Uma confusão mal intencionada

Uma confusão mal intencionada

Os recentes acontecimentos de Charlottesville, nos Estados Unidos, com grupos de extrema direita se atribuindo a denominação de nazistas e exibindo inclusive o símbolo da suástica, com suas lembranças aterradoras, fez ressurgir uma velha confusão entre as denominações de socialistas e nazistas.

Nessa confusão, se unem os ignorantes dos fatos históricos e os mal intencionados representantes de segmentos de opinião pseudamente democráticos a quem interessa rotular os movimentos comunista e socialista como semelhantes ao chamado nacional socialismo de Hitler.

O professor Celso Schoreder já havia alertado em sua página no Facebook para postagens disseminando essas falsidades.

Essa semana, a Folha abordou o tema, mostrando através dos depoimentos de vários professores especialistas no tema, que o socialismo que aparece no nome do partido nazista visava gerar uma confusão na avaliação que os trabalhadores alemães faziam dos partidos que o representavam na vida política da época.

O professor Estevão Chaves Martins, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, diz que "o Partido Nacional Socialista se apropria do termo para esvaziá-lo, dizendo que os verdadeiros defensores dos interesses sociais dos operários não são os comunistas, os socialistas nem mesmo os social-democratas, mas sim os nacionais socialistas"

Já o professor Izidoro Blikstein, especialista em lingüística da USP, diz que "o mito ariano cria a ideia de que é a língua pura e quem melhor representaria essa pureza seria, entre alguns povos, o germânico. O Partido Nazista apropria-se dessa teoria para prometer um caminho para a salvação da Alemanha quase destruída depois da primeira guerra."

É importante lembrar que a crise mundial de 1929 jogou o mundo numa profunda depressão econômica, principalmente a Alemanha, que ainda tinha o peso do pagamento das indenizações aos aliados decorrentes da primeira guerra e abalou a tênue democracia da República de Weimar.

A incapacidade de comunistas e sociais democratas, as duas grandes forças políticas da época, em se unirem, permitiu que o minoritário partido nazista de Hitler fosse chamado a formar um governo parlamentar em 1933, dando início a um sistema que logo se tornou ditatorial, com a conivência das forças armadas e da alta burguesia alemã.

O discurso nazista, anterior à chegada ao poder, contemplava de alguma maneira, muitas reivindicações populares e pelo menos, aparentemente, tinha um discurso de crítica aos grandes empresários, numa estratégia destinada a competir com socialistas e comunistas na conquista de corações e mentes dos trabalhadores.

Logo que chegou ao poder, Hitler tratou de buscar uma aliança com os militares e o empresariado, de quem dependia para o seu projeto de recuperar economia e se preparar para as conquistas militares.

O ponto de convergência definitiva para a direita é a chamada Noite das Facas Longas (Nacht der Langen Messer), quando eliminou, de uma só vez, os representantes da corrente populista dentro do nazismo e uma tênue oposição democrática de centro.

Responsáveis pelo crescimento da popularidade de Hitler diante da população alemã até 1933, os Camisas Pardas de Ernest Rohm, as AS, (Sturmabteilung) deveriam ser eliminados como exigência do exército alemão (Reichswehr) para apoiar Hitler.

Rohm, que comandava tropas de choque, que chegaram a ter três milhões de homens, se tornara um empecilho para Hitler com suas exigências políticas de uma "segunda revolução" e sua declarada condição de homossexual, contrária a pretendida pureza da raça ariana;

Na noite de 30 de julho de 1934, numa série de cidades alemãs, líderes de facções políticas que se opunham a Hitler foram eliminados fisicamente pela Gestapo e pelas SS (Schutzstaffel)de Heinrich Himmler .Além de Rohm, que nesse momento estava preso em Munique, foram mortos Gregor Strasser, que dividia com Hitler a liderança histórica no movimento nazista e o ex-chanceler democrata Kurt Von Schleicher, além de dirigentes das SA e políticos vistos como opositores ao novo chanceler.

Depois disso, Hitler ficou com as mãos livres para se associar em seus projetos com o alto empresariado alemão, chegando essa união ao seu ponto mais alto, quando ele transformou os campos de concentração que espalhou pela Alemanha, Polônia e Ucrânia em grandes centros fornecedores de mão de obra escrava para as grandes empresas alemãs, muitas das quais continuam ainda hoje atuantes no mercado mundial.                

 Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey