No dia 28 de outubro, haverá eleições presidenciais e legislativas na Argentina. Embora a constituição lhe permita, o atual presidente Néstor Kirchner decidiu não tentar reeleger-se preferiu apoiar como candidato sua esposa, a atual senadora Cristina Fernández de Kirchner, quem, segundo as pesquisas realizadas até agora, será provavelmente a nova chefe do executivo.
O atual presidente argentino está terminando seu mandato com 49% de aprovação popular um número razoavelmente alto, embora muito inferior aos 77% registrados há dois anos. E coincidentemente, pode-se dividir o governo de Néstor Kirchner em dois: a primeira metade excelente, e a segunda com maiores erros, embora longe de ser realmente ruim. Até 2005 seu governo registrou avanços espetaculares, com altíssima taxa de crescimento econômico (mais de 9% anual), acordo com os credores da dívida externa (que havia entrado em default em 2002), grande diminuição do desemprego e da pobreza, e uma taxa de inflação razoavelmente baixa. Resultados ainda mais impressionantes quando se lembra que, no fim de 2001, o país passou por uma terrível crise econômica e institucional.
O marco divisor do governo Kirchner foi a renúncia do ministro de economia Roberto Lavagna em novembro de 2005. Lavagna já ocupava o posto desde 2002, antes ainda do governo Kirchner, e foi o principal responsável pela recuperação do país depois da tremenda crise de 2000-2001. Agora Lavagna é opositor ao governo de Kirchner e se candidatou a presidente, embora tenha pouca chance de ganhar. Aparentemente, o principal desentendimento entre o presidente e Lavagna foi o problema da inflação, que cresceu muito em 2005 Lavagna queria combatê-la usando métodos ortodoxos (alta de juros, contenção de aumentos indiscriminados de salários, controle rigoroso de emissão de moeda), enquanto Kirchner preferia métodos heterodoxos, como acordos de preços. É preciso dizer que Lavagna provavelmente tinha razão, pois, apesar dos acordos de preços do governo com produtores, distribuidores e comerciantes, a inflação, em vez de ceder, aumenta. Embora esteja longe de ser uma hiperinflação, já está alcançando números preocupantes.
Lavagna foi substituído por Felisa Miceli, quem manteve muitas das políticas macroeconômicas anteriores que mostraram ser bem sucedidas (superávit fiscal, moeda relativamente desvalorizada para incentivar as exportações, baixa de impostos à classe média para estimular o consumo, e benefícios para recuperar o setor industrial), mas fracassou por completo no combate à inflação. E teve que renunciar em julho deste ano, quando se encontrou um saco com 31 mil dólares e 100 mil pesos argentinos no banheiro de seu gabinete, cuja origem legal ela não pôde explicar.
O pior do governo atual, no entanto, tem sido sua atitude absurda de negar a inflação, o que leva muitos a crer que os índices oficiais de inflação (estudados e publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, INDEC) estão sendo manipulados pelo governo. Realmente, os índices oficiais, que mostram uma inflação mensal de aproximadamente 0,5% ao mês, parecem demasiadamente baixos quando comparados aos aumentos constantes dos preços de quase todos os produtos e serviços. Apenas os serviços públicos (transporte público, comunicações, gás, eletricidade e água) não sobem, por estarem congelados.
Nesta semana, a diretora do INDEC na província de Mendoza denunciou que a taxa de inflação verdadeira na sua província foi de 3,1%, e que o governo manipulou os dados para que oficialmente aparecesse como sendo de 1,5%. É a principal evidência de que realmente pode estar havendo algum tipo de maquiagem nos dados.
A tentativa do governo de negar a inflação não apenas é inútil, pois a população vê e sente diretamente os aumentos dos preços, como também atrapalha sua campanha eleitoral, já que todos os candidatos da oposição usam o tema da inflação como argumento. Seria muito mais honesto e conforme a seus interesses afirmar que sim, há inflação, e que este é um preço razoável a se pagar pelo crescimento, geração de empregos e diminuição da pobreza. Uma taxa de inflação dentro de limites aceitáveis (entre 10 a 15% anuais) com crescimento econômico de 8 ou 9% por ano, é algo muito melhor do que ter inflação muito baixa e estagnação econômica.
Apesar disso, o governo de Kirchner pode ser considerado bem-sucedido, com muito mais acertos que erros. A economia ainda cresce mais de 8%, houve um notável aumento de investimentos em saúde, educação e pesquisas científicas. Sua proposta econômica, de rejeitar o liberalismo e monetarismo estritos sem recorrer a um excesso de estatismo ou diminuição da iniciativa privada, realmente provou ser bem-sucedida, e é basicamente igual a de outros países com crescimento notável, como a Rússia. Sua política exterior, embora tenha pouca prioridade quando comparada com temas internos, também avançou, com o fim do alinhamento automático com os EUA, o fortalecimento e expansão do Mercosul e o aprofundamento de relações com outros países sul-americanos, principalmente Venezuela e Bolívia.
Seu sucessor (que provavelmente será sua esposa) terá problemas difíceis pela frente, como controlar a inflação e melhorar a infra-estrutura do país, pois os investimentos nesta área ainda são poucos, o que poderá frear o crescimento num futuro próximo. O setor elétrico é particularmente sensível, já que o forte crescimento econômico dos últimos anos não foi acompanhado de um igual aumento na geração de energia, e o sistema está à beira de um apagão. Mas sem dúvida governará um país com uma situação imensamente melhor do que se encontrava há 4 anos, quando Kirchner iniciou seu governo.
Carlo MOIANA
Buenos Aires
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