Licença para matar
Desde que Jair Bolsonaro foi eleito Presidente, o Brasil vive uma cultura da violência como nunca tinha acontecido antes. Ele e o triste governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel,defendem abertamente o uso da força bruta contra os mais fracos, contra os que contestam esse regime espúrio em que vivemos.
Bolsonaro, quando da votação do impeachment da presidente Dilma, espantou as pessoas civilizadas do Brasil dizendo que seu voto era em homenagem ao coronel Brilhante Ustra, um dos poucos militares que a Justiça reconheceu como torturador e ser um torturador é a infâmia máxima a que um ser humano é capaz de se entregar.
Nem os militares da ditadura, mesmo que praticassem, defendiam a tortura e até mais não admitiam que a fizessem uso dela contra seus presos.O
O governador do Rio, Wilson Witzel, ele mesmo acompanhou seus atiradores, que de helicópteros alvejavam pessoas nos morros da cidade, onde vive a população mais pobre e ainda mais, ensinava que os atiradores deveriam mirar nas "cabecinhas" das pessoas.
Gente desse tipo merecia há muito tempo ser enviada para o lixo da história, mas infelizmente continua por aí pregando seus valores atentatórios às práticas civilizadas.
E o pior. O repúdio a Bolsonaro e Witzel, que deveria ser total, é restrito a poucos e quase sempre nos é apresentado envolto num discurso com o cheiro de disputa eleitoral e não a defesa apaixonada da nossa condição humana.
Talvez esteja nos faltando alguém como Miguel de Unamuno.
Em outubro de 1936, quando a Espanha mergulhava nas trevas do franquismo, como reitor da Universidade de Salamanca, ele ouviu o general Millan Astray, um aleijado de guerra, cego de um olho e sem um braço, bradar o grito de guerra dos fascistas "Viva La Muerte" nas comemorações do chamado "Dia da Raça", 12 de outubro, dia da Descoberta da América.
Sua resposta corajosa ficou para a história e está viva até hoje e deveria ser repetida no Brasil em que vivemos.
Agora mesmo ouvi um grito necrófilo e insensato, 'Viva a morte'. Eu devo dizer-lhes que considero este esdrúxulo paradoxo repelente. O General Millán Astray é um aleijado, que isso seja dito sem nenhuma condescendência. Ele é um inválido de guerra. Cervantes também era. Infelizmente há demasiados aleijados na Espanha agora. Entristece-me pensar que o general Millán Astray venha ditar o padrão da psicologia de massas. Um aleijado, que não possui a grandeza espiritual de um Cervantes acostuma-se a buscar alívio causando mutilados em volta dele."
Millan respondeu "Muerte los inlectuales. Viva La muerte"
Unamuno retomou seu discurso sem se abalar e sem se acovardar
"Estamos no templo do intelecto. E nele eu sou o sumo sacerdote. São vocês que profanam esses espaços sagrados. Vocês vão vencer, por que têm mais que o necessário de força bruta. Mas vocês não convencerão. Pois para convencer é preciso persuadir. E para persuadir vocês necessitarão o que não têm: razão e justiça na luta. Eu considero fútil exortá-los para que pensem na Espanha. Eu o fiz."
A Espanha vivia tempos de guerra interna, com a vitória dos franquistas sobre a República. Nós vivemos numa democracia, que pode ser frágil, mas que ainda sobrevive.
Por que então esse silêncio?
É ele que permite que no lugar da cultura da inteligência, do saber, da civilidade, Bolsonaro e seu grupo, estejam impondo ao país a cultura da brutalidade e da violência.
Em vez de argumentos civilizados, a força das armas.
Esse episódio recente na Zona Sul de Porto Alegre, quando um jovem massacrou uma família inteira por causa de um simples acidente de trânsito, mostra claramente como esse discurso está sendo aceito e praticado por muitos.
O professor Marcos Rolim, em artigo publicado no Sul 21, traçou o retrato do homem bolsonariano: "Um jovem de 24 anos, sem antecedentes criminais, sem histórico de doença mental, ex-militar, membro de uma "família estruturada", defendia o porte de armas para "se defender de bandidos" e se declarava evangélico e temente a Deus"
Mais do que um disputa eleitoral que se aproxima, o que está em jogo é a escolha de um modelo de vida para os brasileiros. Se vamos nos decidir pela cultura da morte ou pelo respeito à vida como nosso bem maior?
Ninguém deve ter licença para matar.
Eu opto pela vida.
Marino Boeira é jornalista, formado em História, pela UFRGS
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