Snowden! A bomba

Edward Snowden, ex-agente terceirizado da CIA, em pequeno artigo publicado pela revista Der Spiegel, sob o título "Manifesto pela Verdade", afirma: "Em um curto espaço de tempo, o mundo aprendeu muito sobre a operação das agências de inteligência e sobre os programas de monitoramento muitas vezes ilegais."

Fernando Soares Campos

Edward Snowden, ex-agente terceirizado da CIA, em pequeno artigo publicado pela revista Der Spiegel, sob o título "Manifesto pela Verdade", afirma: "Em um curto espaço de tempo, o mundo aprendeu muito sobre a operação das agências de inteligência e sobre os programas de monitoramento muitas vezes ilegais."

["muitas vezes ilegais" ou "muitos deles ilegais"? A diferença é que, no primeiro caso, estaria se referindo à "ilegalidade" da "ação de operar" (operação, emprego) o programa; e, no segundo, à "ilegalidade" do programa em si (ilegalidade na constituição do programa).]

Snowden também afirma que as agências mais atuantes, a NSA e a GCHQ (inteligência britânica), "parecem ser os piores culpados" [pelas vezes em que operam os programas "de forma ilegal", ou pelas vezes em que empregam determinados programas "ilegais"?] e conclui que "Nós temos a obrigação moral de garantir que nossas leis e valores limitem os programas de monitoramento e protejam os direitos humanos".

 

[Que as leis e valores garantam limites à forma como operam os programas (a fim de evitar excessos, como se estabelece por lei a maneira de guiar um automóvel), ou estabelecer limites para a instalação de recursos do programa quando da elaboração destes?]

 

Sempre usando a palavra "monitoramento"; em momento algum, "espionagem". Mas... qual seria a diferença entre uma e outra nesse específico caso? Veremos. Ou tentemos identificar. Pelo visto, não existem mais espiões; mas, sim, monitores.

 

A "operação das agências de inteligência" não se limita a esta atividade (monitoramento), a qual nem mesmo é a verdadeira determinante do conceito de "espionagem".

 

A CIA e qualquer entidade congênere autodenominam-se "agências de inteligência", e não, de "espionagem".

 

O termo espionagem só se aplica a uma atividade essencialmente clandestina, ilegal; mas não em função do monitoramento em si nem mesmo por este ter sido realizado de forma secreta.

 

Quando mantemos alguma informação em segredo, temos o objetivo de resguardar interesses e podemos exigir confidencialidade de quem a ela tiver acesso. Porém, as pessoas que conscientemente mantiverem segredo sobre informações obtidas através de um monitoramento realizado de forma ilegal (invadindo espaços à força ou de forma sub-reptícia, sequestrando mensagens, decodificando, qualificando e classificando-as de acordo com as suas importâncias para específicos setores da empresa para a qual trabalham), tornam-se confidentes-cúmplices (ou cúmplices voluntários) dos processos e efeitos do "monitoramento". Nesse caso, podemos deduzir que todos os tecnólogos e técnicos em informática que servem aos sistemas de espionagem das agências especializadas, conscientes da ilegalidade do processo, ação ou efeito inerente às suas funções, e que guardam segredo sobre a transgressão das normas legais, são confidentes-cúmplices. Porém, caso exista, entre tais profissionais, alguém suficientemente ingênuo ao ponto de não perceber o fator de ilegalidade no processo ou efeito de sua ação, este pode ser considerado apenas cúmplice involuntário, sujeito aos ditames da lei, visto que a ninguém é vedado conhecê-la, porém embasado de recurso moralmente atenuante.

 

Numa dessas condições, o tecnólogo Eduard Snowden pode ser enquadrado por cumplicidade voluntária ou involuntária num processo ilegal de monitoramento de uma agência de espionagem. Porém, o mais curioso na sugestão de Snowden é o fato de ele solicitar leis e valores que "limitem" os programas de monitoramento, sem especificar em que sentido seriam aplicados (no uso ou na elaboração dos programas de monitoramento), pois isso implica criar obstáculo para as pesquisas que gerem informações para o desenvolvimento de mais avançadas linguagens de programação empregadas nas estruturas de segurança de bancos de dados e dos fluxos de mensagens.

 

Estamos acostumados a falar de espionagem como sendo o trabalho realizado sistematicamente por um país, uma empresa privada ou um indivíduo, através do monitoramento (identificação, observação, acompanhamento, análise e qualificação) de eventos produzidos por pessoas ou entidades coletivas; com o propósito de tomar decisões em função de determinados interesses. Sendo assim, no âmbito das estruturas de uma agência de espionagem, um monitor atua como simples operador apenas enquanto está coletando, observando, analisando e qualificando os eventos; porém sua condição de espião só se caracteriza no caso em que ele, ao fornecer o material coletado e finalmente qualificado ao seu empregador, possa assumir participação no processo de análise e deliberação sobre as atitudes a serem tomadas, considerando o destino e emprego do material qualificado.

 

Por exemplo: uma agência de espionagem decide monitorar o comportamento de um diplomata no seu país de origem, com o propósito de obter informações sobre o posicionamento do seu governo em relação a determinada questão  que envolve interesses comuns entre diversos países, inclusive o da agência espiã. Primeiro passo: expedir específica ordem de monitoramento para o setor responsável por esse tipo de atividade.

 

A função dos profissionais em monitoramento, na estrita realização do seu trabalho, consiste basicamente em: a) determinar instrumentos e métodos de captação de material informativo; porém, à falta destes, cabe aos mais habilitados obter ou criar instrumentos, preparar e supervisionar equipe operacional - isto a empresa pode fazer utilizando seus próprios recursos, ou contratando empresa especializada, ou seja, terceirizando; b) observar o material coletado e selecionar aquele que for identificando através de alguma característica previamente determinada como indício de informação importante no contexto do propósito da empresa contratante; c) avivar a observação com o propósito de perceber outros indícios consideráveis e reuni-los num conjunto formado por uma série de dados interativos, o qual expresse um conceito ou uma informação objetiva.

 

Na condição de servidor terceirizado da CIA, Snowden e tantos outros profissionais de TI (técnicos e tecnólogos) certamente são contratados para exercerem as funções inerentes às atividades de criador, desenvolvedor, analista e administrador de sistemas, aparelhos, instrumentos e dispositivos próprios para coletar dados, verificar suas mensagens e importâncias para os propósitos da agência contratante.

 

O agente de monitoramento, no âmbito da espionagem sistemática, não passa de funcionário de um dos setores operacionais. Sua atuação está limitada à especialidade e grau de conhecimentos técnicos apropriados para desenvolver operacionalidade de tecnologias em informática e executar operações específicas - em quantidade e qualidade (seleção de produtos mais ou menos importantes).

 

Observemos que Snowden fundamenta sua sugestão de "garantir que nossas leis e valores limitem os programas de monitoramento" no fato de que o mundo teria, segundo ele, aprendido "muito" sobre a "operação das agências de inteligência" e sobre os "programas de monitoramento". Portanto, a garantia (legal e moral) que ele sugere PARECE visar tão-somente limitar a forma como alguém opera (aplica) os "programas de monitoramento". Mas só parece.

 

É como se continuássemos debatendo sobre o emprego pacífico ou para fins bélicos da energia nuclear, visando apenas o poder destruidor da bomba nuclear. Leis (normas) que impedem o uso de bomba nuclear são elaboradas sob acordo entre partes conflitantes, e os argumentos se fundamentam em valores essencialmente "afetivos" (desumanidade, monstruosidade, covardia... os quais reforçam a defesa de direitos à democracia e liberdade; tudo expressando conceitos subjetivos).

Pesquisas e desenvolvimento de tecnologias nucleares

 

Ao afirmar que as "leis e valores" devem limitar "os programas de monitoramento", Snowden pode estar sugerindo limites ao "desenvolvimento" dos programas; e não, ao "emprego" destes. Pelo menos ele não deixou isso bem definido.

 

Chamar para o debate simplesmente falando em limitar os programas de monitoramento, sem especificar o alvo (emprego e desenvolvimento) das determinações legais, nos remete à questão do limite do "emprego" da energia nuclear, pois o debate sobre pesquisas e desenvolvimento de tecnologia no campo da energia nuclear parece estar fundamentado apenas no que diz respeito ao uso (emprego) pacífico ou bélico. Hoje diríamos: para fins pacíficos ou terroristas. E discutir essa questão apenas sob esse ponto de vista, cria-se um impasse em relação às pesquisas sobre a forma de controlar a fusão nuclear como acontece com a fissão (creio que o mais correto seria dizer: como também não se controla a fissão), pois  tais pesquisas são de fundamental importância para o "desenvolvimento" de tecnologias nucleares para uso pacífico.

 

Se criarmos leis, ou empregarmos as já existentes, com o propósito de limitar o desenvolvimento de programas de monitoramento mais potentes do que os hoje existem para atacar os sistemas, acreditando que só precisamos criar programas de defesa a esses ataques, estaremos comparando os programas de monitoramento agressivos a uma bomba nuclear virtual (material bélico). Quem tem, não pode ou não deve usar, mas pode estocar e manter seu arsenal ameaçador, obrigando quem não tem a criar ou comprar programas de defesa (material pacífico).

 

É fácil disseminar o terror que é o uso da bomba nuclear, pois todos sabemos que ela tem um muito elevado poder de destruição em massa, inclusive de todo o planeta, levando consigo toda vida inteligente nele existente.

 

Discutir a questão do uso da energia nuclear simplesmente vedando o seu emprego no âmbito da ação bélica trava os trabalhos de pesquisa. Os governos que queiram utilizar a energia nuclear para fins pacíficos precisam provar que não o farão com objetivos bélicos.

 

O mais irônico nessa história é que o governo mais exigente no que se refere à não-proliferação de armas nucleares é exatamente aquele que, junto com seus aliados, detém o mais poderoso arsenal atômico da Terra e possui o maior número de usinas para geração de eletricidade; mais do que todas as outras nações juntas. E também domina as mais avançadas tecnologias com o emprego de energia nuclear em instrumentos e produtos nas áreas de saúde, agricultura e indústria alimentícia.

 

Desde Hiroshima e Nagasaki, os maiores atos terroristas da História da Humanidade, toda a população humana teme uma hecatombe nuclear.

 

Então, considerando que esses eventos evocam o profetizado Armagedom, fortaleceu-se o pavor de um mundo com armas de destruição em massa, principalmente a bomba atômica. Assim sendo, o império belicista consegue travar as pesquisas sobre o controle da fusão e fissão do núcleo atômico, colocando obstáculos para que outros países, principalmente os não alinhados pelo seu poder, desenvolvam sua própria tecnologia nuclear com finalidades pacíficas. Para isso, basta insinuar e alardear o perigo do desvio de intenções.

 

Observemos, por exemplo, o caso do Irã. Se aquele país, em vez de desenvolver pesquisas sobre o emprego de energia nuclear e radioatividade para fins pacíficos, resolvesse comprar projetos de usinas e equipamentos produzidos para pronta entrega nos Estados Unidos ou na mão de seus aliados, não teria dificuldades.

 

Instituir leis que possam limitar "o emprego dos programas existentes" e proibir o desenvolvimento de "programas iguais ou ainda mais potentes" é uma forma indireta de obrigar os países que não possuem tecnologia própria a comprar programas, equipamentos e sistemas de proteção contra ciberespionagem, mantendo a ciberguerra fria.

 

Quando Ronald Reagan determinou o desenvolvimento do programa Strategic Defense Initiative (Iniciativa de Defesa Estratégica), também conhecido como Guerra nas Estrelas, não pretendia com isso oferecer proteção apenas ao território dos Estados Unidos, como aparentemente sugeria, mas, sim, a todo o bloco ocidental formado pelos países alinhados ao império belicista, contra possível ataque da União Soviética . Isso no auge do período da chamada II Guerra Fria, anos 1980.

 

Acontece que ambos os lados possuíam imensos arsenais nucleares. Quer dizer, os países que formavam o bloco ocidental (capitalista) deveriam temer ataques do bloco soviético (socialista). Mesmo assim esse projeto de barreira de proteção não foi adiante nos termos em que foi proposto. Mas existem sistemas menores similares ao mega projeto original, com finalidades idênticas, produzidos pelos Estados Unidos e vendidos no mundo inteiro.

 

Hoje, no chamado mundo virtual, os mísseis nucleares cibernéticos são programas de computador que atacam redes e sistemas, porém, o que parece estar acontecendo é que apenas um bloco detém o poder de fogo e quer vender proteção contra si próprio. Para isso, produziu ataques relâmpago em série a instituições militares, políticas, econômicas, financeiras e produtoras em geral de todo o mundo, disseminou (fazendo vazar) informações sobre tudo isso, inclusive com detalhes sobre seu material bélico e poder de destruição. Simulou ataques contra si próprio e seus mais diretos parceiros. Mandou mundo afora alguns de seus mais competentes colaboradores (elementos de terceiro escalão a baixo),  aos quais, para legitimá-los como seus inimigos, os acusou de traição (nunca se viu tantos agentes "traidores" e "madalenas arrependidas", fazendo falsos mea-culpa, tentando se infiltrar nas trincheiras inimigas, em postos estratégicos. Foi assim que Hong Kong passou a ser conhecida como a cidade em que o gatosnow morreu na China e reencarnou em Moscou,  Jack, o estripador da Oceania, se perdeu no fog londrino e foi parar numa choupana andina, Glenn Greengonwald veio pro Brasil e virou guardião do mirador.

 

Apesar dos pesares, o mundo real não vai explodir aos pedaços devido a uma hecatombe no universo virtual. O máximo que pode acontecer, no caso do Brasil, por exemplo, é uma viagem no tempo, uma volta a vinte e dois de abril de mil e quinhentos. Com a vantagem de havermos formado uma nação maravilhosamente miscigenada e nos tornado um dos mais (se não, o mais) multicultural país do planeta. Sorry, pump.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey