a pobreza extrema aumentou de 4,4% para 6,3%.
Bolsonaro despediu funcionários e cientistas que discordaram da sua política de desflorestação na Amazónia (que atingiu um máximo recorde de 3.980 quilómetros quadrados nos primeiros seis meses de 2022), as universidades públicas viram o seu financiamento congelado ou cortado (para favorecer os privados) e os cientistas que discordaram da sua Política de Covid, ou falta dela, perderam os seus empregos.
A conclusão é que enquanto Bolsonaro foi apoiado por aqueles que tinham esperança num Messias (o seu nome é Jair Messias Bolsonaro), o facto é que ele não entregou e deixou o Brasil pior do que quando tomou posse. Pelo lado positivo para ele, existe agora um movimento bolonarista ao nível do Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados) e ao nível dos Governadores de Estado, um movimento que não existia há quatro anos. Mas se ele se comportar como um pirralho mimado fazendo uma birra, perderá muito rapidamente qualquer apoio que alguma vez tenha tido. E é isso que aconteceu.
Em cinco minutos, Bolsonaro queimou qualquer respeito ou prestígio que poderia ter ganho com um discurso eloquente, parabenizando o novo Presidente e prometendo trabalhar com ele para o bem do Brasil. É isso que teria acontecido em qualquer parte do mundo, exceto no Brasil do Bolsonaro.
A questão é que o Brasil é um país emotivo cujo povo tem e exige inteligência emocional, algo que Bolsonaro e Bolsonarismo não têm. O Bolsonaro torna o Brasil mais escuro e negativo, o Lula traz mais luz e positividade. Bolsonaro representa o segurança na discoteca, Lula o coração e a alma do povo cuja única exigência é ter um emprego, viver em paz nas suas casas, quer que seja numa cidade, quer na selva amazónica, poder viver sem ser roubado ou alvejado, ter comida para pôr na mesa e poder dar-se ao luxo de viver normalmente como qualquer outro cidadão num país civilizado. Todas as pessoas, não apenas uma mão cheia de empresários no sul do Brasil. É pedir demais?
Timothy Bancroft-Hinchey pode ser contactado em [email protected]
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