Em discurso proferido nos subúrbios do sul de Beirute dia 23/10/2015, Sayyed Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, organização da Resistência com base na comunidade xiita do Líbano, fez uma descrição do imperialismo dos EUA que combina em grande medida com o que dizem anti-imperialistas da esquerda secular ocidental.
O Hezbollah foi criado no início dos anos 1980s para pôr fim à ocupação de Israel no Líbano. Com a saída de Israel em 2000 e a subsequente nova tentativa de ocupar o Líbano em 2006 impedida por combatentes do Hezbollah, essa organização da Resistência continua a ser a mais vigilante sentinela contra outras agressões que venham de Israel. Atualmente, o Hezbollah ajuda o Exército Árabe Sírio em sua luta de vida ou morte contra grupos sectários extremistas, dentre os quais o ISIS e a Frente al-Nusra. Esses grupos são desdobramentos da al-Qaeda e ameaçam existencialmente a comunidade xiita no Líbano, o que explica por que o Hezbollah decidiu envolver-se no conflito.
Abaixo (em itálicos) um resumo, que pode ser ampliado, do que disse Nasrallah.
Os EUA querem o Oriente Médio sob a dominação deles: dominação política, militar, de segurança, econômica e cultural.
Washington usa Israel como instrumento para promover essa agenda.
Israel depende dos EUA para sua própria existência. Se o apoio financeiro, econômico e militar que Washington dá a Telavive deixar de existir, Israel desaparecerá.
Vítimas de Israel são os palestinos e os libaneses, dois povos que sofreram ocupação e massacres das mãos de Israel.
A culpa pelos crimes de Israel, portanto, é mais de Washington, patrão de Israel, do que de Netanyahu e de seu exército de terroristas.
Assim sendo, palestinos e libaneses são as primeiras e principais vítimas do projeto norte-americano de dominação no Oriente Médio, projeto do qual Israel é instrumento.
A política externa dos EUA visa a saquear o petróleo, o gás e todas e quaisquer riquezas da região. É política comandada pelos donos do petróleo e das empresas de armas, não por ONGs de direitos humanos.
Na verdade, toda a conversa de Washington sobre direitos humanos e democracia é absolutamente sem sentido. As maiores ditaduras na região são mantidas e patrocinadas pelos EUA. Essas ditaduras violam direitos humanos e não respeitam eleições (casos de Egito, Arábia Saudita, Qatar eBahrain - todos aliados dos EUA).
Os aliados dos EUA na região nada são além de capatazes locais comandados por um rei ou um presidente que presta contas a Washington. Decisões sobre guerra, paz, política externa e mercados são tomadas exclusivamente pelos EUA, sem consultar os tais supostos 'aliados'.
Os aspectos punitivos da política externa dos EUA visam todos e quaisquer que se recusem a submeter-se à dominação dos norte-americanos, ou seja, que se recusam a converter-se em extensões locais do governo de Washington (e, por implicação, extensões das grandes empresas de petróleo e armas que dominam o governo de Washington). País que tome decisões próprias, considerando os próprios interesses de seus próprios cidadãos é país que, para os EUA, não tem direito de existir, é inaceitável.
Por exemplo, toda a hostilidade de Washington contra o Irã pode ser rastreada até o momento em que o Irã decidiu ser país livre e independente dos EUA, que comanda e controla a própria economia e preserva a dignidade do próprio povo. O Irã rejeita a hegemonia dos EUA; assim sendo, é inaceitável para Washington.
Washington lança guerras à distância, que são combatidas por países vassalos 'procuradores' dos EUA, contra todos e quaisquer países que trabalhem para serem fortes e independentes. Atualmente, os EUA fazem guerras por procuração no Oriente Médio, contra todos e quaisquer que se recusem a submeter-se à dominação norte-americana. Atualmente, os vassalos procuradores dos EUA são jihadistas islamitas sunitas extremistas, takfiris (entre os quais incluem-se o ISIS e a Frente al-Nusra, que nasceram e prolongam a al-Qaeda, que os propagandistas nos EUA agora travestiram como rebeldes "moderados"). O verdadeiro líder e coordenador dos takfiris são os EUA, ajudados por vassalos-aliados regionais (Turquia, Arábia Saudita e Qatar).
Hoje, Washington diz-nos que se não formos escravos dos EUA, seremos sitiados e nos enviarão terroristas suicidas-bombas.
A guerra em curso hoje nada tem a ver com reformas, democracias, direitos humanos, eliminação da pobreza ou combate à ignorância; e só tem a ver, exclusivamente, com subjugar todos quantos rejeitem as ambições hegemônicas dos EUA.
Nasrallah chama Israel de "ferramenta para implementar a hegemonia dos EUA" no Oriente Médio. Faz lembrar uma observação do professor palestino Walid Khalidi: "Para muitos árabes, Israel é cabeça-de-praia do imperialismo dos EUA no Oriente Médio e sua executora" - conclusão que nada tem e não razoável, dadas as evidências.
Nasrallah descreve a política externa dos EUA como erguida sobre um modelo universalista da liderança dos EUA, que não deixa espaço algum para que outros países definam soberana e autonomamente o próprio caminho.
Há pelo menos uma pessoa próxima da política externa dos EUA que reconhece essa visão como perfeitamente acurada. Ana Montes, que, na véspera do 11/9 era a principal analista do Pentágono para assuntos de Cuba, e que denunciou a política externa dos EUA por "jamais ter respeitado o direito de Cuba de traçar o próprio caminho na direção de alcançar os próprios ideais cubanos de igualdade e justiça" - comentário em tudo semelhante ao de Nasrallah, para quem Washington não admite que o Irã seja "país livre e independente" que comanda e controla a própria economia e preserva a dignidade do próprio povo; e pune países que "buscam ser independentes e fortes."
IMAGEM: Ana Montes, Prisioneira de consciência da qual você nunca ouviu falar e para cuja libertação a ONG Anistia Internacional jamais moveu uma palha.
Montes lutou sem sucesso para compreender por que Washington continuava a "ditar como os cubanos deveriam eleger os próprios governantes, quem poderia e quem não poderia governar os cubanos, e que leis seriam mais 'apropriados' para os cubanos em sua própria terra" - assim como muitos sírios devem estar lutando para compreender a insistência de Washington para que o presidente que os sírios elegeram 'saia do governo', por que os EUA tanto insistem em ditar aos sírios quem devem eleger e como devem ser eleitos e, principalmente, quem os sírios 'não podem' eleger de modo algum.
"Por que", Montes indagou, "não podemos deixar que Cuba siga a própria jornada, exatamente como os EUA vimos fazendo já há dois séculos?"
E por que Washington não pode deixar Síria e Irã viverem como prefiram?
Pela análise de Nasrallah, essa resposta é clara. Nem a Síria nem o Irã, como tampouco Cuba, podem controlar as respectivas economias, por que isso conflita com aspirações da elite oligárquica empresarial, que é quem - não os cidadãos, nem os eleitores, nem, sequer, os eleitos! - domina a política nos EUA.
Indignada ante a total ausência de "tolerância e compreensão em Washington quanto aos modos e vias que outros escolham para si", Montes fez o que lhe ordenou sua consciência e forneceu a autoridades cubanas a inteligência reunida em plataformas de escutas clandestinas que espiões norte-americanos haviam implantado em Cuba, para dificultar ainda mais o exercício legítimo da autodeterminação dos cubanos.
Por esse seu trabalho para impedir que se consumassem uma injustiça e um crime, a Dra. Montes foi condenada a quase 25 anos de prisão por espionagem. Foi chamada de "a mais importante espiã de que vocês jamais ouviram falar", mas está também entre as mais importantes prisioneiras de consciência em todo o mundo, mas com a qual a Anistia Internacional nunca se preocupou.
É mais um caso da lista enorme de casos em que o imperialismo dos EUA agiu com violência, mas cuja vítima as muito falhadas e comprometidas ONGs de direitos humanos não ajudaram nem jamais ajudarão. Mais uma prática infame dessas ONGs, dentre muitas outras que se podem listar, como:
A prisioneira de consciência Ana Montes, inexistente para a ONG Anistia Internacional, permanece desafiadora, apesar da década e meia de prisão, que cumpre na prisão feminina de mais alta segurança dos EUA. "A cadeia é dos últimos lugares que eu jamais escolheria para viver" - disse ela -, "mas há coisas na vida pela quais tudo vale a pena, até a cadeia".
Como são pateticamente acanalhadas e covardes essas ONGs pró-imperialismo, como Anistia Internacional, comparadas à análise honesta e à coragem de Ana Montes.
Como é desprezível a colusão dessas ONGs, comparada à coragem moral de Nasrallah e dos demais incontáveis homens e mulheres que se opõem à ditadura internacional dos EUA, dos banqueiros, dos investidores bilionários, e dos fabricantes de armas. ONGs como Anistia Internacional servem a essa gente, que são proprietários delas, não, de modo algum, à defesa de algum direito humano.*****
David Rovic: "Canção para Ana Belen Montes"
Ø Os amigos dela (Anistia Internacional, ISIS, Frente al-Nusra) e
Ø Os inimigos dela (Hassan Nasrallah, Cuba, Ana Montes)
25/10/2015, Stephen Gowans, What is left
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